24 Abril 2023
O desaparecimento de uma adolescente de 15 anos, filha de um empregado do Vaticano, há 40 anos continua dominando os noticiários na Itália. Comentários recentes de seu irmão irritaram as autoridades da Igreja.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 18-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Conhecido como o “caso Orlandi” e, graças a uma recente série televisiva, como o caso da “Garota Desaparecida do Vaticano” (Vatican Girl, Netflix), trata-se da saga de Emanuela Orlandi, uma jovem de 15 anos, filha de um empregado do Vaticano, que desapareceu em Roma cerca de 40 anos atrás.
Como seu pai trabalhava na Prefeitura da Casa Pontifícia, ela e sua família moravam na Cidade do Vaticano, tornando-a uma das poucas menores de idade a ter a nacionalidade do menor Estado do mundo.
Quando ela desapareceu em 22 de junho de 1983, depois da aula em sua escola de música em Roma, sua família inicialmente pensou que ela havia fugido. Mas, depois, parecia que ela havia sido sequestrada, e uma grande investigação foi iniciada rapidamente. Apenas alguns dias depois de seu desaparecimento, João Paulo II até apelou publicamente para que seus sequestradores a libertassem.
Embora Emanuela Orlandi nunca tenha sido encontrada, seu destino tem sido objeto de muitas hipóteses ao longo dos últimos 40 anos e se tornou uma história recorrente na imprensa italiana.
Segundo algumas teorias, uma organização criminosa com sede em Roma, chamada Banda della Magliana, sequestrou-a como resgate para recuperar o dinheiro que havia emprestado ao arcebispo Paul Marcinkus, ex-presidente do chamado banco do Vaticano (IOR). O empréstimo foi aparentemente usado para financiar o sindicato anticomunista da Polônia Solidarnosc, mas nunca foi pago.
Outra teoria alega que Orlandi foi sequestrada para obter a libertação de Mehmet Ali Ağca, o turco que tentou assassinar João Paulo II em 1981. Os Lobos Cinzentos, uma organização ultranacionalista turca, são acusados há muito tempo de terem sequestrado a jovem, sem que isso nunca tenha sido provado. Ali Ağca foi solto em 2010 e, em carta aberta publicada em 2019, alegou que Emanuela Orlandi ainda estava viva e que era preciso buscar vestígios dela nos arquivos da CIA.
Nos últimos anos, seu corpo foi procurado em vários lugares: o Cemitério Teutônico dentro da Cidade do Vaticano, onde uma carta anônima levou a exumações em 2019; a Villa Giorgina, em Roma, onde ossos foram encontrados em 2018; a Basílica de Santo Apolinário, perto da Piazza Navona, onde, em 2012, a polícia reabriu o túmulo de um chefe da máfia que foi enterrado na cripta onde esperam encontrar os restos mortais da jovem. Mas não havia nenhum vestígio de Emanuela Orlandi em nenhum desses lugares.
Pistas para a localização de Orlandi ou de seus restos mortais também foram buscadas na Inglaterra, onde alguns dizem que ela foi enviada por seus captores para um internato nos subúrbios de Londres. As buscas também levaram a Liechtenstein, França e Suíça – mas tudo em vão.
Para surpresa de todos, o Vaticano anunciou em janeiro passado que seu sistema de justiça civil estava reabrindo as investigações sobre o misterioso desaparecimento de Emanuela Orlandi. Isso ocorreu algumas semanas depois que a Netflix lançou um documentário sobre o caso dela chamado “A Garota Desaparecida do Vaticano”.
Então, em 11 de abril, o irmão mais velho de Orlandi, Pietro, que luta há anos para descobrir a verdade sobre Emanuela, se reuniu por quase oito horas com Alessandro Diddi, o promotor de justiça do Vaticano. O irmão mais velho de Orlandi disse que forneceu novas evidências ao promotor.
Mas foram os comentários de Pietro Orlandi em um programa de televisão italiano transmitido pela rede de televisão La7 naquela noite que provocaram um alvoroço no Vaticano. Ele disse ter provas de que João Paulo II saía furtivamente do Vaticano à noite para abusar de meninas.
“Disseram-me que Wojtyla costumava sair à noite com dois padres poloneses, e certamente não era para abençoar casas”, disse Orlandi.
Ele produziu uma gravação em áudio na qual um homem com estreitos laços com a máfia afirma ter sido encarregado de eliminar meninas que haviam sido exploradas sexualmente por prelados da Cúria Romana.
“O Papa João Paulo II costumava levar essas meninas para o Vaticano; era uma situação intolerável. Em algum momento, o secretário de Estado interveio para se livrar delas e recorreu a pessoas do sistema prisional”, afirmou Pietro Orlandi.
As afirmações provocaram um grande abalo no Vaticano. E a resposta das autoridades da Igreja veio em ondas. O cardeal polonês Stanisław Dziwisz, secretário pessoal de longa data de João Paulo II, emitiu um comunicado em 13 de abril denunciando as “acusações virulentas”. Ele disse que se resumiam a “acusações falsas do começo ao fim, irrealistas, risíveis, beirando a comédia, se não fossem trágicas e até mesmo criminosas”. “Posso testemunhar, sem medo de negar, que, desde o início, o Santo Padre assumiu o caso”, acrescentou o cardeal de 84 anos.
No dia seguinte, o Vatican News – o principal braço midiático do Dicastério para a Comunicação – denunciou o que chamou de “massacre midiático”, que “fere os corações de milhões de crentes e não crentes”. “Ninguém merece ser caluniado dessa forma, sem um pingo de prova”, escreveu Andrea Tornielli, diretor editorial do dicastério. “Alguma prova? Nenhuma prova. Alguma evidência? Menos ainda”, insistiu Andrea Tornielli. “Testemunhos que são pelo menos de segunda ou terceira mão? Sem sombra de dúvida. Apenas acusações anônimas e caluniosas”, escreveu o jornalista italiano.
Os promotores vaticanos também criticaram o advogado de Orlandi por não revelar os nomes de certas fontes, contestando suas reivindicações de privilégio advogado-cliente.
Por fim, o Papa Francisco se pronunciou no último domingo, enquanto discursava à multidão na Praça São Pedro depois de rezar o Regina Caeli ao meio-dia. “Certo de interpretar os sentimentos dos fiéis de todo o mundo, dirijo um pensamento agradecido à memória de São João Paulo II, objeto nestes dias de ilações ofensivas e infundadas”, disse Francisco.
Após o alvoroço provocado por seus comentários iniciais, Pietro Orlandi disse desde então que nunca acusou João Paulo II de nada. Em vez disso, ele afirma que estava apenas transmitindo informações que surgiram em seu caminho. “Certamente, não cabe a mim dizer se essa pessoa falou a verdade ou não”, escreveu ele no dia 15 de abril. “Nunca acusamos Wojtyla de nada, como alguns querem que vocês acreditem. Nossa única intenção é fazer justiça para a minha irmã Emanuela e chegar à verdade, seja ela qual for.”
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Por que o Vaticano está revisitando o misterioso desaparecimento de Emanuela Orlandi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU