05 Março 2024
"Neste dia 5 de março comemoramos o nascimento de Karl Rahner, o grande "teólogo da modernidade". Um dos frutos da teologia de Rahner foi o Concílio Vaticano II", escreve o teólogo Romero Venâncio, professor da Universidade Federal de Sergipe.
Com a fúria extremada de um tradicionalismo tosco que cresce dentro do catolicismo romano atual, as críticas ao Concílio Vaticano II e a teologia que o inspirou vira uma obsessão. E um dos maiores teólogos católicos entra nessa avalanche. Karl Rahner está sob fogo cerrado na mira de uma extrema-direita católica virulenta e medíocre. Ao atacar Rahner acreditam eles que estão desmontando toda uma cultura conciliar que reconfigurou para sempre a Igreja Católica no mundo.
Neste dia 5 de março comemoramos o nascimento de Karl Rahner. O teólogo alemão faria 120 anos. Padre católico jesuíta de origem germânica e um dos mais influentes teólogos do século XX, Rahner sofreu influência de Erich Przywara e Joseph Maréchal e foi estimulado por seus estudos com Martin Heidegger, Rahner tentou uma síntese da tradição teológica com o pensamento contemporâneo mudando o ponto de partida da teologia católica. Sem abandonar Tomás de Aquino, diga-se de passagem. Bernard Lonergan classificava a obra de Rahner como um “tomismo transcendental”, enquanto outros referem-se à sua antropologia teológica. No fundo, Rahner foi o grande "teólogo da modernidade". Um dos frutos da teologia de Rahner foi o Concílio Vaticano II.
Ao encerrar o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica Romana parecia entrar em uma nova (talvez inédita) fase. Havia muito "barulho" internamente na Igreja em 1965. Curiosidades, questões em aberto e a necessidade de renovação no ar. Cardeais, bispos, padres, leigos se colocavam em expectativa. O Papa era Paulo VI num recém pontificado. Após a morte do Papa João XXIII, seria caminho certo a eleição do Cardeal Montini. Isto, de fato, ocorreu. O que veio depois foi o imprevisível. Começava-se a notar uma Igreja insegura, vocações em crise e uma Igreja que precisava ampliar as mudanças e estabelecer um diálogo efetivo com o mundo moderno.
Um pequeno grupo de bispos conciliares se sentiram traídos. Segundo eles, a Igreja teria dado um passo maior que a perna. Teria anunciado mudanças muito rápidas e que poderiam colocar em risco a "tradição". Começava o movimento tradicionalista. Mais barulhentos do que articulados. Não eram tantos assim, mas sabiam o que queriam. Dessa geração, se destacará o bispo conciliar Dom Marcel Lefebvre. Ele se notabilizou pela resistência a certas reformas da Igreja Católica instauradas pelo Concílio Vaticano II. Foi um bispo que defendeu e liderou o movimento tradicionalista católico. Criou seminários e uma organização chamada Fraternidade São Pio X. Nosso tema aqui não é o desenvolvimento de uma extrema-direita católica oriunda dos resultados do Concílio Vaticano II, mas exatamente aqueles que queriam aprofundar e avançar nos resultados conciliares. O clima dos anos 60 favorecia os ditos "progressistas" na Igreja.
Um dos mais importantes nomes nos debates teológicos durante o Concílio Vaticano II foi o alemão Karl Rahner. Para o teólogo italiano Rosino Gibellini, Karl Rahner, especialmente no momento histórico do Concílio Vaticano II, colocava-se na linha da renovação e se ocupava em lançar uma ponte entre tradicionalistas e progressistas. Segundo Gibellini, a teologia de Rahner estava em plena sintonia com o grande projeto inovador do Concílio. Gibellini foi um atual e importante estudioso da teologia cristã contemporânea e autor do já clássico A teologia do século XX. A ponte com os tradicionalistas, Rahner não conseguiu. O movimento tradicionalista cresceu e saiu do controle, inclusive do Papa Paulo VI (basta ver os problemas que Lefebvre causou). O teólogo alemão foi fundamental para os progressistas nos anos 60 e 70.
Destaco aqui um breve conjunto de ensaios de Karl Rahner publicados em 1965 ainda no calor do fim do Concílio. No Brasil, o conjunto de ensaios foi publicado pela Fonte editorial com o título: "O cristão do futuro" em 2005. Uma acertada publicação, já adiantamos. Não temos dúvida, torna-se necessário uma volta à leitura das obras de Rahner. Um teólogo da qualidade, erudição e atualidade não pode cair no esquecimento ou se resumir ao implacável e equivocado julgamento da direita católica de plantão.
Tenho acompanhado as movimentações de uma extrema-direita católica nas redes digitais nos últimos anos e uma coisa que percebi de imediato foi uma reação virulenta à obra de Rahner e sua teologia. Essa gente considera Rahner um "inimigo da Igreja" por conta da sua determinante influência no Concílio Vaticano II. Todas as mudanças da Igreja pós-conciliar tem a responsabilidade do teólogo alemão. Ele é considerado como aquele teólogo que empurrou a Igreja para os braços do "modernismo" (palavra-chave nos discursos da extrema-direita católica). Essa palavra é tão usada por esta extrema-direita dentro do catolicismo, que fica difícil precisar o uso dela. Percebe-se que o termo "modernismo" significou quase tudo na Igreja pós-conciliar. Obviamente, sempre em sentido negativo, herético e demoníaco. O que fez Karl Rahner, de fato, para ter tamanha reprovação por parte de uma récua de tradicionalistas?
Acredito que o breve e instigante livro O cristão do futuro possa indicar algumas respostas a tamanha critica que sofre o teólogo alemão. A obra tem um breve prefácio do autor e quatro textos. Primeiro, "A Igreja que muda". Segundo, "Situação ética numa perspectiva ecumênica". Terceiro, "Limites da Igreja: contra o triunfalismo clerical e leigos derrotistas" e por fim, "O ensino do Concílio Vaticano II sobre a Igreja e a realidade futura da vida cristã". Parece que cada texto tem um endereço certo a partir dos títulos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Karl Rahner. 120 Anos. Artigo de Romero Venâncio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU