08 Janeiro 2024
Ano passado, foi negado ao teólogo moral Martin M. Lintner o “Nihil Obstat” de Roma. Como resultado, ele não pôde assumir naquele momento o cargo de reitor do Estudo teológico acadêmico de Bressanone. Em seu novo livro Etica cristiana delle relazioni, Lintner aborda de forma completa a moral sexual e das relações da Igreja Católica.
A entrevista é de Madeleine Spendier, publicada por katholisch.de e reproduzida por Settimana News, 06-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor Lintner, qual foi a motivação que o levou a escrever um livro tão completo sobre a moral sexual católica?
No livro abordo de forma completa e crítica o desenvolvimento da moral sexual da Igreja. Quero mostrar por que a Igreja muitas vezes assumiu uma postura tão antissexual e como podemos superar essa visão negativa.
Como teólogo e sacerdote, eu me considero devedor e, digo isso conscientemente, solidário e leal para com uma Igreja que se manchou de culpas nesses âmbitos. Com a sua rígida moral sexual, tornou desnecessariamente difícil a vida das pessoas e as colocou em graves dificuldades de consciência.
Ao mesmo tempo, a sexualidade é um âmbito em que as pessoas são vulneráveis. Pensamos nos abusos sexuais, na exploração sexual na prostituição, no crescente fenômeno da dependência do sexo e da pornografia, mas também na insegurança de um número cada vez maior de adolescentes em relação à sua identidade sexual, face à possível diversidade de identidades de gênero, e assim por diante.
O que podemos dizer sobre isso com base na visão bíblica e cristã da humanidade? Para mim é importante também levar em conta as ideias da exegese feminista.
Você fala da tradição antissexual da Igreja. De onde deriva?
Se quisermos, para simplificar, foram os Padres da Igreja, isto é, clérigos ou religiosos predominantemente celibatários, que moldaram a moral sexual da Igreja durante séculos.
A ideia de que o desejo sexual seja inerentemente pecaminoso remonta a Santo Agostinho. Para ele está diretamente associado à queda do homem. No entanto, ele teve que o aceitar como um mal porque – pelo menos nos humanos – está inextricavelmente ligado ao ato da procriação através da relação sexual.
Do ponto de vista jurídico, a instituição que servia para fundar a família era o matrimônio, de onde o requisito de que as relações sexuais só possam ser praticadas no casamento para fins de procriação. As considerações de direito natural de movimentos filosóficos como a Stoá também desempenhavam um papel importante.
Por essa razão, também a masturbação ou os atos homossexuais eram veementemente rejeitados como pecaminosos. Afinal, tudo isso não serviria para a procriação, mas para a busca do prazer.
Você falou sobre isto: segundo a Igreja, as relações sexuais servem exclusivamente para a procriação conjugal. Significa que as pessoas idosas não podem mais ter relações sexuais entre si?
Na minha experiência pastoral encontrei pessoas idosas que me falaram sobre esse dilema. Sentem-se culpadas porque, como aprenderam durante a catequese, “abusaram do casamento” e sentem vergonha porque continuam a ter relações sexuais ou trocar carinhos em idade avançada.
Ouvir algo assim na confissão me deixa irritado e ao mesmo tempo deprimido. Porque penso: o que fizemos com as pessoas com uma moral sexual tão rígida? Que fardo lhes impusemos, tirando-lhes a alegria e a espontaneidade na gestão da sexualidade?
Ficamos obcecados pela procriação e colocamos tudo o que tem a ver com o prazer e a atração erótica sob a suspeita de ser um mal ou de significar a degradação do cônjuge a objeto sexual.
A Bíblia não diz que o casamento tem a procriação como único propósito?
Não. Vamos ler as duas histórias da criação. A primeira fala da criação do homem: Deus o criou “homem e mulher”. A bênção depois diz que os homens devem ser fecundos e multiplicar-se. A segunda história da criação, historicamente mais antiga, não fala de fertilidade, mas diz que o homem na mulher reconhece “osso dos meus ossos e carne da minha carne”.
Depois diz que deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à mulher, e os dois se tornarão uma só carne. Aqui, como no Cântico dos Cânticos, alude-se à atração erótica e ao poder de união entre dois amantes, sem qualquer referência à procriação. Só mais tarde essas duas tradições narrativas foram reunidas e interpretadas como uma missão para os casais: isto é, que o casamento fosse principalmente para a procriação.
No entanto, essa formulação reflete mais o contexto sociocultural em que o casamento era legalmente contraído com o objetivo de constituir uma família. Era tolerado que um homem fosse sexualmente ativo fora do casamento, exceto com uma mulher casada, enquanto uma mulher tinha que ser sexualmente fiel ao marido para garantir a paternidade e a sucessão patriarcal.
Quando se quer usar a Bíblia para argumentações de moral sexual, então se deveria olhar também mais de perto a passagem bíblica de 1Tim 3,2 a favor da abolição do celibato…
Sim. A passagem diz que um líder da comunidade cristã ou um responsável da Igreja – a partir da qual se desenvolveu o cargo de bispo – deveria se casar uma só vez. Os responsáveis das comunidades podiam, portanto, se casar na Igreja primitiva, mas apenas uma vez, provavelmente para se distinguirem dos costumes da época, como a promiscuidade ou um novo casamento após uma separação.
Até a própria Igreja ressalta que um estilo de vida celibatário não é essencial para o sacerdócio. No entanto, é visto como um estilo de vida sacerdotal apropriado, referindo-se, por um lado, a Jesus, que viveu sem casamento segundo o testemunho dos Evangelhos, e, por outro, à tarefa do sacerdote de estar presente para a sua comunidade. O celibato sacerdotal obrigatório foi definitivamente estabelecido na Igreja latina apenas no século XII.
Isso tinha a ver não só com a interpretação negativa dos atos sexuais, que tornariam um sacerdote impuro para a celebração dos sacramentos na pessoa de Cristo, mas também com questões muito práticas e mundanas, como as obrigações de herança para com os filhos, que a Igreja queria evitar.
O celibato sacerdotal ainda faz sentido hoje?
Hoje já temos sacerdotes casados na Igreja Católica. Penso nos sacerdotes anglicanos convertidos ou nos sacerdotes das Igrejas Orientais unidas a Roma. Deveríamos pensar em tornar a obrigação do celibato totalmente livre para os clérigos. Não porque não considere sensato esse estilo de vida (eu próprio o escolhi como religioso) nem porque considere que poderíamos usá-lo para combater a escassez de sacerdotes, mas por outra razão.
Há sacerdotes que, por qualquer motivo, não permanecem celibatários e começam uma relação com uma mulher ou se tornam pais. Isso muitas vezes comporta um grande sofrimento para eles, para as suas companheiras e os seus filhos. Eles vivem uma vida moral dupla secreta ou enfrentam a decisão de escolher. Se decidirem a favor da família, a Igreja perde sacerdotes comprometidos e competentes.
Justamente este ano, Roma lhe recusou o "Nihil obstat" e não pôde assumir o cargo de reitor do Estudo teológico acadêmico de Bressanone. Teme que seu novo livro possa ter consequências negativas para sua atividade como professor de teologia moral?
Não posso descartar isso. Mas não vou deixar esse temor me paralisar. Considero-me um teólogo moral e um padre religioso que faz parte da comunidade eclesial e que deseja dar uma contribuição teologicamente válida e construtiva no campo da ética sexual e relacional, com o melhor dos meus conhecimentos e convicções.
Vejo o meu livro como uma oferta de diálogo com o magistério sobre temas que me levaram a dolorosos conflitos entre teologia e magistério até hoje e onde a Igreja perdeu inequivocamente crédito. Há mais de 50 anos, o Concílio Vaticano II conduziu a mudanças de paradigma decisivas das quais ainda não nos demos plenamente conta.
No que está pensando?
Estou pensando na superação tanto de uma visão legalizada do casamento como de uma restrição da sexualidade à função procriadora. Uma superação que permitiu uma nova visão, antes impensável, da união conjugal, do significado multidimensional da sexualidade e do significado da intimidade sexual para um casal.
Penso também no documento vaticano "Persona humana" de 1975, que reconhece a homossexualidade como uma possível orientação sexual e não a considera mais uma aberração psicológica. Tiramos as conclusões necessárias sobre o significado da sexualidade para essas pessoas, para a sua percepção de si, para as suas relações?
Gostaria simplesmente de levar adiante essa visão de uma ética renovada da sexualidade, das relações e do casamento, na esteira do Concílio Vaticano II; inserindo também perspectivas das ciências naturais, humanas e sociais, incluindo a pesquisa de gênero. Trata-se de acompanhar as pessoas como Igreja para que descubram e aceitem a sua identidade sexual, reconheçam-se nela e pratiquem e vivam uma abordagem autorresponsável da sua sexualidade.
Não creio que uma moral de proibições e mandamentos por parte da Igreja seja muito útil para uma ética das relações que sirva para a vida.
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Ética cristã das relações. Entrevista com Martin M. Lintner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU