01 Abril 2024
"O P. José de Anchieta fundou várias missões, incluindo Pernambuco e Porto Seguro. Na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro fundou um hospital para o cuidado dos pobres e enfermos - a Santa Casa de Misericórdia (1582). Ele amava muito os pobres e os abandonados, fornecendo-lhes o sustento do corpo e do espírito", escreve Felipe de Assunção Soriano, Padre da Companhia de Jesus (Jesuítas), doutorando em História pelo Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Coordenador e Curador do Memorial Jesuíta Unisinos e do Instituto Anchietano de Pesquisas da Unisinos de São Leopoldo.
O processo do P. José de Anchieta (1534-1597) foi largo e marcado por muitas interrupções. Sua santidade sempre foi algo patente, reconhecida por inúmeros testemunhos e pelos próprios jesuítas. Para a produção do necrológico, o P. Pero Rodrigues, Provincial dos Jesuítas do Brasil, escolheu dois dos sacerdotes mais autorizados, o P. Inácio de Tolosa, provincial que antecedeu o P. Anchieta, e o P. Querício Caxa, seu professor em São Salvador da Bahia. Esse esforço, sem ter as mãos seus papeis e escritos, já constitui a primeira tentativa de apresentar seus méritos e virtudes.
O P. Pero Rodrigues, iniciou logo a coleta de testemunhos (1609). Em todas as cidades, casas, aldeias e vilas não faltam pessoas que quisessem declarar fatos curiosos ou miraculosos presenciados por eles. Os cinco primeiros anos após sua morte reuniram-se cerca de 200 testemunhos de alunos, companheiros de jornada, almas por ele orientadas na virtude e seus súditos e superiores religiosos (1598-1602). A segunda biografia, escrito pelo P. Pero Rodrigues, contou com toda essa riqueza de fontes e relatos (1604). Esse texto foi logo enviado ao Padre Geral Cláudio Acquaviva, que se serviu Sebastião Beretátio para redigir uma nova versão em latim à altura das exigências da época (1616). Esse novo texto chegou a ser traduzido para o espanhol (1618), francês (1619) e italiano (1621).
Por ordem do Padre Geral Cláudio Acquaviva, foram transferidos do Colégio de São Tiago na cidade de Vitória (Espírito Santo) ao Colégio de São Salvador (Bahia) os restos mortais do P. José de Anchieta (1609). Na ocasião, foi enviada a Roma uma relíquia do bem-aventurado, a saber, um “fêmur” que voltou definitivamente ao Brasil por ocasião da Beatificação. Naquilo que sabemos, ficou ainda no Espírito Santo uma relíquia insigne “tíbia”, em estojo de prata com o emblema dos Jesuítas, por ocasião do quarto centenário da fundação da Companhia de Jesus foi levada para a “cela do santo” no Santuário Nacional São José de Anchieta (1940). A maior parte do fêmur está no Pátio do Colégio em São Paulo.
Em São Cristóvão de Laguna – Tenerife (Canárias), sua terra natal, a antiga Casa dos Anchietas, que existe até hoje na “Plaza del adelantados”, era mostrada aos forasteiros como peça de devoção dos laguneiros em memória de José de Anchieta (1627). Também em Coimbra (Portugal), mesmo depois do grande terremoto (1646), na antiga Universidade de Coimbra, conservou-se como lugar de devoção o cubículo do santo Padre José de Anchieta. Hoje, no antigo Colégio de São Joaquim dos Jesuítas em Lisboa, no altar das relíquias dos santos, se encontra um busto juvenil com relíquia do P. José de Anchieta.
Em 1617, a Congregação Provincial dos Jesuítas do Brasil, reunida na Bahia, apresentou pedido para abertura oficial do processo de beatificação do P. Anchieta ao Padre Geral Múcio Vitelleschi. Ele, acatou prontamente a solicitação, pedindo que se atese as normas e instruções para a abertura dos atos informativos junto a Diocese da Bahia e do Prelado do Rio de Janeiro. Na ocasião, foram chamados de Pernambuco os Padres Gaspar de Samperes e Gonçalo de Oliveira, alunos de Anchieta no início do Colégio de Piratininga (1619). Devido a mudanças na legislação para a Causa dos Santos, passa-se a exigir um prazo de 50 anos pós-morte, interrompendo o processo até 1649 (VIOTTI, 1953).
A causa só será reaberta oficialmente com o Papa Inocêncio X, em 10 de fevereiro de 1652. A intenção era poder comprovar a não existência de culto público, mas, por falta de recursos, a Companhia de Jesus pedirá a suspensão do processo (1668). O processo sofreu nova interrupção devido à insurreição pernambucana e da atuação de Portugal e Brasil na expulsão dos holandeses (1645-1654). No início do Século XVIII, foram enviados 14 processo acompanhados de cartas remissórias a Roma, que só foram validados depois de muitas prorrogações (FLECK, 2015).
Em 1706, inicia-se o processo De non Cultu, para averiguar se o candidato foi cultuado sem licença da Igreja. Esse processo era muito importante, pois visava impedir que interesses familiares ou de grupos impingisse à Igreja um pseudo santo. Terminada essa etapa, inicia-se a construção da Positio sobre as virtudes heroicas, acatada pelo Papa Clemente XII em 10 de agosto de 1736. Como o reconhecimento dos milagres demorou mais que o esperado, iniciou-se o violento processo de expulsão dos Jesuítas do Brasil pela ação do Marquês de Pombal (1759).
Com a supressão da Companhia de Jesus (1773-1814), todos os processos ligados a ordem foram suspensos, paralisando a causa do P. José de Anchieta por mais de 100 anos. Quem retomará o processo será o Bispo de Olinda Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1875). Entre os anos de 1897 e 1899 foram realizados pedidos coletivos de vários Bispos a Santa Sé em favor da beatificação. No Séc. XX, novos processos sobre milagres foram feitos, mas não foram aceitos pela então Congregação dos Ritos.
Na residência de parentes do P. Anchieta em Bilbao (Espanha) encontram um manuscrito inédito de poemas latinos atribuído a José de Anchieta (1929). Neste período, o P. José da Frota Gentil encontrará no Arquivo Romano da Companhia de Jesus outros documentos, cartas, gramática, catecismo e poemas em espanhol, português e tupi. Sobre o “De Gestis Mende de Saa”, primeira obra publicada de José de Anchieta, a única edição conhecida encontra-se na Biblioteca de Évora (Portugal). A comissão para a beatificação tomará esses manuscritos, com destaque ao Poema da Virgem, como oportunidade para divulgar sua causa no Brasil.
Na década de 60, mais pedidos de Bispos e autoridade civis, inclusive do Presidente João Goulart (1919-1976), se somam em favor de Anchieta. Em 1969 e 1974 foram feitos novos pedidos assinados pela maioria dos Bispos do Brasil. Em 1977, novos pedidos do episcopado, agora unânime, dirigidos ao Papa Paulo VI, que reativa a causa de beatificação. Neste novo pedido, os bispos do Brasil solicitavam a dispensa de novos milagres, bastando apenas a fama dos antigos contidos nos inúmeros processos interrompidos.
Esse último pedido baseia-se nos estudos conduzidos pela Congregação para a Causa dos Santos e pelo Postulador Geral dos Santos da Companhia de Jesus, o P. Paolo Molinari, em 10 de novembro de 1979. Na ocasião, os cinco veneráveis que estavam sendo analisados pela Congregação foram aprovados em 29 de janeiro de 1980. A petição foi enviada ao Papa João Paulo II, que assinou o decreto eximindo os cinco veneráveis dos milagres necessários, incluindo José de Anchieta. A celebração de beatificação aconteceu em Roma, em 22 de junho de 1980.
Em 2013, a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras autoridades civis e eclesiásticas enviaram novo pedido a Santa Sé pela canonização de José de Anchieta. Acatando o pedido, no dia 03 de abril de 2014, o Papa Francisco incluiu definitivamente no Catálogo dos Santos o nome do Padre José de Anchieta (1534-1597). Sua canonização não seguiu o trâmite normal devido as várias interrupções históricas que sofreu. A opção apresentada ao Papa foi a canonização equipolente, isto é, quando a Igreja pode elevar um candidato aos altares sem a necessidade da comprovação de mais um milagre.
Nesta modalidade de canonização busca-se comprovar a antiguidade e constância do culto ao candidato a santo, atestar historicamente sua fé e virtudes e constatar sua intermediação e fama de milagres. Foram esses os critérios que fizeram o Colégio da Causa dos Santos recomendar a canonização do P. José de Anchieta. A Bula de Canonização, que corresponde ao Decreto Pontifício com os escudos Papais e escrita em latim, nos dá um testemunho admirável e inédito, pois foi assinada pelo Papa Francisco no mesmo dia em que o Colégio da Causa dos Santos emitiu sua recomendação.
A Bula de Canonização é um manuscrito papal, escrito em latim e em pele de cabra, com letras douradas e cursivas, emitido pela chancelaria do Vaticano e assinado pelo Papa Francisco. Nela, depois do devido processo legal e da aprovação do Dicastério da Causa dos Santos, o Papa proclama as virtudes dos servidores do Evangelho e os méritos de Cristo em favor da Igreja. A Bula constitui o último ato no processo de Canonização de um Santo(a), enquanto ato público, definitivo e irrevogável.
A Bula de Canonização afirma que o José de Anchieta, fiel à missão e obediente ao Espírito Santo, dedicou-se inteiramente ao Senhor quando pregava o Evangelho no Brasil. Movido pela espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, decide entrar no noviciado da Companhia de Jesus em 1° de maio de 1551. Devido a sua pouca saúde e desejoso de uma vida missionária, foi enviado ao Brasil em 13 de julho de 1553. Em Soterópolis (Cidade de São Salvador da Bahia) encontrará o P. Manoel da Nóbrega, transferindo-se a São Vicente e, posteriormente, à Piratininga de São Paulo, tornando-se um dos seus fundadores.
O jovem José de Anchieta começou por ensinar gramática aos filhos dos colonos e nativos, cuja língua aprendeu em pouco tempo. Após deixar o Colégio de Piratininga, foi colaborador do P. Nóbrega, se tornando refém nas negociações de paz entre Tamoios e Portugueses (1565). Voltando a São Paulo, dedicou três anos de sua vida cuidando do corpo e do espírito dos nativos acometidos pela varíola. Embora se distinguisse pelas funções missionárias, preparou-se para receber a ordenação sacerdotal em 8 de junho de 1566. Com o P. Nóbrega foi enviado a São Sebastião do Rio de Janeiro, onde fundaram um Colégio, do qual foi reitor entre os anos de 1570-1573.
Sua fama de santidade e seus milagres começaram ainda em vida, logo após sua ordenação presbiteral. Engradecido por seus Superiores, foi nomeado Provincial dos Jesuítas do Brasil em 1587. Chegou a presidir um território muito extenso e cheio de desafios, como cabeça de um grupo de 140 membros da Companhia de Jesus. Duas vezes por ano ele visitava as residências e obras, ou seja, os colégios, as escolas, as aldeias, os canaviais e as fazendas. No desempenho de suas funções superou todo tipo de dificuldade, dedicando-se à promoção da empresa missionária.
O P. José de Anchieta fundou várias missões, incluindo Pernambuco e Porto Seguro. Na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro fundou um hospital para o cuidado dos pobres e enfermos - a Santa Casa de Misericórdia (1582). Ele amava muito os pobres e os abandonados, fornecendo-lhes o sustento do corpo e do espírito. Homem de oração noturna, porque todos seus trabalhos, forças e inteligência estava empenhado em proveito dos outros. Será José de Anchieta quem fundará um apostolado jesuíta para os negros escravizados no Brasil (1582) e quem enviará os primeiros jesuítas às terras dos guaranis, sendo ele, portanto, um dos idealizadores do grande projeto missionário nas Reduções.
Após deixar o cargo de provincial, permanece no Brasil como reitor do Colégio de Vitória (Espírito Santo), apresentando-se como pai carinhoso e amoroso, dando atenção à pregação do Evangelho e criando vários instrumentos pedagógicos como o teatro. Ele dedicará todas as suas forças a obra missionária, falecendo, junto àqueles que o fizeram vir ao Brasil, isto é, os indígenas na Missão de Reritiba, em 9 de junho de 1597. Hoje, a antiga missão indígena que recolheu seu último suspiro é abundante, diz o Papa Francisco, ao ostentar desde 1887 o seu nome – Cidade de Anchieta.
O Papa Francisco conclui dizendo que José de Anchieta é um verdadeiro filho de Santo Inácio de Loyola, pois, com tanta energia e clareza, combinou ação e contemplação. Seu funeral foi um triunfo de glória, quando o povo com o coração agradecido saudou - o Apóstolo do Brasil.
Portanto, para a Maior Glória de Deus, para exaltação da fé católica e crescimento da vida cristã, por forças de nossa Autoridade Apostólica, que José de Anchieta seja Santo. Determinamos que ele seja acrescentado ao Catálogo dos Santos, devendo ser lembrado com piedosa devoção e invocado entre os Santos da Igreja Universal. E, acrescenta, que nossa resolução seja firme, imutável e irrevogável. Esperamos que seja recebida com alegria e gratidão, quer pelos pastores, quer pelos fiéis, para que contemplem à luz que brota das virtudes e sabedoria espiritual de São José de Anchieta.
VIOTTI, Hélio Abranches. Anchieta: o apóstolo do Brasil. São Paulo: Loyola, 1980.
VIOTTI, Hélio Abranches. A causa de Beatificação do Venerável Padre José de Anchieta. Rio de Janeiro: Mensageiro do Coração de Jesus, 1953.
QUIRÍCIO, Caxa e RODRIGUES, Pero. Primeiras biografias de José de Anchieta. (13° Obras Completas). São Paulo: Loyola, 1988.
VIOTTI, Hélio Abranches. O anel e a pedra. Belo Horizonte – Rio de Janeiro: Editora Italiana, 1993.
LEITE, Serafim. Os jesuítas do Colégio de São Paulo na Pacificação dos Garcia e Camargos. Separata da Revista “Serviço Social”, Dez. 1944.
MORAES, E. Vilhena de. A relíquia de Anchieta. Rio de Janeiro: Questão Histórica e Literária, 1995.
FRANCISCO. Bula de canonização de José de Anchieta. Roma: Secretaria de Estado do Vaticano, 2013.
MOUTINHO, Murillo. Biografia para o IV centenário da morte do beato José de Anchieta 1534-1597. Volume I - São Paulo: Loyola, 1999.
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10 Anos da canonização de São José de Anchieta. Artigo de Felipe de Assunção Soriano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU