26 Abril 2024
Publicamos aqui a carta aberta escrita por estudantes, teólogos e ministros católicos ao Papa Francisco sobre a declaração Dignitas infinita, sobre a dignidade humana, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé. A carta foi publicada por National Catholic Reporter, 25-04-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
À Sua Santidade, o Papa Francisco, e Sua Eminência Cardeal Victor Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé,
Vossa Santidade e Vossa Eminência, a paz de Cristo esteja com os senhores. Escrevemos hoje como um coletivo de estudantes de Teologia católica e de escolas teológicas e de ministros treinados. Amamos esta Igreja, amamos a nossa fé católica e fundamentamos o nosso ministério no nosso chamado batismal à santidade.
Também somos trans, não binários e queers, junto com aqueles que nos amam e acompanham. Pessoal, profissional e ministerialmente, estamos preocupados com as declarações da Dignitas infinita sobre a teoria de gênero e a mudança de sexo. Nós, junto com outras pessoas de boa vontade, escrevemos para os senhores hoje.
Lemos com gratidão a insistência do documento na dignidade humana inalienável para os migrantes, os pobres e outras pessoas cuja dignidade é consistentemente violada. Lamentamos, portanto, que o documento não reconheça a dignidade das pessoas trans e não conformes de gênero.
Em sua condenação à “ideologia” de gênero e à “mudança de sexo”, o documento marginaliza a dignidade infinita das pessoas de todos os gêneros e sua autoexpressão autêntica, e, inadvertidamente, perpetua os danos que pretende superar.
Eclesialmente: a sinodalidade nos chama a estar abertos à mudança e à conversão do coração por meio do encontro e da escuta. Essa abertura abre espaço aos apelos do Espírito Santo. Dignitas infinita não mostra nenhuma evidência de que seus autores tenham se informado por meio de encontros verdadeiros com pessoas trans, não binárias e intersexuais. Em vez disso, a declaração se foca na ameaça da “teoria de gênero”, retratando um campo acadêmico diversificado como um monólito, uma ameaça, uma “ideologia” e um fantasma desconectado das vidas reais.
Quando optamos por uma postura defensiva como essa, fechamo-nos à curiosidade genuína, à criatividade vivificante e às respostas pastorais adequadas. Sejamos a Igreja sinodal e ouvinte que proclamamos ser.
Teologicamente: a declaração afirma que o objetivo da “teoria de gênero” é “negar a diferença sexual”. Ao reconhecer indivíduos trans e não conformes de gênero, não vemos nenhum risco de apagar a diferença sexual. Pelo contrário, o fato de reconhecê-las afirmaria a vasta diferença sexual e a dignidade dos indivíduos, assim como a diversidade da criação de Deus.
Vimos claramente, em nossas vidas e em nossos ministérios, que indivíduos trans e não conformes de gênero não procuram “fazer-se Deus”, como alega o parágrafo 57 da declaração. Pelo contrário, discernir e viver continuamente alinhados com a própria identidade de gênero pode ser uma afirmação da pessoa única que Deus criou e chama cada um de nós a ser.
Eticamente: o parágrafo 55 do documento afirma que “denuncia-se como contrário à dignidade humana o fato que em alguns lugares não poucas pessoas são encarceradas, torturadas e até mesmo privadas da vida unicamente pela sua orientação sexual”. Reafirmamos essa afirmação ao mesmo tempo em que perguntarmos: será que o florescimento de indivíduos trans e não conformes de gênero se limita à proteção legal contra a prisão, a tortura e a morte? Os católicos trans e não conformes de gênero sonham que a Igreja Católica possa um dia afirmar a dignidade deles e delas não só para que possam sobreviver como são, mas também para viverem e florescerem como são.
Os eticistas católicos que nos formaram, escrevem a partir e com a tradição católica, as Sagradas Escrituras, a experiência vivida das pessoas que sofrem e as intuições das disciplinas acadêmicas e científicas. Admiramos o compromisso deles com a verdade e a dignidade humana com base nas necessidades e nos desafios presentes em seus contextos.
Pedimos que seja oferecida aos eticistas católicos especializados em ética de gênero e sexual, particularmente em ética LGBTQ+, a oportunidade de participarem no discernimento e na criação de futuros documentos sobre gênero e diversidade sexual, usando a plenitude de suas competências. Sua formação será inestimável à medida que nós, como Igreja, procuramos afirmar a dignidade das pessoas trans, não conformes de gênero e intersexuais, de acordo com a insistência da tradição na dignidade humana.
Também pedimos que uma comissão de teólogos, ministros e fiéis leigos queer, trans e intersexuais aconselhem o Dicastério para a Doutrina da Fé. Imploramos que os senhores escutem os gritos das pessoas trans, não binárias e intersexuais. Como Igreja, não podemos amar quem não conhecemos de verdade.
Obrigado pela sua consideração.
[A lista completa dos signatários está disponível aqui. As pessoas interessadas em somar sua assinatura ao documento podem fazê-lo aqui.]
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Dignidade infinita? Carta aberta de estudantes, teólogos e ministros católicos ao Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU