23 Mai 2024
O xamã Yanomami Davi Kopenawa e o antropólogo francês Bruce Albert estão em Cannes para participar da apresentação do documentário “A Queda no Céu”. O filme integra a prestigiosa mostra paralela Quinzena de Cineastas. O longa, dirigido por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, sobre a cosmologia Yanomami, é baseado no livro que leva o mesmo nome, escrito por Kopenawa e o antropólogo francês.
A reportagem é de Adriana Brandão, publicada por RFI, 22-05-2024.
“A Queda do Céu” foi publicado inicialmente em francês em 2010. A tradução para o português é de 2013. O filme levou sete anos para ficar pronto e foi rodado na Amazônia, no território e na língua Yanomami. Davi Kopenawa, um dos principais porta-vozes dos povos indígenas brasileiros na atualidade, é o narrador, o guia do documentário. O longa é centrado na festa Reahu, o ritual funerário dos Yanomami.
Em entrevista à RFI em Cannes, o xamã disse que aceitou a proposta dos diretores de transpor o livro para o cinema e o convite para participar do Festival de Cannes para “conhecer” outras pessoas e “para falar sobre a nossa cultura Yanomami, nossa língua diferente, para você entender melhor por que vocês não conhecem o meu povo”.
Livro e filme também abordam questões atuais como as ameaças persistentes contra os Yanomami, a floresta e o planeta. "Esse filme ajuda a defesa do povo e a luta da Associação Yanomami”, ao divulgar a situação dos indígenas, acredita Kopenawa.
O antropólogo francês Bruce Albert também está em Cannes. Ele colaborou com o documentário, orientando Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha. O coautor de “A Queda do Céu” ficou “empolgado” com o filme que vai muito além do livro e propicia “uma imersão total no universo metafisico e na estética” Yanomami.
Ele aponta que o “povo da cidade não escuta” os povos originários da floresta que pertence a “todos nós, povo indígena, povo brasileiro, estrangeiro também”. Ele pede ao povo da cidade para “pensar, respeitar e não derrubar mais a floresta”.
Kopenawa ressalta que os “xapiri (espírito da floresta) é muito importante. Ele cuida de toda a natureza para não deixar cair a floresta, afundar a cidade e sujar os rios, como está acontecendo”. Ele espera que os jovens, as novas gerações, entendam essa mensagem, olhem e protejam “o nosso pulmão da Terra”.
Desde a publicação do livro, em 2010, as ameças contra os Yanomami, a floresta e o meio ambiente pioraram muito. O povo indígena viveu uma crise humanitária terrível após a invasão de garimpeiros ao seu território durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nem a criação do Ministério dos Povos indígenas, nem medidas adotadas pelo governo Lula no ano passado resolveram a situação.
O xamã avalia que os garimpeiros podem até sair do território, mas “a doença” que eles levaram vai continuar. “O pessoal pode sair, pode ir embora, tirar todo o ouro, que vai ficar é doença, a água poluída. Esse acontecimento não tem homem que vai curar”, denuncia.
Segundo ele, a criação do Ministério dos Povos Indígenas no governo Lula “não consegue” resolver a situação porque “não conhece” os Yanomami, porque “não anda”. Kopenawa critica os funcionários de Brasília que só foram na comunidade “para ficar olhando, tirar foto e depois vão embora. Ele afirma que “não tem remédio, não tem pessoa que trabalha lá” e que seu povo continua morrendo.
“Ele (o governo) só foi lá para dizer que está trabalhando. Isso aí não é verdade, certo? Isso aí é para enganar você que o Ministério dos Povos Indígenas está trabalhando. Mas, ele só quer trabalhar na cidade, mas para trabalhar com meu povo, é difícil para ele”, critica.
Kopenawa lembra que muita gente no Brasil pensa que “não tem mais indígena verdadeiro” no país. As imagens do filme “A Queda do Céu” e o livro mostram que “o indígena verdadeiro” existe e que “o povo originário brasileiro está lutando para todo mundo, para segurar aquele céu. Essa é a minha luta, esse é o meu papel de liderança, entendeu?”, questiona.
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Ministério dos Povos Indígenas ‘não consegue resolver’ crise Yanomami, diz Kopenawa em Cannes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU