04 Junho 2024
As expressões utilizadas pelo Papa durante o encontro com os bispos italianos são “imperdoáveis”, certamente erradas, mas se deve levar em conta o fato de que existe um contexto mais amplo em que devem ser inseridas.
Marinella Perroni, renomada teóloga e biblista, fundadora da Coordenação das Teólogas Italianas, autora de numerosos ensaios e estudos, faz um balanço do pontificado de Francisco, a partir do último clamoroso incidente do qual foi protagonista, ou seja, as afirmações do Papa sobre a excessiva “viadagem” que caracterizaria o ambiente dos seminários italianos.
A entrevista é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 03-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Comecemos por aqui: por que se pode falar de um problema nos seminários?
Tem gente que tem uma clara orientação homossexual e não sabe vivê-la de maneira livre e madura, mas espera superá-la sublimando-a, optando pela vida clerical. No seminário, nos primeiros tempos, movido pelo entusiasmo, a coisa pode até dar certo, mas depois fica cada vez mais difícil de controlar.
Aqui reside o verdadeiro erro do Papa: ele podia ter aproveitado a oportunidade para dizer que o discurso é válido para heterossexuais e homossexuais. O verdadeiro problema é que os seminários não têm uma capacidade adequada para formar as pessoas para uma sexualidade plenamente madura e responsável.
Que a Igreja Católica tem um sério problema com a sexualidade, que nunca abordou seriamente a questão da sexualidade porque muitas vezes a mortificou, condenou ou alterou é um fato que vem sendo destacado há décadas. Francisco não pode não saber que sexualidades imaturas, sejam hétero ou homo, tornam-se um problema sério.
Além disso, vale lembrar que a instituição dos seminários é um fruto do Concílio de Trento que, dentro de uma importante reforma sistêmica de que a igreja tanto precisava naquele momento, instituiu os seminários como estrutura de formação adequada para promover e consolidar a reforma. Também o Vaticano II iniciou um processo de reforma do qual fazia parte certamente repensar todos os ministérios e, portanto, também as estruturas de formação adequadas para sustentar o ordenamento ministerial da igreja. Esse processo foi bloqueado e não produziu o resultado desejado.
O que podemos dizer então? Fechamos os seminários? Mas com o que serão substituídos? Também deve ser dito que os seminários que seguem o modelo tridentino parecem desfrutar de excelente saúde. A questão é, portanto, basicamente: dependendo do modelo de igreja que se busca, de qual deveria ser o ordenamento ministerial adequado para ela, então poderemos pensar em adaptar as estruturas de formação.
Porém, fica um detalhe: o de ter usado palavras ofensivas contra os homossexuais...
Concordo. E, mesmo que tenha se desculpado imediatamente, basta olhar a repercussão que suas palavras tiveram na internet para entender que o dano causado à igreja é enorme. Mas o que eu considero ainda mais grave é que se tratava de um encontro à portas fechadas com os seus “coirmãos no episcopado”: teve um debate? A inadequação da linguagem usada foi apontada para ele? Ele deveria ter pensado que alguém poderia estar à espreita para tornar públicas e fora de contexto as suas palavras porque, mesmo que as pombas voem e as cobras rastejem, nem sempre as pombas conseguem escapar das cobras! Ele cometeu um erro, portanto, mas de uma assembleia como aquela, talvez se pudesse esperar maior franqueza e lealdade.
Que tipo de mudanças o papa realizou nos últimos anos?
Em primeiro lugar, o fato de agora podermos falar livremente sobre tudo. Podem fazer isso mesmo aqueles que sempre defenderam que ao pontífice romano só se deveria respeito público e que agora nada mais fazem que ameaçar cismas. A nossa igreja estava saindo de mais de trinta anos de silêncio. E, acima de tudo, os teólogos sofreram processos, impedimentos de falar, perda de cátedras: vigorava o regime de uma surda inquisição.
Agora existe uma grande liberdade de expressão, portanto também de pesquisa, e consequentemente também de elaboração, o que não é pouca coisa. Desse ponto de vista, promovo Francisco sem sombra de dúvida, porque criou espaços de elaboração, transformação e repensamento que darão frutos a seu tempo.
Se falamos de sexualidade, porém, se deveria também abordar o tema do celibato obrigatório...
O que bloqueou a recepção do Concílio Vaticano II foi o terror dos homens de Igreja em relação à protestantização da igreja católica. É preciso começar daí para iniciar uma revisão do ministério que passa também pelo celibato.
Compreendo que não é fácil, mas se permanecermos num clima de antimodernismo, por mais morno que seja, e não for aberta uma discussão de verdadeira reciprocidade entre católicos e protestantes, deveríamos pelo menos nos perguntar se no Ocidente, as igrejas não estão contribuindo para o seu próprio declínio.
Também no diaconato feminino o Papa no final pisou no freio...
Sim, já ficou claro pela sua Exortação depois do Sínodo para a Amazônia que a estrada estava barrada.
Apesar da pressão vinda de muitas igrejas nacionais e de muitos bispos. Francisco quer as mulheres responsáveis pelas comunidades, mas não pertencentes à hierarquia eclesiástica.
Depois disso, porém, permanece em aberto a questão de o único exercício de autoridade na igreja católica estar nas mãos da hierarquia eclesiástica.
Infelizmente, a “devoção” que Bergoglio tem pelo duplo princípio mariano-petrino é inabalável!
O problema é precisamente este: na igreja católica eles têm hierarquia e, portanto, o poder está com aqueles que tratam do sagrado. A identificação do sagrado com o poder: se não for mexido nisso...
O problema da igreja católica é quem gere o poder, quem toma as decisões, quem intervém nas nomeações, quem garante o aparato. Se nos distanciarmos de uma religião do sagrado, resolveremos, se não tudo, pelo menos grande parte do restante.
Não há risco de que também a imagem do papado se possa deteriorar na situação atual?
A reforma do papado faz parte das reformas de que a Igreja necessita. Deveria ser “ad tempus” e a forma da igreja não deveria ser a de uma monarquia absoluta, ainda que iluminada. Afinal, com a sua renúncia, Bento XVI salvou o seu pontificado.
Por outro lado, a verdadeira reforma que Francisco teria gostado de fazer desde o início era aquela de dar mais poder às diversas conferências episcopais, e isso teria significado pelo menos uma descentralização inicial.
Também prevaleceu aqui o medo de uma espécie de anglicanização da igreja católica... No entanto, mais cedo ou mais tarde, teremos de reconhecer que o Espírito pode soprar também fora da igreja católica: o Evangelho anuncia-o e, por vezes, a história o confirma.
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“O problema da Igreja ainda é a sexualidade, os seminários devem ser superados”. Entrevista com Marinella Perroni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU