Por: Caroline | 08 Julho 2014
A angústia de uma mãe e seus filhos a espera que a corrente do rio baixe para poderem cruzar a fronteira.
A reportagem é de Sanjuana Martínez, publicada por La Jornada, 07-07-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/ezPYaL |
O fluxo do Rio Bravo não dá trégua aos migrantes, há dias está crescendo devido às intensas chuvas e já retirou a vida de várias pessoas. Apesar do temerário ronco da corrente, Vanessa Alvarado aguarda um sinal para se lançar na corrente e cruzar para os Estados Unidos: “Estamos esperando a resposta de Deus. Ele irá nos dizer quando”.
Seus dois filhos a acompanham: Olga, de 11 anos e Robert Isaac, de 15. Estão viajando há três semanas desde sua cidade natal, São Pedro Sula, a capital industrial de Honduras, animados pela versão popular de que o governo estadunidense está aceitando crianças: “Entendi que estão deixando passar com crianças, especialmente quando há uma ameaça. E a Mara já queria meu filho e ameaçou estuprar minha filha”.
Caso consigam cruzar, os dois filhos de Vanessa se unirão as 50 mil crianças que estão nos Estados Unidos como migrantes sem documentos à espera de uma próxima repatriação, como diz o ativista José Jacques e Medina, do Movimento Migrante Mesoamericano.
Advogado e promotor fundador do Sindicato Nacional de Trabalhadores Migrantes da República Mexicana, da Internacional Brotherhood of General Workers e do One Stop Immigration and Educational Center, Jacques é um incansável defensor dos migrantes e nos meses recentes trouxe para a ponte desta fronteira três famílias para conseguir sua exitosa reunificação do outro lado do rio Bravo.
“Estamos fazendo isso para mostrar ao presidente Barack Obama que sim, se pode. A administração estadunidense tem a capacidade de resolver esta tragédia humanitária, se tiver vontade. O governo de Obama tem sido o mais repressivo de todos, com 2 milhões de deportações”, diz enquanto cruza a Ponte Número Um rumo ao Texas.
O que ocorreu com os filhos desses 2 milhões de imigrantes deportados pelos Estados Unidos? Jacques responde a pergunta com os seguintes dados: “Os 11 milhões de migrantes sem documentos tiveram 5 milhões de filhos cidadãos dos Estados Unidos. Quantos deles estão neste momento abandonados em casas de acolhidas, distantes do amor de seus pais?”.
Está é outra aresta da crise da migração infantil que enfrenta o país vizinho. Para o ativista, o governo estadunidense está se equivocando, particularmente por querer resolver uma tragédia humanitária com medidas policiais: O embaixador Earl Anthony Wayne fala de apreensões, quando os interesses das crianças exigem que sejam tratadas de maneira distinta. As crianças necessitam de alimentação, de local onde dormir, educação, felicidade, distração. E ninguém está pensando nisso, é mais do que repatriação. É um grave erro.
Informação confusa
A avalanche de crianças migrantes acompanhadas por suas mães ou que estão sozinhas não para, mesmo com as advertências do governo de Barack Obama. É impossível colocar portas para a fome, diz Sandy Vanegas, de 22 anos, que veio de Tegucigalpa, capital de Honduras, quando seu irmão a confirmou, há alguns meses, que conseguiu passar para os Estados Unidos com seus quatro filhos.
Carregando sua filha de dois anos, enquanto a de cinco puxava sua calça, chorando e pedindo algo para comer. Quer ir para o Alabama para se juntar a sua mãe: “Vou cruzar porque dizem que há uma lei nova e que estão deixando entrar com filhos. Vou me aventurar pela ponte. Penso em ir daqui de taxi e quando chegar a estrada irei caminhando. Alguns dizem que fazem voltar, mas outros me disseram que estão os aceitando sim. O pai delas não me ajudava, vamos cruzar para buscar um futuro melhor”.
“Quem disse isso a você?”
“Meu irmão passou em abril, com quatro filhos. Foram caminhando pela ponte, foram recolhidos pela migração e agora estão buscando a permissão para poder estar lá”.
A duração da viagem é de um mês no México, se vier apenas de ônibus, seguindo a rota migrante com estadias curtas em abrigos dirigidos por diferentes ordens religiosas. Leva três dias na Casa do Migrante Nazareth, localizada próxima à linha fronteiriça, dirigida pelos missionários Scalabrinianos.
O sacerdote Luiz Kendzierski dirige este albergue há seis meses. No mês passado recebeu 1.100 migrantes, especialmente centro-americanos, mas também mexicanos deportados. Reconhece que há um fenômeno novo de migração infantil: por aqui passaram 250 crianças e 500 mulheres: é uma tragédia humanitária e os governos dos Estados Unidos e do México foram pegos de surpresa. Não imaginavam tudo isso. Há uma superlotação. E foram sobrecarregados. Essa é uma prova de que não estão mais deixando-os cruzar assim. Estão detendo-os. A grande maioria é hondurenha. A situação em Honduras é muito difícil, caótica. A violência é muito forte e as pessoas estão saindo por isso.
Pelos cômodos da casa, os migrantes esperam. Homem, mulheres e crianças buscam se entreter conversando, jogando e fazendo planos sobre sua viagem ao chamado sonho americano.
Neste momento a recomendação é clara: a corrente do rio Bravo significa a morte para aqueles que se arriscam a passar, a corrente cresceu muito estes dias. Não há como cruzá-lo. De metro em metro, já subiu de três ou quatro, com águas muito mais violentas e revoltas. Muito complicado para cruzar.
Maus-tratos no México
Os filhos de Alicia choram. O de quatro anos exige atenção. Está cansado, um pouco doente de gripe, irritado. Acabam de chegar deportados, após terem passado 13 dias nos escritórios do Instituto Nacional de Migração da Ponte Número Um desta fronteira.
A experiência foi terrível, como conta Alicia, que veio de Honduras: mantinham-nos em quartos amontoados. Havia cerca de 40 pessoas. Não víamos a luz do sol. Dormíamos em colchonetes, uns sobre os outros. Horrível. Cobertores e colchonetes sujos, com pulgas, piolhos. Os banheiros ficavam nos mesmos quartinhos, insalubres, com mau cheiro, muito asqueroso, sem portas, via-se tudo. Tudo fedia. Muito feio.
Seus filhos de quatro e dois anos se adoentaram e estão com várias infecções. Ambos nasceram no México e, dessa forma, a migração lhe permitiu pagar uma multa para sair: tinha muito medo, porque ali estavam retirando as crianças para levá-las do DIF [Sistema Nacional para o Desenvolvimento Integral da Família, órgão público de assistência social]. Há muita injustiça. É muito difícil. Cada um sabe porque sai do seu país. No meu caso pela insegurança. Em Honduras não se pode viver.
Alicia está decidida a voltar a tentar, esta vez ao invés de caminhar pela ponte pensa em lançar-se no rio quando a corrente estiver baixa: “Se volto para Honduras, não tenho nada para oferecer a eles, sigo tentando e se Deus me permitir chegar, há uma oportunidade para que estudem, para que sejam alguém”.
Não quer voltar a viver a humilhação da deportação das autoridades estadunidenses: “São tremendos, mesmo que choremos, para eles não importa, nem mesmo as crianças. Quase nos tiraram arrastados de lá. Uma menina se agarrou no poste de luz para que não a fizessem voltar e gritava: “Estão me machucando”. O polical disse a ela: “Solte e caminhe!”, e trazia seus filhos, o que não adiantou nada. Nos tiram quasem carregados. É sofrimento. Dói mais ainda quando tratam mal as crianças.
Vanessa Alvarado continua esperando o sinal de Deus para cruzar. Vai direto a Houston para se reunir com familiares. Disse que se retornar a Honduras a Mara matará a todos, porque há um mês fez uma denúncia contra eles e isso é sentença de morte. Está angustiada, temerosa, ansiosa para resolver seu problema de sobrevivência. Não pode conter o pranto. Sua filha a abraça, seu filho a tranquiliza: “Em breve vamos cruzar, e verás: Deus irá nos iluminar para sabermos quando”.
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Crianças migrantes, uma tragédia humana que não se resolve com medidas policiais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU