16 Janeiro 2024
"Especialmente a partir do Concílio Vaticano II, na igreja católica aparece e se afirma o tradicionalismo, um fenômeno complexo, variegado e mutável", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, membro da comunidade Casa Madia, em artigo publicado por La Repubblica, 15-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Especialmente a partir do Concílio Vaticano II, na igreja católica aparece e se afirma o tradicionalismo, um fenômeno complexo, variegado e mutável.
Diz respeito a uma parcela da Igreja que quer permanecer em estreita continuidade com o passado, não aceita nenhum progresso na compreensão da fé, nem mudanças nas formas em que a fé se expressa. Somente “aquela” forma do passado (na realidade, um passado recente!), apenas uma certa teologia e apenas uma certa liturgia estão no espaço da verdade e da tradição. E assim o passado é idealizado, transformado em monumento, enquanto o presente com a dinâmica da renovação é julgado de forma catastrófica.
Na realidade, essa posição, que quer ser fiel à tradição, nega a tradição autêntica, a grande Tradição, porque a tradição - de tradere, transmitir - é tal se for transmissão criativa, uma corrente viva que se alimenta do crescimento como um jardim a ser cultivado. Os tradicionalistas endurecidos negam, de fato, a catolicidade vertical, histórica, privilegiando uma época e não reconhecendo que o Espírito inspira e também age no presente. Os tradicionalistas são também uma reação a uma renovação desordenada, um conjunto de inovações que não só contradizem a grande Tradição, mas também não têm coerência com a fé cristã.
Especialmente no âmbito litúrgico, não se pode negar que no período pós-Concílio testemunhamos por vezes a celebrações fantasiosas, que prefiro qualificar como ofensivas ao mistério cristão: canções mundanas e de mau gosto, sinais e ritos inventados sem discernimento, espetacularidades que desfiguram o rito e fazem com que alguns se entrincheirem num passado que nega qualquer reforma.
Porém, se o fulcro da contestação tradicionalista é sobretudo a missa renovada nos seus ritos pelo Vaticano II, a respeito da qual se pede o regresso à missa pré-conciliar - aquela tridentina, não a de sempre -, a parcela tradicionalista mostra dentro de si diversidade, pluralidade de posições e de ênfases. Há mosteiros, entre os quais se destacam os beneditinos franceses de Barroux, Wisques, Triors, que são um recurso na Igreja: preservam fielmente os antigos ritos, o grande tesouro do canto gregoriano, vivem a vida monástica com seriedade evangélica. A Igreja hoje não leva suficientemente em conta essas realidades, ofuscada pela contestação realizada nas redes sociais por muitos grupos tradicionalistas que negam legitimidade à reforma litúrgica do Concílio e que atacam o Papa de forma vergonhosa, a ponto de muitas vezes declará-lo herético. O diálogo com eles é difícil e, no entanto, o Papa Francisco tenta não excluir essas realidades da Igreja e oferecer uma reconciliação mesmo àqueles que o atacam. Porque o Papa Francisco está convencido de que o Evangelho é uma mensagem feliz, não o Evangelho do medo nem da saudade do passado. Se o Evangelho não for uma boa e alegre notícia, não é Evangelho.
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A feliz mensagem do evangelho. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU