16 Fevereiro 2024
O Papa: desenvolver uma cultura que integre os recursos da ciência para reconhecer e promover o aspecto humano na sua especificidade irrepetível. Forte a denúncia da pretensão de reduzir a pessoa a “agregado de performances reproduzíveis a partir de uma linguagem digital”.
A reportagem é de Gianni Cardinale, publicada por Avvenire, 13-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um apelo forte e claro para evitar a “hegemonia tecnocrática”. Foi lançado pelo Papa Francisco ontem recebendo em audiência os membros da Pontifícia Academia para a Vida (Pav) por ocasião da assembleia geral, que se realiza em Roma, no Centro de Conferências do Augustinianum, de 12 a 14, sobre o tema “Human. Meanings and Challenges”. “A contribuição dos estudiosos – observa o Pontífice – desde sempre nos diz que não é possível ser a priori “a favor” ou “contra” as máquinas e as tecnologias, porque essa alternativa, relativa à experiência humana, não faz sentido”. E “ainda hoje, não é plausível recorrer apenas à distinção entre processos naturais e artificiais, considerando os primeiros como autenticamente humanos e os segundos como estranhos ou até mesmo opostos ao humano". Mas “isso não está certo”.
Pelo contrário, o que é preciso fazer – reitera Francisco evocando a sua encíclica Laudato si' – “é inscrever os conhecimentos científicos e tecnológicos num mais amplo horizonte de significado, evitando assim a hegemonia tecnocrática”. A esse respeito o Papa apresenta um exemplo esclarecedor. “Consideremos a tentativa – diz ele – de reproduzir o ser humano com os meios e a lógica da tecnologia”. Tal abordagem “implica a redução do humano a um agregado de performances reproduzíveis a partir de uma linguagem digital, que pretende expressar, através de códigos numéricos, todo tipo de informação”. E nesse caso “a estreita consonância com o relato bíblico da Torre de Babel mostra que o desejo de se dotar de uma linguagem única é inscrito na história da humanidade”. E "a intervenção de Deus, que com demasiada precipitação é entendida apenas como uma punição destrutiva, em vez disso contém uma bênção propositiva”.
“De fato – é a nota do Pontífice – manifesta a tentativa de corrigir a deriva para um ‘pensamento único’ através da multiplicidade das línguas". Os seres humanos são assim “colocados diante do limite e da vulnerabilidade e chamados ao respeito pela alteridade e para o cuidado mútuo”. Perante esses riscos “em nível antropológico”, sustenta o Pontífice, é necessário “desenvolver uma cultura que, integrando os recursos da ciência e da tecnologia, seja capaz de reconhecer e promover o humano na sua especificidade irrepetível”. E isso colocando em campo, como está fazendo a Pav, “o esforço para implementar um diálogo efetivo, uma troca transdisciplinar naquela forma que a Veritatis gaudium descreve ‘como colocação e fermentação de todos os conhecimentos dentro do espaço de Luz e Vida oferecido pela Sabedoria que emana da Revelação de Deus’”.
Francisco congratula-se com o fato de que na dinâmica da atual assembleia geral “podemos ver um caminho de proceder sinodal, devidamente adaptado para enfrentar os temas centrais da missão da Academia". E observa que esse é “um estilo de pesquisa exigente, porque comporta atenção e liberdade de espírito, abertura para aventurar-se por caminhos inexplorados e desconhecidos, libertando-se de todo retrocesso estéril”. De fato, para aqueles que se empenham “com uma renovação séria e evangélica do pensamento, é indispensável questionar também opiniões adquiridas e pressupostos não confirmados criticamente”. Além disso, nessa linha “o cristianismo sempre ofereceu contribuições de importância, retomando de cada cultura em que se inseriu as tradições de sentido que aí encontrava inscritas: reinterpretando-as à luz da relação com o Senhor, que se revela no Evangelho, e valendo-se dos recursos linguísticos e conceituais presentes em cada contexto”.
Após a audiência com o Pontífice na Sala de Imprensa do Vaticano, aconteceu a apresentação da assembleia em geral. “O Papa Francisco encorajou-nos novamente esta manhã a seguir em frente”, ressaltou Arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pav. “E fazemos isso – observou ele – convencidos como somos que o desenvolvimento científico e tecnológico em que estamos imersos – uma extraordinário ‘mudança de época’ – impõe uma reflexão sobre a questão antropológica”. Depois dos encontros dos últimos anos dedicados à roboética, à Inteligência Artificial, às novas tecnologias, decidiu-se assim “abordar uma questão exigente e inadiável: a questão antropológica, a pergunta sobre o sentido do caminho que a humanidade está percorrendo”.
“A urgência de tema – explicou monsenhor Paglia – se impôs pensando no nosso futuro como espécie humana, que hoje apresenta o risco de desaparecer por autodestruição ou superação". "Colocamos, portanto, a questão antropológica no centro – acrescentou – dos trabalhos deste ano de modo direto, até porque se torna cada vez mais insistente no debate público, não só no âmbito eclesial e acadêmico”. Também participaram da coletiva de imprensa a professora Mariana Mazzucato e o professor Jim Al-Khalili. O secretário do Pav, Monsenhor Renzo Pegoraro, revelou que a terceira edição do Prêmio “Guardian of Life” deste ano será conferido à Dra. Marie Guerda Coicou, que vive e trabalha no Haiti e é especialista em anestesia e reanimação.
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Papa Francisco: “Não à hegemonia tecnocrática” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU