04 Abril 2024
Quem é, de onde vem e como pensa a mulher que se prepara para dirigir os destinos do México? Ela conseguirá se libertar de seu mentor e líder incansável, Andrés Manuel López Obrador, e ser mais do que sua herdeira? A candidata do Morena aparece com vantagem nas pesquisas e com o apoio do presidente, o que parece garantir sua vitória no próximo 2 de junho.
A reportagem é de Cecilia González, publicada por Nueva Sociedad, em março de 2024.
1 de outubro de 1991. O Stanford Daily relata em sua capa um protesto de estudantes contra Carlos Salinas de Gortari, o presidente mexicano que discursou nessa universidade americana para promover o neoliberalismo, do qual é um dos principais e mais aplaudidos expoentes latino-americanos. O artigo é acompanhado por uma fotografia em preto e branco dos manifestantes. No centro, destaca-se uma jovem mexicana de rosto sério, cabelo preso por uma faixa e camisa de manga curta que, com seus braços energéticos levantados, exibe uma faixa com a legenda: "Comércio justo e democracia agora!" Ao lado dela, outro cartaz sugere fraude ao perguntar quantas pessoas mortas votaram nas eleições presidenciais do México em 1988; em outro, lê-se: "México, a ditadura perfeita", uma frase que se tornou um lugar-comum que resume a vida política de um país onde há décadas o mesmo partido vence.
A jovem se chama Claudia Sheinbaum Pardo. Ela é física, tem 29 anos, formada pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e está fazendo uma estada acadêmica em Stanford. Em sua bagagem transfronteiriça, ela traz um intenso ativismo político que combina seu recente papel protagonista em uma histórica greve universitária e a militância pelos direitos humanos e pela democratização do país.
Três décadas depois, a cientista posta em suas redes sociais a capa amarelada do Stanford Daily para lembrar que lutou contra o neoliberalismo durante toda a sua vida. Que sempre foi uma líder de esquerda. Que a coerência é um de seus valores políticos.
"Eu mantenho o mesmo sentimento e desejo de justiça social, para que haja pátria para o pobre e pátria para o oprimido", escreve nos primeiros momentos do lançamento de uma longa campanha que pode torná-la a primeira presidente na história do México em 2 de junho. E a guardiã do legado que Andrés Manuel López Obrador deixará.
"Eu sou filha do 68", costuma dizer Sheinbaum. No México, não é necessário explicar muito para entender as implicações políticas dessa definição. O ano de 1968 remete imediatamente à primeira grande greve universitária que culminou no massacre de Tlatelolco e nos centenas de estudantes indefesos, feridos, detidos e executados em 2 de outubro. Foi o momento em que o poder do PRI, o 'oximorônico' Partido Revolucionário Institucional, começou a ser corroído.
A dolorosa repressão, que marcou para sempre a memória social mexicana, foi o germe de uma nova classe política que militou em um longo e árduo processo de democratização. Vinte anos depois, a ala esquerda de um partido que podia abrigar ideologias díspares se rebelou e abandonou o PRI. Cuauhtémoc Cárdenas fundou o Partido da Revolução Democrática (PRD) e liderou os dissidentes, entre os quais estava o ainda jovem Andrés Manuel López Obrador.
Em 1988, a candidatura presidencial de Cárdenas colocou pela primeira vez em xeque o poder do PRI. Embora Salinas de Gortari tenha sido declarado vencedor, as eleições arrastaram a eterna sombra de fraude e o sistema de partido único se fragmentou. Depois veio a esperada e tardia alternância em 2000, pelas mãos da direita do Partido Ação Nacional (PAN), representada por Vicente Fox e seu sucessor, Felipe Calderón. Enquanto isso, o governo da Cidade do México também passava por mudanças, à medida que era liderado por Cárdenas primeiro (1997-1999) e por López Obrador depois (2000-2005). Finalmente, o PRI retornaria ao governo nacional pelas mãos de Enrique Peña Nieto e as três campanhas presidenciais de López Obrador, político que parecia nunca perder a paciência.
Agora é a vez de Sheinbaum, que o acompanha fielmente há 24 anos.
A candidata que lidera as pesquisas é filha do químico Carlos Sheinbaum Yoselevitz (descendente de uma família judaica lituana que migrou para o México no início do século passado) e da bióloga Annie Pardo. Ambos são formados pela UNAM e foram ativistas na resistência estudantil daquele 1968 que hoje ela tanto reivindica.
A ciência e o compromisso político de esquerda habitaram a casa natal de Sheinbaum. Por isso, não foi surpresa quando a mulher nascida em 1962 decidiu estudar Física, nem que desde muito jovem apoiou Rosario Ibarra de Piedra, mãe de um jovem desaparecido durante a guerra suja do México nos anos 70, que se tornou uma lendária líder de direitos humanos e, em 1982, a primeira mulher candidata à Presidência.
Menos surpreendente ainda foi que, no meio dos anos 80, a jovem Sheinbaum fizesse parte do Conselho Estudantil Universitário (CEU) que liderou a segunda maior greve registrada na UNAM desde 1968. A defesa da autonomia e da gratuidade universitária era um princípio familiar. Os estudantes venceram. E o nome de Claudia Sheinbaum apareceu pela primeira vez na mídia.
O movimento estudantil representou o início de sua carreira política, uma vez que os membros do CEU se transformaram no setor juvenil do PRD, fundado por Cárdenas e outros líderes lendários, que, desde 1989, uniu a esquerda mexicana.
No início dos anos 2000, parecia que o destino de Sheinbaum seria a academia. Há anos, ela alternava seu trabalho como pesquisadora da UNAM com a vida familiar ao lado de seu marido, Carlos Ímaz (outro líder estudantil da greve de 1986 e também fundador do PRD), e seus dois filhos.
Mas naquele ano, López Obrador venceu a Prefeitura da Cidade do México e a convidou para assumir como secretária de Meio Ambiente. Embora eles apenas se tivessem encontrado em algumas reuniões políticas, Sheinbaum aceitou o desafio. O primeiro cargo público da cientista implicou o início de uma relação marcada pela lealdade a López Obrador e pela plena confiança dele em Sheinbaum. Desde então, eles nunca mais se separaram.
A relação política entre os dois se fortaleceu em 2006, durante a primeira campanha presidencial de López Obrador, na qual Sheinbaum atuou como porta-voz. Assim como a de 1988, a eleição de 2006 também foi manchada por denúncias de fraude. López Obrador contestou e resistiu à vitória do conservador Felipe Calderón, organizou um acampamento que durou meses na Cidade do México e montou um gabinete paralelo no qual Sheinbaum jurou como secretária de Defesa do Patrimônio Nacional. Mas nada adiantou.
Com a derrota às costas e já fora da prefeitura da capital, López Obrador consolidou-se como o principal líder opositor do México. Sempre com Sheinbaum ao seu lado. Em 2012, o político protagonizou sua segunda campanha presidencial e a apresentou como sua futura secretária de Meio Ambiente. Foi outra aventura fracassada.
Enquanto o PRI retornava ao poder com Peña Nieto, López Obrador rompia com o PRD, que estava mergulhado em escândalos de corrupção e atravessado por disputas internas, e se dedicava à consolidação do Movimento de Regeneração Nacional (Morena), que ele apresentaria como o novo e único partido da esquerda mexicana. Seu partido. Mais uma vez, Sheinbaum atuou como aliada fiel, como fundadora e operadora política.
A figura pública da ex-funcionária adquiria cada vez mais relevância. Em 2015, ela se candidatou pela primeira vez a um cargo eletivo. Amparada pelo Morena, que estreava nas cédulas eleitorais, ela venceu a prefeitura de Tlalpan, na Cidade do México. Um par de anos depois, ela anunciou que concorreria à Prefeitura da capital. Claro, ela contava com o apoio total de López Obrador, que, ao mesmo tempo, liderava sua terceira, e finalmente vitoriosa, campanha presidencial.
Em 1º de dezembro de 2018, em uma cerimônia que coroou décadas de lutas da esquerda mexicana, López Obrador tomou posse como presidente. Cinco dias depois, Sheinbaum assumiu como prefeita. O Morena começou a governar o país e a capital. Tornou-se o partido mais poderoso do México. Os históricos PRI, PAN e PRD foram reduzidos a pedaços e, mesmo se aliando, não conseguiram se recompor.
No momento em que Sheinbaum assumiu seu novo cargo, ela se tornou automaticamente a pré-candidata à Presidência para 2024. E desde o primeiro dia, ela trabalhou com esse objetivo.
Em 3 de maio de 2021, 27 pessoas morreram quando o viaduto de uma estação de metrô da capital desabou, um dos maiores do mundo. A tragédia desencadeou a pior crise que Sheinbaum enfrentou como prefeita da Cidade do México. Sua força política foi posta em dúvida, mas, contra todas as previsões, ela saiu vitoriosa.
Apesar das denúncias de corrupção na construção da Linha 12, dos depoimentos dos usuários que listaram as deficiências cotidianas na operação do metrô e da intensa campanha midiática contra ela, Sheinbaum não perdeu apoio de forma significativa.
Parecia que nada a abalaria. Nem mesmo sua contraditória confrontação com o movimento das mulheres ao qual ela, a primeira prefeita eleita da Cidade do México, uma das políticas que quebrou inúmeros tetos de vidro, não aderiu. Ficam para a história do feminismo mexicano as repressões policiais aos protestos de rua das mulheres na era Sheinbaum. Até hoje, não há reconciliação possível com grande parte dos coletivos. Sheinbaum não é sua aliada. A relação com os coletivos de familiares de desaparecidos também foi marcada pela tensão, desconfiança e, em alguns casos, decepção com uma prefeita que não abraçava a busca pelas vítimas.
A atual candidata à Presidência também enfrentou luzes de alarme nas eleições intermediárias de 2021. O predomínio que a esquerda presumia na capital desde 1997 – quando a cidade mudou de estatuto político e começou a ter prefeito, um poder legislativo próprio e chefes delegacionais que depois se tornaram prefeitos – se fragmentou. Embora não tenha perdido em todas as prefeituras, a queda de votos reduziu o poder do Morena em um dos distritos mais estratégicos do país, território obradorista por excelência.
A responsabilidade política pela derrota era da prefeita, então a viabilidade de sua candidatura presidencial foi posta em dúvida. Mas López Obrador a protegeu.
"Claudia é uma mulher excepcional. Claudia é muito trabalhadora. Claudia é honesta. Claudia é uma líder muito boa. Claudia é muito inteligente. Claudia está muito bem preparada. Claudia é congruente. Claudia ama o povo. Claudia é uma grande mulher. Claudia está no topo." O presidente elogia permanentemente Sheinbaum, mesmo às custas das reiteradas sanções do Instituto Nacional Eleitoral (INE), que ocasionalmente lembra que ele não pode intervir na campanha a favor ou contra qualquer candidatura. López Obrador simplesmente desobedece.
Ele faz isso do púlpito político que ele transformou em suas diárias e extensas conferências de imprensa. Nas "manhãs", López Obrador prometeu neutralidade na disputa do Morena pela candidatura presidencial, mas nunca deixou de evidenciar seu favoritismo pela ex-chefe de governo.
O papel do presidente foi fundamental para que Sheinbaum vencesse os cinco oponentes que enfrentou dentro da coalizão Sigamos Haciendo Historia (composta pelo Morena, Partido do Trabalho e Partido Verde Ecologista do México). Por isso, o ex-chanceler Marcelo Ebrard, seu principal antagonista, exigiu repetidamente um "campo de jogo equilibrado". Ele denunciou as "armadilhas" nas pesquisas que deram a vitória a Sheinbaum (a seleção foi baseada em pesquisas), referiu-se a uma situação de "desigualdade", criticou o uso indevido de recursos públicos a favor da candidatura da favorita de AMLO, como todos chamam o presidente mexicano, e enfatizou os misteriosos e ilegais cartazes que foram colados em todo o país com o lema "É Claudia". Até hoje, não se sabe quem pagou por essa campanha milionária que deu projeção nacional a uma candidata que praticamente só era conhecida na capital. As acusações não serviram para nada. Em setembro passado, Sheinbaum foi confirmada como vencedora das primárias e López Obrador lhe entregou um "bastão de comando", símbolo indígena do poder máximo.
Naquela cerimônia, ele a nomeou sua sucessora e líder do movimento "Quarta Transformação", a "4T", como López Obrador batizou seu governo para dotá-lo de uma aura épica porque, segundo ele, este governo simboliza mudanças tão profundas que se equipara à Independência de 1810, a guerra da Reforma do século XIX e a Revolução de 1910.
Sheinbaum assumiu completamente o desafio, repetiu o slogan obradorista "pelo bem de todos, primeiro os pobres" e comprometeu-se a defender e aprofundar a "4T". É sua principal promessa de campanha, parte de uma estratégia que busca um efeito de contágio para capitalizar a seu favor a alta e imutável imagem positiva de López Obrador. É o próprio AMLO quem, de tempos em tempos, mostra em suas "manhãs" os estudos da consultoria Morning Consult que afirmam que ele é o segundo chefe de Estado mais popular do mundo, apenas superado pelo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
O apoio categórico de López Obrador é a principal fortaleza de Sheinbaum e o que lhe permitiu liderar a competição eleitoral. Mas também é seu calcanhar de Aquiles, devido às dúvidas - muitas vezes impregnadas de um cheiro machista - que sua dependência do líder político mais importante que o país teve nas últimas décadas desencadeia.
A dois meses das eleições, as pesquisas coincidem em que Sheinbaum desfruta de uma vantagem intransponível de 20 a 30 pontos em relação à sua principal concorrente, a conservadora Xóchitl Gálvez, que costuma alertar que está competindo contra Claudia e contra o presidente. O terceiro candidato na discordância, Jorge Álvarez Máynez (Movimento Cidadão), nem sequer alcança o dígito de intenção de voto.
As cifras a favor da candidata do Morena têm sido estáveis ao longo da campanha. Assim como aconteceu durante seu mandato na Chefia de Governo, nenhuma polêmica derrubou sua imagem. Nem mesmo o inesperado "fogo amigo" que recebeu em janeiro passado a afetou, quando a jornalista Sanjuana Martínez denunciou que a campanha de Sheinbaum estava sendo financiada com subornos. Martínez, uma jornalista famosa e contenciosa com uma carreira repleta de escândalos, foi designada, durante o primeiro trecho do governo de López Obrador, como diretora da Notimex, a agência estatal de notícias, mas sua entrada deu início a um longo conflito sindical que o presidente resolveu no ano passado com uma decisão contundente: fechou o veículo estatal e ordenou a liquidação do pessoal.
Segundo a jornalista, vários funcionários pediram aos trabalhadores da Notimex, e a ela própria, 20% de suas indenizações para destiná-las ilegalmente à campanha da candidata governista. Para piorar, Martínez publicou a denúncia no La Jornada, um jornal de esquerda tradicional aliado incondicional de López Obrador. A oposição ficou sedenta.
O presidente tinha defendido Martínez sem hesitação, apesar dos incessantes avisos de que, em algum momento, ela poderia se tornar um problema para o governo. Os antecedentes eram abundantes. Naquele dia, finalmente, ele a abandonou e imediatamente defendeu com fervor Sheinbaum, que negou qualquer ato de corrupção.
Com o passar dos dias, a tempestade política acalmou e Sheinbaum continuou com uma campanha que pode levá-la ao Palácio Nacional e na qual, mais do que o resultado eleitoral, as dúvidas se concentram em saber se López Obrador cumprirá sua promessa de se retirar da vida pública assim que terminar seu mandato, o que gera ceticismo vindo de um líder com cinco décadas de militância que está acostumado a fazer política tanto quanto a respirar.
Sheinbaum poderá se emancipar de seu mentor? Ou López Obrador continuará governando nas sombras? O que Sheinbaum fará com os militares, a quem o presidente, em plena contradição com suas promessas anteriores, concedeu tanto poder durante este governo? Como será recebida por um poder militar machista por excelência? O que fará com os cartéis, com os traficantes de drogas, com a violência interminável, com a crise humanitária no país dos mais de 100.000 desaparecidos? Se as previsões das pesquisas se confirmarem, nos próximos meses teremos as respostas.
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A "filha do 68" que quer governar o México - Instituto Humanitas Unisinos - IHU