06 Outubro 2016
Apesar das complexidades da vida diária, as regras do nosso universo parecem reconfortantemente simples: a água de um rio sempre flui montanha abaixo, a pedra que você joga das margens sempre cai seguindo a mesma curva previsível.
A reportagem é de Jim Al-Khalili, publicada por BBC Brasil, 04-10-2016.
Mas quando os cientistas se debruçaram para pesquisar sobre os minúsculos blocos elementares da matéria, toda a certeza se dissipou: eles encontraram o estranho mundo da mecânica quântica.
Se olharmos profundamente tudo que nos cerca, encontramos um universo completamente diferente do nosso.
Parafraseando um dos fundadores da mecânica quântica, "o que chamamos de real é formado por coisas que não podemos considerar reais".
Há cerca de cem anos, vários dos maiores cientistas da história entraram nesse mundo estranho e descobriram que nesse reino diminuto os objetos podem estar em dois lugares ao mesmo tempo e que o destino é ditado pelo acaso - trata-se de uma dimensão na qual a realidade desafia o senso comum.
E eles então se depararam com uma possibilidade aterrorizante: a de que tudo que pensávamos e sabíamos sobre o mundo poderia estar completamente errado.
E a história de nossa caminhada ao delírio científico começou com um objeto muito improvável.
A Alemanha era um novo país, recentemente unificado e ansioso pela industrialização.
Várias empresas de engenharia foram fundadas e foram gastos milhões na compra da patente europeia da nova invenção de Thomas Edison: a lâmpada elétrica, a epítome da tecnologia moderna e um grande símbolo otimista de progresso.
As companhias de engenharia sabiam que poderiam ganhar fortunas se encarregando de iluminar as ruas do novo império alemão.
O que não se conseguiu prever então foi que isso iniciaria uma revolução científica. Ainda que pareça estranho, esse simples objeto foi responsável pelo nascimento de uma das teorias mais importantes de toda a ciência: a mecânica quântica.
O foco de luz apresentava um problema estranho. Os engenheiros sabiam que se os filamentos esquentavam com a eletricidade, eles brilhavam. Mas não sabiam por quê.
Algo tão básico como a relação entre a temperatura do filamento e a cor da luz que produzia era um mistério total, que eles obviamente desejavam resolver.
Com a ajuda do Estado alemão, os pesquisadores teriam como viabilizar isso. Em 1887, o governo investiu milhões em um novo instituto de pesquisa técnica em Berlim, o Physikalisch-Technische Reichsanstalt, ou PTR.
Em 1900, contrataram um cientista brilhante, ainda que um pouco purista, para desenvolver pesquisas no local: Max Planck.
Ele se propôs a resolver o problema aparentemente simples da mudança de cor do filamento com a temperatura.
Para fazer isso, Planck e sua equipe fizeram um tubo especial que podiam esquentar a temperaturas muito precisas junto com um dispositivo que media a cor ou a frequência da luz que produzia.
Na medida em que a temperatura aumentava, as cores mudavam: a 841°C, a luz era vermelha alaranjada. A 2000°C, mais brilhante e branca.
Foi então que comprovaram que, para chegar a essa tonalidade, precisavam de 40 quilowatts.
Mas algo chamou a atenção: aquela luz era mais que branca, era branca avermelhada, quase não tinha azul.
Por que era tão difícil chegar ao azul? E mais adiante do azul no espectro, a chamada luz ultravioleta quase não se produz.
Nem sequer uma estrela como o Sol, que arde a 5000°C, produz tanta luz ultravioleta como se pode imaginar diante de sua temperatura.
Essa extraordinária falta de sentido deixou os cientistas do final do século 19 tão perplexos que eles a batizaram com um nome um tanto dramático: a catástrofe ultravioleta.
Planck então deu o primeiro passo para resolvê-la: encontrou um vínculo matemático preciso entre a cor e a luz, sua frequência e sua energia, ainda que não tenha compreendido a relação entre elas. Mas foi outra estranha anomalia que se tornou o pulo do gato para a descoberta.
No final do século 19, os cientistas estavam estudando as então recém-descobertas ondas de rádio e a maneira como faziam as transmissões.
Para tanto, construíram aparelhos com discos giratórios que podiam gerar alta voltagem, o que produzia faíscas entre as duas esferas de metal.
Ao fazer isso, eles descobriram algo inesperado relacionado à luz.
Se dirigiam uma luz poderosa para iluminar as esferas, as faíscas saíam com mais facilidade. Isso indicava que havia uma conexão misteriosa e inexplicável entre a luz e a eletricidade.
Mais que isso, a conexão era com a luz azul e ultravioleta, não com a vermelha.
Esse novo quebra-cabeça foi batizado de efeito fotoelétrico, que, com a catástrofe ultravioleta, se converteu em um sério problema para os físicos, pois ninguém podia resolver as questões mesmo com as técnicas mais avançadas da ciência da época.
Albert Einstein, o mais pop dos gênios, tinha QI 160. Hoje, esse número é usado informalmente para definir a genialidade de alguém. O físico Isaac Newton teria 190
Por que a luz vermelha intensa não conseguia produzir o que a frágil ultravioleta alcançava em segundos?
Para resolver o problema, alguém teria que pensar o impensável - e em 1905, alguém fez exatamente isso.
E esse alguém foi Albert Einstein. O que ele sugeriu foi revolucionário.
Ele argumentou que era preciso esquecer que a luz era uma onda e pensá-la como um fluxo de partículas. O termo que usou para denominar essas partículas de luz foi "quanto" - do latim quantum, que significa quantidade.
Apesar de a palavra ser nova, a ideia de que a luz poderia ser um quantum era mais que excêntrica. E foi justamente seguindo essa linha de raciocínio que Einstein chegou à sua conclusão lógica que acabou solucionando todos os problemas com a luz.
De acordo com a proposta de Einstein, cada partícula de luz vermelha tem pouca energia porque sua frequência é baixa - o contrário do que ocorre com a luz ultravioleta.
Era por isso que, no efeito fotoelétrico, a ultravioleta era a que tinha forças para mudar o que ocorria com a eletricidade.
E era por isso que na catástrofe ultravioleta a lâmpada não brilhava com luz azul nem ultravioleta, pois isso requeria muito mais energia.
"Esse momento, no começo do século 20, marcou uma revolução genuína, pois demonstrou que a Física tinha que ser abordada de maneira completamente nova", diz o historiador da ciência e físico Graham Farmelo.
"Foi aí que a Física moderna realmente começou."
Foi assim que uma simples pergunta - "como funcionam as lâmpadas de luz?" - levou cientistas até as profundidades do funcionamento escondido da matéria, a explorar os componentes subatômicos do nosso mundo e a descobrir fenômenos até então inéditos.
Foi assim que se abriram as portas da física quântica.
Cientistas chegaram a propor teorias tão estranhas que um deles, o brilhante Neils Bohr, chegou a dizer que se alguém não se sentia confuso com a mecânica quântica era porque não a havia entendido.
E foi assim que ele e seus colegas que criaram a mecânica quântica - uma teoria maluca da luz que acolhe a contradição, não importando se é quase impossível de entender.
Uma ciência que argumentava coisas tão inusitadas como que não é possível saber onde está um elétron até que se consiga tirar suas medidas - e não apenas que não se sabe onde o elétron está, mas que ele está em todas as partes ao mesmo tempo.
Mas Albert Einstein, que abriu as portas deste mundo, pouco depois se sentiu incomodado com o caminho que ele havia tomado.
Einstein odiava a ideia de que a natureza, no seu nível mais fundamental, estava governada pelo acaso. Tampouco gostava da ideia de que o saber tinha um limite.
Estava convencido de que tinha que haver uma teoria subjacente menor e até chegou a propô-la.
Durante anos Einstein e Bohr discutiram apaixonadamente sobre a mecânica quântica implicar na renúncia da realidade ou não. E morreram deixando essa interrogação.
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Como a lâmpada elétrica provocou uma revolução cientifica e se tornou um pesadelo para Albert Einstein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU