14 Março 2024
"Se o ditador menor Erdogan, nosso aliado, compara Netanyahu a Hitler, agora à parte 'Ocidental' para estabelecer a igualdade entre Putin (aquele que quer 'desnazificar' a Ucrânia ao som de mísseis) e líder do Terceiro Reich é uma palavra corrente (e recorde-se que Saddam foi também um 'novo Hitler', provas falsas em mãos)", escreve Alberto Leiss, jornalista italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 12-03-2024.
Eis o artigo.
Na última edição da Crítica Marxista (arriscando num conflito de interesses, ao fazer um pouco publicidade de uma revista com a qual colaboro), Aldo Tortorella intitulou o editorial "A cultura do ódio e a da paz". Um título que fala por si: já estamos em guerra. Maria Luisa também escreveu e repetiu Boccia, em seu livro Tempos de Guerra: reflexões de uma feminista (para os tipos de Manifestolibri).
E não só nos lembram desta realidade.
No entanto, é um pensamento que nos recusamos a pensar. Assistir às notícias de Gaza (ou melhor em Gaza, porque os jornalistas palestinos agem e morrem lá, mas os correspondentes do “mundo livre”) ou da frente ucraniana, sentimos horror. Talvez vamos a manifestações pela paz. Talvez até optemos por ver e saber o mínimo possível.
Para se convencer de quão real é este perturbador deslizamento em direção ao conflito total considerando a linguagem que se multiplica em nossos jornais nacionais. Aqueles que expressam, mais ou menos, o ponto de vista de uma burguesia mais ou menos esclarecida. E em alguns casos eles fazem também alguma oposição ao governo de direita, que hoje celebra – Giorgia Meloni talvez com “o capacete” ainda está em mente – a vitória no Abruzzo dos três mares.
Nós vemos. No Corriere della Sera de domingo, Paolo Mieli apelou à Europa para agir rapidamente na ajudar a Ucrânia, porque "o confronto armado com a Rússia de Putin" poderá tomar um rumo má virada. Talvez um “acidente”, como aquele baleado em Sarajevo em 1914. Mas a evocação de A Primeira Grande Guerra não basta. Imediatamente abaixo do editorial pode-se ler o comentário de Massimo Riva: uma Europa dos fortes, mesmo que poucos (“A Europa deveria contornar a restrição da unanimidade”) ele não terá que "baixar as calças" como "na frente de Hitler em 1938, em Munique". Aqui está a perspectiva de uma nova guerra mundial.
Se o ditador menor Erdogan, nosso aliado, compara Netanyahu a Hitler, agora à parte "Ocidental" para estabelecer a igualdade entre Putin (aquele que quer "desnazificar" a Ucrânia ao som de mísseis) e líder do Terceiro Reich é uma palavra corrente (e recorde-se que Saddam foi também um "novo Hitler", provas falsas em mãos). Discurso semelhante, no domingo, no editorial do editor do La Repubblica, Maurizio Molinari: fique.
A Itália está atenta ao seu interesse nacional, porque Putin, a partir da Moldávia, se prepara para uma "Campanha Europeia". Não subestimo o potencial agressivo – tão criminosomente empregado durante dois anos na Ucrânia – do grande ditador Putin, agora o nosso grande inimigo. Mas empurre antes de tudo. Responder às armas com armas é o único e correto caminho? Isso levará à paz ou à catástrofe global?
Ontem, novamente no La Repubblica, o ex-diretor Ezio Mauro denunciou a divisão vertical que atravessa o nosso mundo: por um lado a visão da guerra do Papa, por outro a do líder americano Biden, no discurso animado ao seu país ("A Rússia de Putin está em marcha, já invadiu a Ucrânia e não vai parar"). A democracia está em perigo, minada internamente por um como Donald Trump, e terá de ser defendido a todo custo. Até – pode-se compreender – a guerra.
Mauro fala com respeito pela posição do Papa, mas na verdade o acusa de seguir o caminho da negociado apenas com a parte lesada, a Ucrânia. Na realidade, parece-me que o Papa também se dirigiu a sobretudo às “potências internacionais” com cuja ajuda “podemos negociar hoje”.
A democracia está “sob ataque”, até pelos seus adversários internos, porque perdeu credibilidade e capacidade hegemônica. Irá ele reconquistá-los ameaçando uma terceira guerra mundial termonuclear?
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Os espectros de Hitler e da guerra. Artigo de Alberto Leiss - Instituto Humanitas Unisinos - IHU