21 Novembro 2023
Espera-se que um bispo coadjutor seja nomeado para a Diocese de Toulon depois que uma investigação do Vaticano pôs em questão o governo do bispo Dominique Rey nos últimos 23 anos.
A reportagem é de Héloïse de Neuville, publicada em La Croix International, 20-11-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Foi uma cena que deixou uma imagem inesquecível na mente de muitos padres da Diocese de Fréjus-Toulon, no sul da França, que estiveram presentes naquele dia. Seu novo bispo, Dominique Rey, tinha um celular encostado ao ouvido e fazia telefonemas sem parar no mesmo dia de sua ordenação episcopal.
A data era 17 de setembro de 2000. O local era o Domaine de La Castille, sede do seminário diocesano.
“Com a graça de Deus faremos grandes coisas”, disse Dom Rey, então com apenas 48 anos, depois de ter recebido anteriormente seus atributos episcopais: a mitra, o báculo e o anel.
“Ficamos imediatamente impressionados com o telefone, que estava sempre colado no ouvido dele, porque na época ninguém tinha um celular. Parecia moderno e muito conectado, vindo direto de algum mundo diferente do nosso”, lembrou um dos padres.
Na verdade, no momento de sua chegada, tudo nesse novo bispo parecia sem precedentes.
Primeiro padre ordenado para a comunidade carismática Emanuel em 1984, esse ex-inspetor fiscal, que se tornou pároco em Paris sem passar pelo seminário, depositou sua bagagem em uma diocese que ele pretendia transformar de alto a baixo.
“A primeira coisa que ele nos disse quando chegou foi que tínhamos que desconstruir tudo para reconstruir”, recordou Philippe Le Pivain, pároco de 70 anos.
“Ele disse imediatamente: ‘Não quero uma Igreja burocrática sem fiéis. Quero criatividade, quero que as coisas mudem’”, disse Gilles Rebêche, um dos principais diáconos permanentes da diocese localizada em Var, um departamento na região de Provence-Alpes-Côte d'Azur.
A Diocese de Fréjus-Toulon, agitada desde a chegada de Rey há 23 anos, prepara-se para uma etapa nova e sem precedentes. Em breve, terá um coadjutor – uma espécie de bispo auxiliar, mas com amplos poderes de governo e, sobretudo, direito de sucessão imediata na saída do bispo.
Essa decisão foi tomada após uma investigação apostólica ordenada pelo Vaticano, cujas conclusões puseram em questão o governo disfuncional do bispo Rey.
“O problema é uma multiplicação de problemas”, confidenciou uma fonte próxima ao assunto.
Para seus apoiadores, o bispo, agora com 71 anos, transformou corajosamente a diocese em um laboratório da nova evangelização. Diz-se que ele aumentou iniciativas missionárias lucrativas e criou laços sem precedentes entre a Igreja e a sociedade civil, especialmente nas esferas econômica e política.
Seus detratores, porém, não o poupam.
“Dom Rey é uma pirotecnia pastoral. É como um software empresarial evangélico aplicado à Igreja sem qualquer coerência”, resmungou um deles.
A investigação vaticana revelou um acolhimento descuidado e imprudente de numerosas comunidades e padres, o que prejudicou a unidade e o equilíbrio da diocese.
É claro que a tradição de acolher novos membros nessa Igreja local é anterior a Dom Rey, mas ele a ampliou consideravelmente, concedendo generosamente o estatuto de “associação pública de fiéis” a jovens comunidades sobre as quais mais tarde ele relutou em exercer seu controle.
Como bispo, ele também acolheu muitos seminaristas e padres que tinham rompido com suas comunidades tradicionalistas ou que outros bispos tinham anteriormente rejeitado ao presbiterado. O bispo Rey os ordenou, às vezes contra o conselho expresso das pessoas mais próximas a ele.
Como analisar esse acolhimento elástico? Muitos acreditam que Rey gostava de vestir o manto de bispo cujos métodos inovadores salvariam a Igreja da França do colapso. Em sua vida privada, Rey é um homem ousado.
“Só não se acidenta quem não tira o carro da garagem”, ele gosta de repetir, sublinhando a suposta falta de visão e de coragem de seus colegas bispos.
Ele se orgulha do número de padres em sua diocese (212 em 2023) e os recruta de todas as direções. Ele não hesita em viajar pelo mundo para convencer seminaristas, padres e comunidades a irem a Toulon. O número de vocações locais, no entanto, não aumentou significativamente. Em 2023, segundo o diretório diocesano, a diocese contava com mais de 60% de padres estrangeiros.
Dominique Rey confundiu sucesso em números com zelo missionário? Sua atenção às vocações foi, em todo o caso, vista com bons olhos pelo Vaticano. Sem se beneficiar de protetores particulares, sua aura em Roma era boa, observou um bispo francês.
“Com João Paulo II, ele era muito respeitado pela explosão de novas comunidades, das quais ele foi um dos grandes promotores”, disse o prelado.
Da mesma forma, nos primeiros tempos do pontificado de Bento XVI, Dom Rey visitava Roma uma vez por mês.
“Ele organizava regularmente peregrinações com líderes empresariais ou figuras políticas com quem tentava estabelecer laços”, recordou uma figura proeminente presente em Roma no fim dos anos 2000. “Ele usava Roma para fazer isso, o que implica que ele era próximo do papa.”
Essa proximidade era ainda mais credível, pois, com Bento XVI, Rey era visto como um bispo que se enquadrava perfeitamente no pontificado do papa alemão.
“Ele era visto como alguém capaz de manter a fé viva em uma França cada vez mais descristianizada, liderada por um François Hollande que era muito difamado no Vaticano”, resumiu essa fonte.
Rey foi um membro nomeado pelo papa da assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização em 2012. Nessa altura, os alertas sobre sua diocese já chegavam regularmente a Roma. Mas não estavam muito preocupados lá, pois acreditavam que os acidentes ocorridos ao longo do caminho eram justificados por uma forma de inventividade pastoral.
Vista a partir de Toulon, a figura do bispo tornava-se cada vez mais controversa em meados de 2010, ano em que o auge das ordenações foi alcançado em La Castille, com 22 seminaristas feitos presbíteros. O mal-estar espalhou-se primeiro pelo clero diocesano, que se sentiu desacreditado frente às comunidades.
“Para ele, os padres diocesanos são antiquados. Ele nos associa à teoria do sepultamento, da descristianização, da Igreja que fracassou”, disse um padre idoso da diocese.
De sua parte, alguns padres estão genuinamente fascinados com o dinamismo e com a inteligência desse bispo difícil de rotular, que pode celebrar com igual facilidade no rito tradicional pela manhã e participar de uma oração carismática à noite.
A investigação encomendada por Roma revelou que os colaboradores mais próximos de Rey são os que mais o criticam hoje, enquanto a maioria do clero e dos fiéis ainda o apoia, elogiando sua “coragem” e “audácia”. O anúncio de que o Vaticano suspendeu as ordenações na diocese em junho de 2022 causou um terremoto.
Aos olhos dos católicos distantes dos mistérios da Igreja, é a imagem de um bispo dinâmico que prevalece: as iniciativas foram abundantes durante mais de duas décadas e permitiram que muitos fiéis que desejavam envolver-se encontrassem seu lugar.
“Somos gratos a ele por ser um líder que não administrou apenas o declínio, como tantos outros. Com ele, todas as nossas ideias se tornam possíveis, mesmo as mais malucas”, disse um pároco da diocese, que, no entanto, aponta uma fraqueza em seu bispo.
“A governança não é a praia dele”, admitiu o padre.
Acima de tudo, a incapacidade do bispo Rey de dizer “não” é algo destacado por todos com quem o La Croix conversou.
“Ele odeia os conflitos e os atos de autoridade. Ele diz ‘sim’ para tudo e, quando os problemas são apontados, ele simplesmente os deixa de lado. Depois, ele cria uma comissão paralela para resolver o assunto”, contou um ex-colaborador direto de Rey.
Ainda mais preocupante é que ele ignora completamente certos avisos. Dois padres diferentes disseram ao La Croix que chamaram a atenção dele para o caso de Antoine Coelho, o padre fundador e moderador da Maison du Saint-Esprit. Esse antigo legionário de Cristo, incardinado na diocese, acabou por deixar Toulon em 2022 para constituir família com uma espanhola que afirma ser “a encarnação do Espírito Santo”.
“Disseram-lhe dezenas de vezes que as coisas não iam bem com o Pe. Coelho. Dominique Rey sabia exatamente o que se passava com ele, principalmente no que diz respeito aos exorcismos delirantes e às confissões problemáticas. Mas, mesmo avisado, ele sempre lhe confiava novas missões”, disse um padre diocesano.
Em La Castille, não era incomum que o número de ordenações variasse no último minuto. Dom Rey ordenava seminaristas não formados na diocese, com os quais ele havia se encontrado pouco tempo antes, alguns dos quais nem sequer falavam francês. Também havia ordenações discretas, ao lado das “oficiais” celebradas em junho, à medida que os candidatos ao sacerdócio chegavam.
“Isso criou uma babelização da diocese. Não há nenhuma unidade entre os padres, exceto em torno da figura de Dominique Rey. O sistema saiu dos trilhos”, explicou outro padre.
O bispo também não conseguiu exercer um controle efetivo sobre as comunidades. Entre outros exemplos, em junho passado, Dom Rey precisou emitir um decreto para a supressão da associação pública de fiéis “Monastère Saint-Benoît”, liderada por Alcuin Reid, um monge que já tinha sido suspenso depois de ter sido ordenado ilicitamente. Sua acolhida ocorreu apesar dos avisos sobre Reid por parte da antiga diocese na Austrália.
A falta de atenção do bispo Rey também se destaca em relação a Thierry de Roucy (fundador da [ONG humanitária] Points-Coeur, demitido do estado clerical) e em relação à Comunidade Eucharistein, cujo relatório elaborado no fim de um inquérito canônico em 2021 observa que “o exercício abusivo da autoridade dentro da fraternidade (...) aniquilou as pessoas em várias dimensões de seu ser”.
A ansiedade agora está na ordem do dia em Toulon, enquanto a diocese aguarda a esperada chegada de um coadjutor. Acredita-se que essa seja a solução de compromisso defendida pelo cardeal Jean-Marc Aveline no Vaticano, uma medida destinada a salvar o bispo Rey da humilhação pública.
Mas isso levanta questões. Acima de tudo, será que isso conseguirá reconciliar uma diocese profundamente dividida quanto à figura de seu bispo?
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Vaticano toma novas medidas em diocese conservadora na França - Instituto Humanitas Unisinos - IHU