11 Junho 2024
O artista plástico Luiz Zerbini tem observado as mudanças na flora brasileira há décadas e retratou este declínio em muitas de suas telas. Paisagista, educador e ativista, ele acompanha o noticiário com voracidade e lamenta as recentes tragédias ambientais que pautam todos os jornais do Brasil. “Já estamos um pouco perdidos”, admite, embora saiba que maiores consequências possam ser evitadas.
A entrevista é de Matheus Lopes Qurino, escritor e jornalista, publicada por O Eco em 06-06-2024.
Zerbini relembra importantes conversas que deve com intelectuais e ativistas, como Dário Kopenawa, filho do xamã Davi Kopenawa, e o antropólogo Bruce Albert, que curou a exposição Nous Les Arbres em Paris, em 2019.
Partiu de Albert o incentivo para que o brasileiro pintasse um de seus trabalhos mais críticos ao massacre na Terra indígena Yanomami: Massacre de Haximu, que hoje pertence ao acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o MASP.
A partir do dia 19 de junho, a obra e outras dezenas de pinturas, esculturas e instalações vão estar no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, na mostra Paisagens Ruminadas, que marca 50 anos da carreira do artista.
Luiz Zerbini, sua produção plástica se concentra bastante em paisagens. Como é ser um pintor paisagista que se depara com as constantes mudanças e ameaças à flora brasileira?
A paisagem do Brasil mudou drasticamente em 50 anos, que é o tempo que eu pinto. É incrível porque, quando eu viajava pelo interior de São Paulo, menino, havia muitos insetos mortos no para-brisas dos ônibus, dos carros. No final da viagem, era sempre preciso lavar o vidro. Hoje em dia, não. Parece que não tem mais [aquela quantidade de] insetos. No litoral, não tinha nada construído. Parece que morei em outro planeta. Eu vivi a Mata Atlântica no auge. Hoje em dia a paisagem é atacada o tempo inteiro. Hoje, estou cercado pela floresta da Tijuca, onde fica meu ateliê. Mas o bairro está mudando. O mar está mais sujo, pintar o mar, hoje, é diferente. A poluição impactou até nisso.
Muitas tragédias ambientais abalaram o Brasil nas últimas décadas. E talvez a mais marcante tenha sido o massacre de Haximu, aquela chacina de indígenas Yanomamis que aconteceu em 1993, em Roraima. Haximu é o nome da comunidade que vivia na fronteira entre o Brasil e a Venezuela: e também é o título de uma obra recente sua – que será exposta pela primeira vez no Rio de Janeiro, na retrospectiva no Centro Cultural do Banco do Brasil. Como foi retratar este território que foi palco de genocídios em 1993 e 2022?
É importante lembrar que esse massacre, de 1993, foi o primeiro e crime do Brasil a ser julgado como um genocídio [que resultou na morte de dezesseis índios por violências praticadas por garimpeiros ilegais]. E há uma pergunta que sempre me vem: de onde vem o mercúrio utilizado no garimpo? Me parece que o lugar que mais se produz é a Guiana.
Então, teoricamente, seria simples acabar com isso. Mas existe uma indústria predatória que importa esse mercúrio em quantidades avassaladoras. E as tragédias se repetem. Quis dimensionar essa tragédia na tela, mas fiquei na dúvida se eu faria a pintura ou não. Quando o Adriano Pedrosa [diretor artístico do MASP] me pediu, quase declinei. Mas minha admiração pelos povos indígenas e pela maneira com que eles compreendem o mundo falou mais alto. Então, descobri que Haximu quer dizer um riacho, um igarapé, onde tem o nhambu, um pássaro grande que coloca ovos azuis. Eu me identifiquei com isso. Com as formas e as cores.
Suas pinturas, exuberantes, coloridas, repletas de grafismos e experimentações já ganharam exposições em países da Europa e nos Estados Unidos, sempre como representações possíveis de um Brasil exótico. Este termo, exótico, hoje é visto como pejorativo e sinônimo de mau gosto. E essa visão, alimentada por países do norte do globo, recai sobre artistas do sul de uma maneira bastante questionada. Você acha suas pinturas exóticas?
Há um tempo não gostava muito do exotismo, mas hoje acho que tem uma verdade nisso. Eles [EUA e Londres] enxergam o Brasil como um país distante e exótico. Sinto que aos olhos deles vou continuar sendo exótico. Agora, na minha perspectiva daqui, no Brasil, faço um retrato do que eu vivo, da minha cultura, do meu país. Eu viajei muito, e eu tenho achado que eles [gringos] não sabem o que é bom.
Qual é a visão estrangeira sobre o Brasil e a floresta?
Atravessei os Estados Unidos e observei um deserto de uma costa a outra. É uma outra beleza, mas é diferente. Quando sobrevoamos a Amazônia, aquilo ali é uma riqueza. Não existe lugar mais rico do que o Brasil. Se o Brasil virar um deserto, aqui vai virar um lugar que eles já estão habituados. Por isso eles estão interessados em Marte [e não preocupados com a preservação da floresta].
E aqui, o brasileiro se preocupa com as florestas ou está mais interessado em colonizar outros planetas?
Olha, a Marina [Silva], ministra do Meio-Ambiente, que foi seringueira, tem muita boa vontade. Ela nasceu no Acre e conhece a floresta. Mas depende de pessoas dentro do Congresso que não gostam de inseto, de mosquito. Esse Brasil que manda no Brasil, os paulistas que preferem estar em Miami, odeiam a floresta. Por eles, o interior do Brasil seria uma festa de peão boieiro.
Qual seu papel como artista hoje, mediante a tantas urgências climáticas e existenciais?
O papel do artista é político. No sentido de argumentar e convencer alguém de que é necessário preservar a água, por exemplo. Deveria ser evidente, para os políticos, de que a água é importante. O convencimento é, talvez, uma das poucas alternativas possíveis. As coisas mudam de dentro para fora.
E a arte, deve ser política, então?
Não é papel da arte ficar protestando. Eu protesto porque eu sou cidadão. Isso é possível se alguns artistas quiserem fazer isso. A arte é o espaço onde acontece o imponderável.
Na obra ‘Primeira Missa no Brasil’, de 2014, você critica a colonização e escancara a violência que formou o país. Como ler esse processo tão duro hoje?
Na pintura da missa, representei duas ideias de mundo impraticáveis. A igreja católica e os povos que habitavam o Brasil em 1500.
Para você, quem são os pensadores vivos hoje mais importantes?
Ailton Krenak e Davi Kopenawa são os pensadores mais importantes do mundo hoje. Kopenawa sabe que o céu vai cair, e isso não é uma metáfora. Já está acontecendo. Olha o que aconteceu no Rio Grande do Sul. Um desastre que já era anunciado fazia tempo.
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“Hoje, a paisagem é atacada o tempo inteiro”, diz pintor que retratou genocídio Yanomami - Instituto Humanitas Unisinos - IHU