23 Janeiro 2024
"A ética torna-se um antídoto à indiferença, que é sempre negação das relações sociais e cúmplice de toda violência não contrastada. Um dia se dirá: como foi possível que no início do terceiro milênio estamos em guerra na Europa, no Oriente Médio, e há um massacre de migrantes no Mediterrâneo? E a resposta será: por indiferença", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, membro da comunidade Casa Madia, em artigo publicado por La Repubblica, 22-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mais uma vez Edgar Morin denunciou que o maior e mais difundido mal que, como uma pandemia, infecta a nossa sociedade, é a indiferença: esse ficar insensíveis em relação ao que acontece com as pessoas que são vítimas, esse passar além do que Jesus estigmatizou. Ele fez isso particularmente na parábola do samaritano que vê o outro, aproxima-se e cuida da vítima de violência, diferentemente do sacerdote e do levita que passam sem ajudar. Sim, nós nos tornamos indiferentes ao conflito entre Rússia e Ucrânia, à terrível guerra que Israel continua a travar contra o Hamas no território de Gaza, já nos acostumamos a ler notícias de naufrágios de pobres migrantes no nosso Mediterrâneo e receber informações sobre acontecimentos mortais para os povos do globo.
A indiferença está na raiz da amoralidade, é a seiva que a nutre, é um veneno que penetra no coração dos seres humanos a ponto de torná-los insensíveis ao sofrimento dos outros, mas devemos também dizer que é covardia e, portanto, cumplicidade com quem pratica o mal.
No sábado dia 27 lembraremos o Holocausto, a catástrofe desejada, planejada e realizada pelo nazismo e pelo fascismo e seria a oportunidade para assumir e confessar a indiferença dos nossos povos, a começar pelo italiano que durante anos permitiu essa perseguição e esse genocídio sem que palavras de denúncia fossem levantadas, ou sem que despertasse uma responsabilidade capaz de rebelião.
Por que quando se condena o que permitiu o Holocausto se pensa apenas a uma ideologia específica, à loucura de um sentimento de eleição e não se pensa tanto na indiferença que tornou isso possível?
Mas, mesmo ao nível das relações pessoais, hoje é a indiferença que determina o clima social: não nos sentimos responsáveis pelo outro, pode ser ignorado, não nos diz respeito. Damos importância ao indivíduo e obedecemos a uma antropologia individualista que nos leva a olhar apenas para nós mesmos. No entanto, os mestres revelaram-nos o fundamento da ética: a relacionalidade.
É a relação que impõe a responsabilidade, o cuidado com o outro e impede toda forma de indiferença. Não é suficiente sentir, saber, mas é preciso entrar nas situações de sofrimento até abraçar, tocar as vítimas, mão na mão. Somente quando se chega à compaixão, a sofrer com o outro, é possível também assumir a responsabilidade pelos outros e rebelar-se, denunciar o mal e a injustiça. É essa tomada de responsabilidade, esse tomar conta, não pode dizer respeito apenas aos “nossos”, os vizinhos, mas também àqueles com quem nunca entraremos em contato, o “terceiro”, como o chama Paul Ricoeur. Dessa forma a ética torna-se um antídoto à indiferença, que é sempre negação das relações sociais e cúmplice de toda violência não contrastada. Um dia se dirá: como foi possível que no início do terceiro milênio estamos em guerra na Europa, no Oriente Médio, e há um massacre de migrantes no Mediterrâneo? E a resposta será: por indiferença.
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Um antídoto para a indiferença. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU