30 Outubro 2023
Francisco volta atrás e decide renunciar à prescrição do padre-artista acusado de abuso. O ponto de viragem depois da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores se ter reunido com as vítimas do religioso. Volta completamente, ou avança lentamente se preferir: o teólogo e artista jesuíta Marko Rupnik, cujos mosaicos decoram alguns dos santuários mais famosos do mundo, será julgado pelo Vaticano por numerosos casos de abuso sexual dos quais é acusado por cerca de vinte mulheres pertencentes à comunidade religiosa Loyola que ele próprio fundou no início dos anos noventa.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 28-10-2023.
A decisão foi tomada pelo Papa por recomendação da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores e marca mais um ponto de viragem na questão depois de, em setembro passado, o Vicariato de Roma, ou diocese do Papa, ter chamado a atenção dos meios de comunicação os resultados de uma investigação realizada no Centro Aletti, outra instituição cultural e artística fundada por Rupnik (onde também teriam ocorrido abusos), dando a conhecer que não foram encontrados problemas de qualquer espécie e, de fato, pondo em causa a enxurrada de acusações que havia sido acumulado sobre os ombros do ex-jesuíta. 'Ex' porque, embora com algum atraso e demasiadas omissões, a Companhia de Jesus procedeu à expulsão do religioso da Ordem.
O que aconteceu então para que o Papa mudasse de ideia, apesar de ter acabado sob acusação sob suspeita de ter querido proteger o seu ex-irmão?
"No mês de setembro – lê-se no comunicado com o qual o Vaticano deu a conhecer a decisão de Bergoglio – a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores denunciou ao Papa graves problemas na gestão do caso de Marko Rupnik e a falta de proximidade com as vítimas. Consequentemente, o Santo Padre pediu ao Dicastério para a Doutrina da Fé que examinasse o caso e decidiu renunciar à prescrição para permitir a realização de um julgamento. O papa está firmemente convencido de que se há algo que a Igreja deve aprender com o Sínodo é ouvir com atenção e compaixão aqueles que sofrem, especialmente aqueles que se sentem marginalizados pela Igreja”.
Por trás da linguagem concisa da declaração, existem alguns fatos relevantes. Em primeiro lugar, o protesto das vítimas de Rupnik que se queixaram de nunca terem sido ouvidas pelo pontífice, apesar dos vários pedidos feitos nesse sentido. Neste momento, a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, liderada pelo Cardeal Sean Patrick O'Malley, arcebispo de Boston, que dedicou as últimas décadas ao combate aos abusos na Igreja, escreveu às vítimas e encontrou-se com elas.
No passado dia 8 de outubro, informa o jornal de informação religiosa Adista, Irma Patricia Espinosa Hernández, membro da Comissão do Vaticano, especialista em psicologia criminal e avaliação de vítimas de abusos sexuais e autores de crimes sexuais, diretora da Faculdade de Psicologia da CGLU (Católica Universidade Lumen Gentium), num e-mail dirigido a várias vítimas, explicou como o pedido do órgão vaticano para encontrá-las se baseou na preocupação de saber "o tratamento que você e as outras vítimas do caso Rupnik receberam durante um processo que sabemos que tem sido extremamente doloroso e frustrante para vocês, suas famílias, seus entes queridos e uma parte importante da igreja, no que diz respeito à escuta, à investigação, ao acompanhamento, ao apoio e à comunicação que lhes foi fornecida", tentando "revisar os processos e ações que foram realizadas no seu caso particular, para identificar como tudo isso pode ter afetado a legitimidade da sua reclamação, os seus direitos e o apoio e acompanhamento que não lhe foram prestados."
Embora a comissão não tenha o poder de abrir processos judiciais, é claro que as informações recolhidas são a base da decisão do Papa de confiar um novo julgamento ao Dicastério para a Doutrina da Fé. Por outro lado, o novo prefeito do dicastério, Víctor Fernández, se é verdade que quando assumiu o cargo explicou que só tinha assumido o cargo com a condição de não se ocupar de julgamentos de abusos, mas apenas de teologia, ainda está um dos poucos homens da Cúria em quem o Papa confia; em suma, não está excluído que ele tenha aconselhado Francesco sobre como proceder. Além disso, é provável que tenha exercido um controle menos rígido sobre o assunto, deixando efetivamente à comissão de proteção de menores a liberdade de ação que muitos de seus membros sempre solicitaram ao longo dos anos.
Ainda não podemos ignorar que a forte intervenção do cardeal vigário Angelo De Donatis, em defesa de Rupnik, embora possa ter sido acordada com a Santa Sé (como parece provável mesmo que não haja provas "oficiais" a este respeito), causou muito descontentamento. Nomeadamente a Conferência Episcopal Eslovena que, há pouco menos de um ano, se distanciou completamente do antigo jesuíta e pediu perdão às vítimas. Por isso, nos últimos dias, causou alvoroço a notícia de que Rupnik foi incardinado na diocese eslovena de Koper, governada por Dom Jurij Bizjak, que de fato anunciou em comunicado: "O bispo de Koper o acolheu com base no decreto de demissão da Companhia de Jesus, ao seu pedido de incardinação na diocese de Koper, bem como ao fato de o bispo não possuir nenhum documento probatório que declare Rupnik culpado dos abusos de que foi acusado perante um tribunal civil ou tribunal eclesiástico". Parece que isto não só despertou o descontentamento dos outros bispos eslovenos, mas também as autoridades políticas do país não veem com bons olhos a decisão de deixar Rupnik regressar à Eslovênia. Assim, antes que o caso também se transforme numa embaraçosa crise diplomática, o papa decidiu romper o impasse e intervir.
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O Papa envia Rupnik a julgamento, as palavras das vítimas são decisivas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU