25 Junho 2024
Sua figura já é fantasmagórica. Não no sentido de perturbar o sono do Papa, mas precisamente porque não se sabe onde está. Dom Carlo Maria Viganò, agora formalmente acusado de cisma pelo antigo Santo Ofício, está escondido há anos. Com o tempo, suas declarações foram um crescendo de acusações, teorias da conspiração, divagações teológico-políticas, a tal ponto que já havia quem jurasse que a Santa Sé simplesmente o deixaria no esquecimento. Viganò, no entanto, não é o último desconhecido e ainda tem alguns seguidores, especialmente nos círculos mais reacionários do catolicismo estadunidense.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Repubblica, 21-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nascido em Varese há 83 anos, ordenado padre no fatídico 1968, Carlo Maria Viganò escalou discretamente todos os degraus da carreira vaticana. Jovem assessor na Secretaria de Estado, levanta o telefone quando, nos dias seguintes ao desaparecimento de Emanuela Orlandi, no Vaticano chega o telefonema do Amerikano, obscuro chantagista que depois desapareceu no ar. Monsenhor Viganò está no coração da Cúria romana da era Wojtyla e partilha as suas glórias e ideais. Em 2009 Bento XVI o nomeia secretário-geral do governatorato e logo depois começa a ser um nome conhecido nos noticiários, e como. Ele descobre contratos irregulares, encontra resistências. Escreve ao Papa Ratzinger, e uma de suas cartas está entre as primeiras que chegam à imprensa no primeiro caso Vatileaks, o vazamento de documentos confidenciais da mesa do Pontífice alemão. Que o escuta, mas decide afastá-lo de Roma, promovendo-o a uma das sedes diplomáticas de maior prestígio: Washington.
Aqui Viganò trabalha muito, é apreciado pelos bispos estadunidenses e parece se acertar com a máquina do Vaticano. Até a eleição em 2013 de Francisco, o Papa reformista. Inicialmente as relações são boas, mas logo se rompem. Quando Bergoglio visita os Estados Unidos, por exemplo, Viganò organiza um encontro com Kim Davis, uma funcionária municipal da Kentucky, que havia sido presa por recusar a autorização matrimonial a vários casais homossexuais. Francisco só entende no último minuto e não gosta. Mas é outro caso que acaba com o relacionamento, aquele do Cardeal Theodore McCarrick: poderoso arcebispo de Washington, com o tempo vêm à tona seus repetidos abusos sexuais. Viganò fala sobre isso ao Papa, e mais tarde o acusa de querer encobrir. Em 2018, publica uma carta-bomba na qual pede a renúncia do Papa e acusa o Vaticano. Com o tempo, o caso se esvazia, o Papa expulsa Mc-Carrick do colégio cardinalício, depois o demite do estado clerical e o Vaticano publica um relatório detalhado sobre os crimes do cardeal e os encobrimentos do Vaticano: as acusações de Viganò não se sustentam. Mas a deriva separatista já está encaminhada: desde então o prelado, agora aposentado, fica escondido.
“Não sei o que aconteceu”, comenta hoje o cardeal Parolin, que se diz entristecido no plano pessoal porque “sempre apreciei Viganò como um grande trabalhador, muito fiel à Santa Sé, em certo sentido, era um exemplo”. Pode ser porque o reformismo bergogliano enlouquece um determinado ambiente católico, pode ser que ele entra em contato com os bispos reacionários dos EUA, mas ao longo dos anos, Viganò, por meio de blogs, redes sociais ou diversas cartas, multiplica os ataques ao Papa e ao Concílio Vaticano II.
Entusiasta trumpiano, simpatizante putiniano, convicto no vax (Bergoglio “impôs a utilização de soros genéticos experimentais, que causaram danos gravíssimos, mortes e esterilidade, definindo-os de ‘um ato de amor’, em troca dos financiamentos das indústrias farmacêuticas”), Viganò se enfurece contra o Great Reset, as conspirações globalistas das finanças internacionais, a OTAN e a OMS, George Soros e Bill Gates.
Quando Francisco decide abençoar os casais homossexuais, ele enlouquece contra “os servos de Satanás a partir do usurpador que está sentado no trono de Pedro”. Acusa o Papa de defender os migrantes porque é a favor da “substituição étnica”, ataca-o porque “escreve delirantes encíclicas sobre o meio ambiente”. Ele se aproxima dos lefebvrianos: “a sua defesa é a minha, as suas palavras são as minhas", fala agora de D. Marcel Lefèbvre. Última iniciativa, a gota que faz transbordar o copo (o processo aberto partiria justamente daí), a decisão de reestruturar uma ermida nos arredores de Viterbo para acolher as supostas vítimas dos "expurgos bergoglianos" e combater a "hierarquia modernista" e a "seita conciliar" liderada por Francisco. Um cisma já consumado, apenas à espera do selo oficial.
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Do caso Orlandi ao Vatileaks, o arcebispo das conspirações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU