13 Março 2024
“Gaza e Tel Aviv ficam a apenas uma hora e meia de carro, mas não poderiam estar mais longe uma da outra. Enquanto os palestinos morrem de fome, os israelenses fazem fila para comprar hambúrgueres no novo Shake Shack. Esta dissonância é um grande obstáculo para resolver esta crise”, escrevia, há poucos dias, a analista sênior do International Crisis Group, Mairav Zonszein, de nacionalidade estadunidense e israelense e residente em Israel. Zonszein publica regularmente em meios de comunicação anglo-saxões e israelenses como especialista na situação na região.
“Há duas formas de ver como chegamos a este ponto em Gaza. Primeira, observar que Israel é governado por um homem que está interessado apenas em sua sobrevivência política. Segunda, podemos pensar que a devastação e o caos são a estratégia. Não são opções excludentes. É possível, de fato, que se alimentem”, destacou, nesta semana, em suas redes sociais, onde é muito ativa.
“A narrativa israelense é que o Hamas não está interessado em um acordo agora, que deteve as negociações. Isto está errado. Pode ser que Israel o encontre irredutível, mas a sua posição [a do Hamas] se manteve constante: fim total da guerra, retirada das forças armadas israelenses e retorno da população deslocada ao norte de Gaza”, acrescentou, nesta segunda-feira.
Sua voz, crítica ao governo e à ocupação, não faz parte da maioria israelense. “Este é o momento de maior solidão que já vivi em meu país”, confessa em conversa telefônica com El Diario.
A entrevista é de Olga Rodríguez e publicada por El Diario, 11-03-2024. A tradução é do Cepat.
Recentemente, o israelense Yuval Abraham, codiretor do documentário ‘No Other Land’, recebeu seu prêmio no festival de cinema de Berlim e se manifestou contra a desigualdade sofrida pelos palestinos. Por este motivo, recebe críticas e até ameaças em Israel.
Acusações de antissemitismo estão sendo utilizadas e instrumentalizadas contra pessoas que criticam o governo israelense. No caso de Yuval Abraham é especialmente problemático. Vemos que, cada vez mais, as acusações contra os palestinos também são levantadas contra judeus e judeus israelenses que criticam o governo de Tel Aviv.
Yuval mora em Israel, é um ativista e tenta criar um futuro melhor para palestinos e israelenses. É provavelmente mais patriota do que muitos israelenses. O governo e os meios de comunicação fazem acusações contra ele. Basicamente, trata-se de uma tática para desviar a atenção do problema real, que é a desigualdade e o apartheid.
Uma pesquisa recente do ‘Israel Democracy Institute’ revela que a maioria dos judeus israelenses se opõe a um acordo político para acabar com a guerra e que dois terços se opõem à entrada de ajuda humanitária em Gaza. Como você define o ambiente atual em seu país?
Desde os Acordos de Oslo e mais ainda desde o fim da Segunda Intifada, a ocupação desapareceu do discurso israelense e da vida cotidiana israelense. Houve um longo processo em que a direita – e a direita nacionalista dos colonos – assumiu o controle do governo e das instituições, enquanto a maioria liberal e secular se concentrou apenas em seus próprios interesses, em suas vidas, e deixou o conflito abandonado, como se não existisse.
Antes do 7 de outubro existia uma apatia e um status quo que permitiam à direita ditar muitas dinâmicas que condicionam os movimentos do país. Após o 7-O, todas essas pessoas, de repente, lembraram que existe um lugar chamado Gaza e que o preço a pagar para continuar com a política atual é muito, muito alto.
Infelizmente, a maioria dos israelenses é menos partidária do que antes a um processo de paz ou de negociação, está mais assustada, vive em um estado de trauma grave. Há pessoas que tiveram de ser retiradas de regiões próximas às fronteiras sul e norte. Pela primeira vez em Israel, de fato, há zonas de segurança, e isto só cria mais medo e desconfiança. A direita joga com isso, dizendo que não importa o que se faça, os palestinos sempre vão querer matar você.
A situação mudaria com a realização de eleições e um novo governo israelense?
Qualquer mudança no governo agora modificaria a dinâmica. Existe uma situação anômala em que a maioria dos israelenses apoia a guerra, mas não apoia Netanyahu e o seu governo. Antes do 7-O, havia protestos em massa contra o plano de revisão do poder judiciário pelo governo.
Muitas pessoas acreditam que haverá eleições este ano. E mesmo alguém como Benny Gantz, que provavelmente venceria as eleições – e cuja aproximação com os palestinos não é muito diferente do que a do atual governo –, significaria uma grande diferença. No entanto, não estou muito otimista em relação a Gantz, em relação ao modo de operar de Israel em Gaza e na Cisjordânia. Ainda assim, penso que significaria alguma mudança, talvez pudesse cooperar mais com os atores internacionais.
Gantz liderou a ofensiva militar israelense contra Gaza, em 2014 [na qual morreram ao menos 1.462 civis, segundo a ONU].
Sim. E é o atual ministro da Defesa. Não sou otimista a respeito de sua liderança, porque ele é um ex-chefe do Exército e acaba de chegar à política. É difícil saber suas opiniões reais, vêm mudando. Ele tem uma visão muito militarista. É contra o Estado palestino, segundo diz.
A sociedade israelense guinou muito para a direita, sendo assim, mesmo aqueles considerados de centro propõem uma abordagem semelhante acerca dos palestinos. E não sei se Gantz teria a coragem e a legitimidade para abordar um processo sério que exigiria grandes concessões por parte de Israel, um processo que precisaria de alguém com muita capacidade e poder político para entender que este conflito deve ser resolvido e não apenas administrado. Não sei se ele vai por aí.
Atualmente, existe algum líder ou opção política, em Israel, que realmente defenda a paz e o fim da ocupação?
Os únicos partidos contra a ocupação em Israel seriam o partido Meretz e o Hadash, que é um partido de judeus e árabes israelenses. Atualmente, não possuem poder político.
Do seu ponto de vista, qual é o objetivo de Israel em Gaza e como vê o futuro da Faixa?
Há uma extrema-direita israelense que quer despovoar Gaza e recolonizá-la, e que tem uma influência significativa na sociedade israelense. Quanto às pessoas que tomam as decisões, Gaza ficará como agora por algum tempo, ou seja, caos, morte e destruição.
A Faixa é praticamente inabitável, isso é resultado das operações israelenses e não mudará tão cedo. Boa parte desta guerra tem a ver com Netanyahu tentando permanecer no poder e evitando assumir sua responsabilidade. Contudo, se olharmos para outras pessoas do Gabinete de Guerra do governo, ou do Exército, ou para o Ministro da Defesa, o que buscam em Gaza é outra versão da Cisjordânia, embora talvez sem os assentamentos. Ou seja, pretendem que Israel ocupe Gaza por tempo indeterminado, o que o governo chama de controle total da segurança.
A questão é se haverá ou não algum tipo de Autoridade Palestina reestruturada. A extrema-direita se opõe completamente a isso. Netanyahu também, ainda que tenha deixado alguma janela aberta. No entanto, não oferecem nada prático. E a dimensão do desastre na Faixa indica que permanecerá sob controle israelense por um longo período.
Não vemos qualquer progresso para derrotar o Hamas, já se passaram cinco meses e o Hamas ainda é capaz de operar. Não há sinais de que Israel será capaz de derrotar o Hamas do modo como o governo prometeu. As perspectivas são de uma guerra interminável, sem vitória clara, uma guerra de desgaste sem fim.
Como tudo isto está afetando a Cisjordânia?
Imediatamente após o 7-O, o Exército israelense e os colonos redobraram suas ações na Cisjordânia, ocupando terras, intimidando os palestinos, lançando ondas de prisões. Ou seja, tudo o que já acontecia antes, mas de forma mais exacerbada.
Os discursos da extrema-direita defendendo a recolonização de Gaza podem estar direcionados a desviar a atenção da Cisjordânia, para que, independentemente do que aconteça em Gaza, não afete o controle israelense sobre a Cisjordânia.
Por que considera que, após tantos anos, um acordo de paz e o seu cumprimento não foram possíveis?
Há uma combinação de razões. Israel saiu da Guerra dos Seis Dias, em 1967, com muito território. Desde o primeiro momento, decidiu ocupar e colonizar esse território [palestino], o que significou décadas de domínio e de violência de ida e volta. Ao mesmo tempo, ganhou mais credibilidade e legitimidade por parte dos Estados Unidos e de outros atores, o que lhe permitiu continuar agindo, até hoje.
Israel não foi forçado a pagar um preço pelas suas ações. Agora, estamos em um cenário em que isso não é mais possível sem pagar um preço alto por parte dos palestinos, mas também de outros atores, como o Hezbollah.
Portanto, deve-se a uma combinação da impunidade israelense com a falta de capacidade dos palestinos em ter uma liderança política eficaz. E ao papel da comunidade internacional, que desde os anos 1990 simplesmente abdicou, abandonou completamente a sua responsabilidade, e só conseguiu um fracasso da política externa neste tema.
Se o então primeiro-ministro Yitzhak Rabin não tivesse sido assassinado, em 1995 [por um extremista israelense], teria havido um resultado diferente?
Não saberia dizer. Não considero possível avaliar ‘o que teria ocorrido se...’, mas o assassinato de Rabin significou a morte total do processo de paz, isso garanto.
Atualmente, quais são os desafios e obstáculos para a paz?
Tanto os palestinos quanto os israelenses precisam conduzir os seus líderes a um cenário no qual abordem a raiz do problema, para resolver a situação através de meios diferentes dos aplicados até agora. Isto significará muito sacrifício de ambos os lados e, neste momento, ninguém está disposto.
É claro que é necessário um cessar-fogo imediato. Está claro qual é o equilíbrio de poder e o motivo pelo qual Israel vem agindo como fez durante tanto tempo. Agora, os israelenses estão sofrendo por isso.
No momento em que Israel se torna uma exceção – vejam a abordagem diferente de Israel em relação à Rússia –, o resultado é contraproducente e não funciona para os interesses de ninguém. Para alguns de nós, esta é uma chamada de atenção, um despertar, espero. Infelizmente, não acredito que a maioria dos israelenses perceba isso. É necessária uma grande mudança na forma como os israelenses entendem suas vidas sustentáveis, aqui.
Na sua opinião, qual solução é melhor ou mais viável: a dois Estados ou um único Estado binacional?
Neste momento é irrelevante, porque primeiro é necessário retirar o controle ilegal israelense, a ocupação, o comando militar. É preciso desvincular a noção de segurança israelense dos direitos humanos palestinos. Assim que esses processos começarem a acontecer, então, podemos falar.
Qualquer solução, um Estado ou dois Estados, precisa se basear nos princípios da igualdade e da democracia. Qual é o Estado final não importa tanto quanto os princípios básicos que permitam às pessoas ter acesso igualitário aos recursos da Terra.
Neste momento, como você definiria ser israelense?
Depende de qual israelense deseja saber. Em um nível geral, para muitos, ser israelense hoje é semelhante ao que era se sentir israelense nos anos 1940 e 1950, quando havia uma crise existencial tentando compreender as fronteiras do Estado, a segurança e a natureza do Estado. Acredito que muitos israelenses sentem que estão em uma posição em que não entendem o que está acontecendo, se estão seguros e como se sentirão a salvo novamente.
Quanto a mim, como alguém que trabalha há muito tempo nesta questão da ocupação, é um momento muito difícil. É o momento de maior solidão que já vivi. Você sente que não tem ninguém desejando entender e trabalhar com você para algo melhor, porque todos estão fechados em seus próprios traumas, e isso só traz os piores medos e preocupações.
O governo de extrema-direita, mesmo antes do 7-O, era tão opressivo que suprimia os protestos. Nestes últimos anos, Netanyahu incitava contra os árabes e contra a esquerda, chamando-os de traidores. Assim, quando o 7-O chegou, alguns de nós já éramos párias na sociedade israelense.
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“Há uma extrema-direita israelense que quer despovoar Gaza e recolonizá-la”. Entrevista com Mairav Zonszein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU