20 Junho 2024
"A ideia de reinventar a economia europeia em vista da transição ecológica e da economia circular evidentemente não convenceu a todos, ou a ideia é boa em palavras, mas quando depois se passa para os decretos efetivos, eis que retornam interesses sujos e corporações que não querem olhar na cara do abismo ao longo do qual estamos dançando", escreve Mario Tozzi, geólogo italiano e divulgador científico, em artigo publicado por La Stampa, 19-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
De forma totalmente inesperada, mas positiva, foi aprovada a Lei de Restauração da Natureza europeia, isto é, a lei-quadro que prevê a recuperação dos ecossistemas continentais severamente danificados e degradados. Os Estados-membros da UE mantiveram os seus empenhos e, respeitando a votação anterior do Parlamento Europeu, aprovaram por maioria qualificada o Regulamento sobre a recuperação da natureza. A lei que acaba de ser aprovada prevê a recuperação de 20% dos habitats naturais nos próximos 15 anos e a adoção de políticas para trazer de volta a “boas” condições os restantes 80% de cada ecossistema comprometido. Além disso, deveriam ser recuperadas as áreas verdes em relação à extensão metropolitana, recuperar os habitats dos insetos polinizadores (incluindo pântanos), dos quais dependem todos os anos na Europa algo como cinco bilhões de euros de produção agrícola e limitar a agricultura intensiva para proteger a biodiversidade vegetal ameaçada. E também a recuperação do curso natural dos rios, que teria, olhando retrospectivamente, limitado os danos e mitigado o risco hidrogeológico na Romagna, nas Marche e na Toscana e todo o território italiano submetido a inundações e deslizamentos de terra. A renaturalização dos sistemas degradados teria, por fim, como postulado, o incremento da capacidade de resiliência em relação à crise climática atual. Uma boa lei sob todos os pontos de vista.
É talvez o último sinal que o antigo Parlamento Europeu, influenciado positivamente pelas instâncias ambientalistas, conseguiu dar para colocar o velho continente, um pouco mais que simbolicamente, à frente da política verde mundial. Vale a pena recordar que a UE é atualmente responsável por uma parcela limitada de emissões que alteram o clima (cerca de 10%), mas que esse não é o único dado a analisar: quando se leva em consideração o dióxido de carbono cumulativo a partir de revolução industrial, vê-se claramente que a Europa é a maior responsável global pela incidência antrópica sobre as mudanças climáticas, com a sua contribuição de 33% contra 30% da Ásia e 28% da América do Norte.
Portanto, não podemos esquecer o passado e fingir que tudo começou vinte anos atrás: durante dois séculos poluímos como se não houvesse amanhã e hoje pretendemos que apenas os atuais grandes poluidores paguem o preço da recuperação, sem compensações e sem abrir mão de nada. Esquecendo que um único cidadão indiano emite aproximadamente 2 toneladas de CO2/ano em comparação com aproximadamente 7 do cidadão italiano e 16 do estadunidense: quem deveria mudar o seu estilo de vida?
A Europa está finalmente assumindo as suas responsabilidades e age como precursora no que diz respeito a uma reconversão ecológica do planeta que não pode mais ser adiada. No entanto, a lei foi contestada durante muito tempo, especialmente pelo bloco conservador liderado pelo PPE, que esperava a sua rejeição, e alguns países votaram contra: Hungria, Holanda, Polônia, Finlândia, Suécia e Itália. Foi decisivo o voto da Áustria, que mudou a sua posição anterior e permitiu a aprovação. E talvez não seja totalmente desvinculada da recente rejeição das rígidas regras para a passagem dos caminhões no território austríaco que tinha agradado os tradicionais poluidores rodoviários (Itália primeiro).
A ideia de reinventar a economia europeia em vista da transição ecológica e da economia circular evidentemente não convenceu a todos, ou a ideia é boa em palavras, mas quando depois se passa para os decretos efetivos, eis que retornam interesses sujos e corporações que não querem olhar na cara do abismo ao longo do qual estamos dançando. No entanto, até mesmo algumas multinacionais (como Nestlé, Unilever e Ikea), tendo compreendido também o benefício econômico, além daquele para a saúde e o meio ambiente, assinaram uma declaração conjunta na qual pedem “a urgente adoção de uma lei europeia sobre a recuperação da natureza que seja ambiciosa e vinculante". Mas o resultado é também filho de uma mobilização pública massiva: nos últimos anos foram recolhidas mais de um milhão de assinaturas e mensagens de cidadãos, repetidos apelos de mais de 6.000 cientistas, organizações de jovens e da sociedade civil em defesa da integridade do Pacto Ecológico da UE. A lei sobreviveu a uma impressionante campanha de desinformação que fez acreditar aos agricultores que os seus problemas de hoje fossem devidos a uma lei que ainda estava por vir e não a meio século de falta de planejamento e de medidas puramente protecionistas: tentou-se fazer acreditar à opinião pública de que o inimigo era o futuro Acordo Verde e não as décadas anteriores de “Acordo Marrom".
Enquanto os defensores tinham do seu lado cientistas de todo o mundo, para os opositores foi uma batalha puramente ideológica: agora tudo o que diz respeito à natureza é "comunista", dado que sua proteção impede a maximização dos lucros, não compreendendo que o colapso desse sistema econômico predatório é fisicamente inevitável, se não forem impostos limites à liberdade de negócios. Mas agora, pelo menos em teoria, a situação muda e essa aprovação é também uma mensagem muito clara tendo em vista os próximos cinco anos do Parlamento e da Comissão europeus: a biodiversidade e o clima são e devem continuar a ser uma prioridade estratégica da nova legislatura, ninguém pode escapar disso. E também o Governo italiano não poderá evitar a implementação do Regulamento em nível nacional, definindo um plano nacional vinculante com objetivos claros e concretos e apoiando aquele mundo empresarial que está pronto a investir.
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A virada verde de Bruxelas que restaura rios e lagos: agora a Terra pode ser salva. Artigo de Mario Tozzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU