03 Mai 2024
Um grupo de pais malteses de trans e homossexuais e uma freira estadunidense engajada na pastoral LGBTQ+ escreveram-lhe depois de "Dignitas Infinita": ele acolhe as contestações "de coração aberto" e faz alguns esclarecimentos.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Repubblica, 02-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com duas mensagens escritas de próprio punho, o Papa Francisco respondeu às críticas que recentemente lhe foram dirigidas a respeito das passagens relativas às pessoas trans contidas numa recente declaração do dicastério para a doutrina da fé.
Um grupo de pais católicos malteses com filhos e filhas homossexuais ou trans enviou a Francisco uma carta de três páginas na qual, depois de lhe agradecer pelo seu empenho ao longo dos anos a favor da comunidade LGBTQ+ expressam, no entanto, a sua preocupação de que os parágrafos 56-60 da declaração Dignitas infinita “mais uma vez empurram as pessoas trans para a periferia, tirando-lhes aquela pequena fresta de luz que poderiam ter encontrado para se sentirem pessoas íntegras”.
O documento do antigo Santo Ofício afirma que “normalmente” a intervenção para a mudança de sexo “se arrisca a ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da concepção”, mas pode ser admitida a “assistência médica” com o fim de resolver “anomalias dos genitais já evidentes desde o nascimento ou que se manifestem sucessivamente".
Na carta, entregue ao Papa por Dom Andrea Conocchia, o sacerdote de Ostia amigo das transexuais do litoral romano, esse grupo de pais, que adotou o nome de Dracma da parábola evangélica da dracma perdida, lamenta a falta de “uma análise cuidadosa e aprofundada, sustentada por provas científicas rigorosas, por estudos teológicos academicamente válidos e pelas perspectivas das próprias pessoas trans e de seus pais." Entre as preocupações elencadas, estão o risco de que “os pais que renegam os seus filhos trans e os expulsam de casa por causa das suas crenças religiosas” se sintam encorajados e o aumento dos “discursos de ódio, discriminação, bullying e transfobia”.
O Papa, relata o National Catholic Reporter, escreveu a esse grupo maltês elogiando-os pelo trabalho "belíssimo e bom" que realizam e garantindo-lhes que acolheu as suas críticas de "coração aberto".
Uma segunda mensagem crítica foi enviada ao Papa pela Irmã Jeannine Gramick, uma religiosa estadunidense que está engajada há muitos anos na pastoral dedicada às pessoas LGBTQ+, que o Papa reabilitou no passado, recebendo-a em audiência depois de ela, nos últimos anos, ter sido marginalizada pelos setores católicos conservadores. A Irmã Gramick escreveu a Francisco “para contar-lhe a minha tristeza e decepção”, escreve a religiosa no site da associação que ela fundou, New Ways Ministry, “no que diz respeito ao uso do conceito de ideologia de gênero”. Uma categoria que o Dicastério para a Doutrina da Fé define “perigosíssima” porque “cancela as diferenças na pretensão de tornar todos iguais”.
Jorge Mario Bergoglio respondeu, pelo que a freira relatou, com estas palavras: “A ideologia de gênero é algo diferente das pessoas homossexuais ou transexuais. A ideologia de gênero torna todos iguais sem respeito pela história pessoal. Entendo a preocupação sobre aquele parágrafo da Dignitas infinita, mas não se refere às pessoas trans, mas à ideologia de gênero, que anula as diferenças. As pessoas transexuais devem ser aceitas e integradas na sociedade”.
Uma explicação que a Irmã Gramick acolhe reiterando a sua crítica básica: “O Papa Francisco está justamente preocupado que a sociedade não torne ‘todos iguais sem respeito pela história pessoal’. Mas – salienta – na nossa cultura, aqueles que usam o termo ‘ideologia de gênero’ fazem exatamente isso, não aceitando as diferenças na forma como as pessoas percebem a sua identidade de gênero. As pessoas que usam esse termo, portanto, tornam todos iguais ao não respeitarem as histórias individuais e pessoais das pessoas.” Para a religiosa estadunidense, “as pessoas trans não cancelam nem negam as diferenças sexuais ou de gênero. É precisamente porque uma pessoa transexual sabe que existem diferenças de gênero que percebe que o seu corpo não corresponde à sua alma.” Objeções que a Irmã Gramick enviou ao Papa. Nesse ínterim, escreve, “vamos dizer o mais alto que pudermos: o Papa Francisco não quer que ‘anulemos as diferenças’. Quer que ‘respeitemos a história pessoal’”.
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Papa Francisco responde às críticas sobre as pessoas trans discriminadas: “Devem ser aceitas e integradas na sociedade” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU