06 Abril 2024
"Não há outra escolha senão superar (...) a polarização cultural na qual a Igreja católica tem estado imersa, para evitar o risco de cair na homofobia que, queira ou não, está presente em seu seio e ao seu redor", escreve Jesús Martínez Gordo, padre e professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, na Espanha. O artigo foi publicado por Religión Digital, 04-04-2024.
Dentro da Igreja Católica, existem pelo menos duas maneiras de entender e se relacionar com a homossexualidade que merecem ser analisadas. E, por extensão, com as pessoas bissexuais e transexuais, deixando de lado os comportamentos e as abordagens patológicas que, como em qualquer coletivo humano, também existem em seus membros.
Em primeiro lugar, há o grupo (sem dúvida, o mais numeroso) formado por aqueles que diferenciam as pessoas dos atos homossexuais. Mesmo que estes últimos, em consonância com o Catecismo, sejam considerados "intrinsecamente desordenados", nunca se deve esquecer que as pessoas devem ser acolhidas "com respeito, compaixão e delicadeza", evitando "qualquer sinal de discriminação injusta". É muito provável que alguns dos que integram este grupo tenham dificuldades em diferenciar comportamentos das pessoas como indivíduos, mas isso não nega a existência de um grupo numeroso de católicos empenhados em estabelecer essa diferença e em serem coerentes com ela.
Existe uma segunda sensibilidade que, eclesiasticamente minoritária, mas em ascensão, vai além e, não só exigindo um tratamento digno às pessoas homossexuais, pede também que se reconheça que nelas existem "dons e qualidades" inegáveis. "A orientação sexual é uma disposição imutável e não uma escolha particular".
Esta foi a proposta formulada pela Secretaria Geral do Sínodo em 2014, que, apesar de não ter avançado no ambiente sinodal, foi retomada pela Conferência Episcopal Alemã em seu relatório para o Sínodo no ano seguinte: para a maioria dos católicos alemães, como afirma o texto, "a orientação sexual é uma disposição imutável e não uma escolha particular". Por isso, o discurso que entende a condição e o comportamento homossexual como "intrinsecamente desordenados" é irritante.
Manter uma tese desse tipo é desconhecer (ou se recusar a reconhecer) a diversidade de orientações sexuais que existem por conaturalidade. Muitos católicos alemães, concluíram seus bispos, sem equipará-las ao casamento, aceitam cordialmente as uniões homossexuais.
Com base na opinião dos bispos alemães sobre a posição tímida e pouco empática dos padres sinodais em relação à homossexualidade, concluiu-se que esta Igreja também estava comprometida com uma revisão profunda da doutrina, moralidade e tratamento dos homossexuais.
Isso ficou evidente novamente quando, pouco depois, decidiram iniciar o chamado Caminho Sinodal e dedicar um Fórum (o IV) ao "viver o amor na sexualidade".
Este Fórum apresentou à quarta Assembleia Sinodal (setembro de 2022) um "Texto Base" ("Vivendo o amor em relacionamentos que funcionam. Viver o amor na sexualidade e no relacionamento de casal") que, embora não tenha alcançado os 2/3 dos bispos presentes necessários para sua aprovação, foi decidido que, dado o consenso da maioria alcançado nesta Assembleia (82%), seria apresentado como a posição oficial da Igreja alemã, tanto na visita ad limina dos bispos em novembro do mesmo ano quanto na sessão continental do Sínodo da Igreja universal a ser realizada em janeiro de 2023. Mas isso não foi tudo.
As teses fundamentais deste "Texto Base" serão em grande parte recuperadas na Quinta Assembleia no Texto Base do Fórum III ("Mulheres nos ministérios da Igreja"). Além disso, o assunto da homossexualidade será tratado em outros tipos de documentos, denominados de “ação”, aprovados tanto na quarta ("Reavaliação magisterial da homossexualidade") quanto na quinta Assembleia Sinodal: “Abordar ou enfrentar a diversidade de gênero”; “Celebrações de bênçãos para casais que se amam”; “Ordem básica do serviço eclesiástico” e “Apoio à educação sexual e promoção dos conceitos de educação sexual em todas as instituições educativas e pastorais”.
Nesses textos, ao estudar a sexualidade à luz da vontade de Deus, conforme registrada na Escritura, eles se aprofundam em quatro questões que apenas menciono porque não é possível desenvolver nesta contribuição: a dignidade da pessoa humana, imagem de Deus, ponto central de uma moral sexual cristã presidida pela liberdade e consentimento; a sexualidade sob o primado do amor, articulação de ágape, eros e philia; a sexualidade, vivida como dom e mandamento criativo e, por fim, o prazer sexual, um presente de Deus que é colocado a serviço da vida.
E, ao tratar a sexualidade à luz das ciências, os participantes do Sínodo alemão se aprofundaram, basicamente, em dois assuntos: primeiro, a irrupção da pluralidade sexual e, como resultado, a necessidade de superar a binariedade sexual e acolher sua diversidade (transgênero ou intersexual); e, segundo, o reconhecimento da dignidade da homossexualidade e a necessidade de reavaliar o magistério eclesial a esse respeito.
Os sinodais alemães observam que é urgente revisar "algumas normas da tradição da Igreja" porque "carecem da afinidade necessária com a experiência concreta da vida das pessoas" e porque, "tendo sido geradas em outros contextos, hoje já não são compartilhadas nem compreendidas". Quando não se compreendem as razões da Doutrina Moral da Igreja, "a confiança naqueles que são responsáveis pela interpretação autêntica da fé" é apagada, como de fato ocorre.
E mais: se, como também ocorre atualmente, há pessoas para as quais "é inexplicável" serem "rejeitadas por sua comunidade de fé devido ao seu plano de vida, sua orientação sexual e sua identidade de gênero" ou porque, diferenciando-se das "noções habituais de normalidade (queer)", não se conformam "com as normas de sua comunidade de fé", sendo percebidas, por isso, como "uma variante incompleta de uma vida cristã plenamente válida".
Especificamente, tais pessoas não compreendem "que a abundância da Boa Nova deve ser concedida apenas àqueles que vivem em conformidade com o Magistério", sendo excluídas "do caminho de seguir a Cristo por sua identidade de gênero ou orientação sexual", apesar de manterem uma relação "vivida com dignidade e amor" e presidida por uma "amizade comprometida, fiel, respeitosa, recíproca e pronta a assumir a responsabilidade correspondente em caso de paternidade".
Obviamente, estamos nos referindo - reiteram - a situações e pessoas que não têm nada a ver, em total sintonia com o magistério eclesial, "com a rejeição e a proibição da sexualidade exploradora e violenta"; "a prostituição forçada; o estupro e as práticas degradantes da pornografia". E, é claro, em total consonância com "a proibição rigorosa dos abusos sexuais perpetrados por adultos contra as pessoas confiadas ao seu cuidado" (nº 2.389 do CIC).
Uma vez explicados os critérios escriturísticos e científicos mencionados acima, avaliada a doutrina moral a respeito e formuladas as propostas pertinentes, os sinodais alemães adentram-se no "Texto de ação" no qual se dirigem ao Papa para recomendar que "proceda a uma esclarecimento e reavaliação da homossexualidade no Magistério", à luz das considerações indicadas no Texto Base e que resumo nestes cinco pontos:
Em última análise, é urgente que sejamos conscientes de que a compreensão e "as ações da Igreja em relação à homossexualidade não têm levado suficientemente em conta a dignidade das pessoas homossexuais como criaturas de Deus. As pessoas homossexuais são filhas de Deus e, por terem sido criadas à imagem de Deus, têm o direito de serem aceitas incondicionalmente em e pela nossa Igreja, e de desempenhar um papel ativo na vida de fé e na Igreja".
Como resultado das contribuições fornecidas pelo Caminho Sinodal alemão e pelo dominicano A. Oliva, começamos a perceber que a lei natural, relativa à homossexualidade, não é universal, mas sim majoritária. E, de acordo com a segunda dessas evidências, a escriturística, também começamos a reconhecer a centralidade que a condição de criatura de todas as pessoas deve ter no tratamento deste assunto, criadas à "imagem e semelhança de Deus", incluindo as pessoas homossexuais.
Não há outra escolha senão superar, mesmo com muitas dificuldades, a polarização cultural na qual a Igreja Católica tem estado imersa, para evitar o risco de cair na homofobia que, queira-se ou não, está presente em seu seio e ao seu redor. E, com ela, outras polarizações.
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Critérios teológicos para superar a polarização homofóbica na Igreja: a contribuição do Caminho Sinodal alemão. Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU