12 Setembro 2023
Treze mosaicos que retratam a ressurreição de Jesus, em doze locais de culto espalhados por todo o cantão de Genebra: os rostos, com grandes olhos negros, têm a marca reconhecível do ex-jesuíta Marko Rupnik. O “Caminho da alegria”, projeto inaugurado em 2019 e idealizado pelo Centro Aletti em colaboração com o ateliê peruano Encañada, corre agora o risco de desmantelamento após o escândalo que envolveu Rupnik, fundador e diretor de longa data do Centro Aletti. Rupnik, de fato, acusado de ter abusado de pelo menos vinte mulheres, foi demitido da ordem dos Jesuítas no passado dia 14 de julho, após uma investigação interna que verificou “a recusa obstinado em observar o voto de obediência".
A reportagem é de Federica Tourn, publicada por Domani, 08-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nos últimos dias, as dioceses de Lausanne, Genebra e Friburgo anunciaram que criaram um grupo diocesano de reflexão para avaliar o impacto da vida pessoal do artista sobre a sua arte e o efeito que as obras têm sobre as vítimas.
“Os membros dessa equipe realizaram uma ampla consulta com especialistas e órgãos competentes, bem como com pessoas envolvidas na criação desse percurso artístico", explicou ao Domani Charles Morerod, bispo de Lausanne, Genebra e Friburgo. Entre as associações que colaboraram está também o grupo Sapec, que em 2016 promoveu a Cecar, a Comissão independente sobre abusos na igreja na Suíça.
“O problema – sublinhou o bispo – é como conciliar o respeito devido às vítimas e o respeito pelos artistas, especialmente os participantes do ateliê peruano, que criou cinco dos treze mosaicos que compõem o ‘Caminho da Alegria’”.
Uma decisão semelhante foi tomada em março passado em Lourdes, quando o reitor do Santuário Michel Daubanes e o bispo de Tarbes e Lourdes Jean-Marc Micas criaram um grupo de trabalho para verificar a oportunidade de remover os mosaicos realizados por Rupnik em 2007 na fachada do Basílica do Rosário. De fato, muitas vítimas em peregrinação ao Santuário declararam que não conseguem mais orar diante das imagens criadas por um abusador.
“A arte de Rupnik não pode ser separada da violência psicológica, sexual e espiritual imposta às vítimas, que muitas vezes também eram as suas primeiras modelos", conta Olivia (nome fictício) ao Domani, uma das religiosas que testemunhou perante os jesuítas ter sofrido assedio de Rupnik quando estava no Centro Aletti.
Várias ex-irmãs da comunidade Loyola contaram ao Domani que o sacerdote as abordava convencendo-as de que a arte é uma forma de viver a fé e depois, usando habilmente o seu carisma espiritual, abusava delas.
“Devemos também considerar que se Rupnik supervisionava a obra, para compor concretamente o mosaicos também havia muitas mulheres, artistas que trabalhavam mesmo que por curtos períodos no ateliê - Olivia continua – algumas das quais foram vítimas de Rupnik, eu primeiro: realmente queremos conservar mosaicos que representam figuras sagradas, agora que sabemos que foram realizados por vítimas de violência por ordem do seu abusador?”.
Remover as obras de sacerdotes contestados não é impossível: o demonstra o caso de Dom Louis Ribes, conhecido como o "Picasso das igrejas", um pedófilo reconhecido que abusou de pelo menos 49 menores. Após anos de pedidos por parte das vítimas, no início de agosto na igreja de Diéme, perto de Lyon, foram retirados dois vitrais realizados pelo padre e outros terão em breve o mesmo destino.
No Brasil, ao contrário, os responsáveis do Santuário Nacional de Aparecida, no estado de São Paulo, ainda não tomaram uma decisão definitiva sobre o que fazer com os 2.300 metros quadrados de mosaico realizados nas fachadas norte e sul da Basílica por Rupnik e seus colaboradores.
A obra, iniciada em 2019, será concluída ou será tomada a decisão de dar marcha a ré, como aconteceu com a igreja de Saint-Joseph-le Bienveillant, perto de Paris, onde o pároco rompeu o contrato com o Centro Aletti? Há meses a resposta lacônica que chega de Aparecida é sempre a mesma: “O Santuário Nacional está acompanhando de perto o caso e aguarda as orientações da Igreja para as suas decisões”. Silêncio absoluto, porém, sobre o custo dos mosaicos pagos ao Centro Aletti.
Contudo, a Igreja não parece ter muita pressa, nem provavelmente pretende proferir uma palavra definitiva sobre o tema. Até agora não o fez e a impressão, tanto no Brasil como em Roma, é que apenas se esteja esperando que se acalmarem as águas da indignação midiáticas para continuar tudo mais ou menos como antes.
Mesmo estando Rupnik fora da Companhia de Jesus, no entanto, permanecem várias questões em aberto: como fazer justiça (e compensação) às vítimas? Onde Rupnik exercerá seu ministério agora? Demitido pelos Jesuítas, mas não do estado clerical, ele deve de fato encontrar um bispo disposto a incardiná-lo em sua própria diocese. Nesse cenário, como o Centro Aletti será transformado?
A diretora Maria Campatelli, em carta aberta aos amigos datada de 28 de fevereiro, declarou que “depois de longos anos de apoio, o Ateliê é hoje liderado por uma equipe gerencial, apta a assumir a responsabilidade por um canteiro de obras, tanto do ponto de vista teológico-litúrgico e artístico-criativo quanto do ponto de vista técnico-administrativo. Isso permitir-nos-á cumprir todos os empenhos assumidos até agora e assumir outros novos”.
A intenção é clara, assim como é evidente que nos bastidores permanece firme Marko Rupnik, de quem o Centro Aletti não só nunca se distanciou, mas que, pelo contrário, continuou a apoiar em todas as ocasiões.
É fácil imaginar que o ateliê artístico continuará a criar mosaicos enquanto chegarem encomendas: com Rupnik (pelo menos formalmente) fora de cena, o Centro Aletti não vê motivos para desistir de um negócio que provou ser florescente e rentável ao longo dos anos. Um projeto bem estruturado que, no entanto, poderia ser colocado em crise pela decisão das igrejas francesa e suíça de retirar as obras do controverso sacerdote.
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Cancelar ou encobrir tudo? O dilema sobre as obras de Rupnik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU