04 Junho 2024
"Se há um convite que me atrevo a fazer aos homens e às mulheres é apenas aquele de praticar um tempo de solidão e silêncio com continuidade e perseverança, como um ritmo da respiração, aceitando atravessar silêncios às vezes enigmáticos, desesperadores, outras vezes capazes de exultação", escreve o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 03-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vivemos numa sociedade barulhenta, somos vítimas até da poluição sonora e no dia a dia somos invadidos pelas conversas.
É, portanto, compreensível que neste clima cacofónico muitos sintam a necessidade do silêncio e o exaltem, elogiem-no sem conhecer a sua realidade.
Porque o silêncio é plural. Há silêncios comparáveis aos jejuns do corpo, que são saudáveis quando são exigidos pelo corpo, pela psique e pela vida interior.
Mas existem também silêncios negativos, mortíferos. São silêncios que inquietam, instilam medo, causam opressão, verdadeiros silêncios de morte, como abismos desesperadores.
E devemos confessar: há também silêncios cúmplices, cheios de covardia, que permitem que o mal triunfe, e silêncios de hostilidade, que penalizam a comunicação e podem tornar-se homicidas. São os silêncios mais vergonhosos, ocultos e inconfessados, nem sequer considerados na sua ignomínia, mas consumidos com amarga indiferença. E não esqueçamos o mutismo da doença psíquica, quando o silêncio é rejeição a toda comunicação porque quem se fechou no mutismo na realidade está aprisionado por grades que não vemos e que permanecem um enigma.
Elias Canetti descreveu bem o silêncio ruim que se alimenta de raiva e de rancor até o desprezo do outro, a ponto de desejá-lo morto.
Sim, temos esse grande poder de matar também com o nosso silêncio que, com uma hostilidade surda e muda, tira vida e existência.
Elie Wiesel, em seu Testamento de um Poeta Judeu Assassinado, escreve: “Nenhum professor tinha me contado que o silêncio poderia se tornar uma prisão. Eu não sabia que se pudesse morrer de silêncio como se morre de dor, de fadiga e de fome."
Pois bem, há homens e mulheres que conhecem e vivem esses silêncios e nós às vezes também podemos na vida ser engolidos por eles. Não é fácil combater esses poderes.
E aqui é preciso dizer claramente que o outro é mais necessário do que nunca porque nos salvamos juntos, nos levantamos juntos, começamos a nos falar novamente se houver um “tu” a quem se dirigir.
Aos silêncios negativos, só uma escuta atenta pode ser de verdadeira ajuda, resposta redentora. Por isso hoje, numa sociedade onde a escuta está morta, os silêncios negativos são frequentes. Escutar... Para ser autêntica a escuta deve escutar os silêncios e o silêncio.
Digo isso por experiência própria, mas as horas noturnas no silêncio da cela, na solidão do corpo, ensinam a ouvir os silêncios desesperadores e o silêncio que não é mudo, mas também tem uma voz.
Silenciar o nosso ego para escutar o outro, silenciar os nossos preconceitos para nos abrir ao outro, habilitar o ouvido do coração a escutar a voz tênue como um silêncio contido que nos abre à relação.
Se há um convite que me atrevo a fazer aos homens e às mulheres é apenas aquele de praticar um tempo de solidão e silêncio com continuidade e perseverança, como um ritmo da respiração, aceitando atravessar silêncios às vezes enigmáticos, desesperadores, outras vezes capazes de exultação. Então até os enigmas se tornam mistérios.