16 Mai 2023
Trinta e seis anos, francês, Jean de Saint-Cheron surpreendeu seu país com o livro publicado há dois anos. Lançado pela editora Salvator, Les bons chrétiens foi aclamado pela imprensa francesa como a obra de uma nova estrela da ensaística francesa. O escritor Pierre Michon, a quem de Saint-Cheron dedica palavras de admiração no livro, retribuiu a admiração numa entusiástica resenha à qual o suplemento cultural do “Le monde” reservou a primeira página.
O livro está sendo publicado agora pela Libreria Editrice Vaticana com o título Chi crede non é um borghese (Quem crê não é um burguês, em tradução livre). A obra repropõe a fé cristã na vocação de cada fiel à santidade.
De Saint-Cheron condena, portanto, o cristianismo morno e aburguesado, cúmplice do mundo sem Deus em que o Ocidente teria afundado a partir do século XVIII e do qual são testemunhas hoje o "wokismo" da esquerda, as teorias de conspiração da direita, o islamismo fundamentalista e uma certa subcultura católica fechada sobre si mesma. O autor convida a pequena minoria cristã ocidental a não se resignar: em vez da triste vida de burgueses "bem arrumados", propõe o caminho da santidade. “La Lettura” conversa com ele por telefone.
A entrevista com Jean de Saint-Cheron, formado na escola de Ciências Sociais Sciences Po Paris e em literatura, atualmente trabalha para a revista Magnificat, é de Marco Ventura, publicada por La Lettura, 14-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
É fundamental no livro a crítica aos cristãos aburguesados, "bem arrumados".
Parti de um paradoxo. Se voltarmos à essência do cristianismo, é uma evidência absoluta que o que se propõe aos cristãos é a luta pela santidade, pela fé. Hoje, porém, prevalece o oposto. Você se arruma, se acomoda no conforto. Como o rico do Evangelho. Justamente enquanto o cristianismo perece.
Uma crítica dura.
Existem exceções, claro. No entanto, é evidente que a luta da fé não está no centro das preocupações dos últimos cristãos do Ocidente. A eles basta se sentirem detentores da verdade. Fecham-se num conforto intelectual que ameaça seriamente a vitalidade do cristianismo. Trata-se de um contratestemunho assustador em relação ao que o cristianismo tem a dizer.
Ou seja?
A palavra em ações.
Explique-se.
O cristianismo parece morrer na preguiça, no conforto, porque os últimos cristãos não praticam mais, não acreditam mais. Ou cai no identitarismo. Os cristãos estão satisfeitos consigo mesmos e testemunham apenas pela palavra.
Em vez de?
A evangelização está no amor. Cristo diz isso no Evangelho. É pelo amor que vocês terão uns pelos outros que serão reconhecidos como meus discípulos. Precisamos colocar isso de volta no centro das preocupações do cristianismo ocidental.
Pareceria óbvio.
Muitos se esqueceram que o objetivo da vida cristã é a felicidade, eu diria até o desfrute. A luta da fé, ou seja, do amor, corresponde à maior felicidade do homem. Nós somos feitos para isso.
O livro termina com um glossário de conceitos básicos como a fé, a santidade, os sacramentos, a oração, o ascetismo.
Fiz isso pelos não cristãos de boa vontade por quem esperava ser lido. Como, aliás, aconteceu. Mas sobretudo para aqueles que continuam a dizer-se cristãos e já não são mais capazes de responder pela sua fé de forma séria, racional, concreta.
Por exemplo?
Tomemos o ascetismo: não é a renúncia pela renúncia. É a renúncia que nos abre a um bem maior, um desfrute maior.
Seu livro é uma confissão de fé.
Não me considero um salvador, aquele que restaura a verdade da fé na França. (Ri) Escrevi o livro da forma mais sincera possível. Os autores que cito, Blaise Pascal, Charles Péguy, Flannery O'Connor, Léon Bloy, são escritores de incrível sinceridade. Eles escrevem com o coração. Não me considero um Pascal ou um Péguy, mas fiz um livro de coração aberto.
Em algumas passagens você fala sobre si mesmo. A alimentação, a música, os pôsteres de Nastassja Kinski e Gloria Grahame no quarto.
Não é uma pose. Gosto de boa carne, de bom vinho, gosto de fazer festa. É tudo compatível com o cristianismo.
Está certo disso?
Cito Hilaire Belloc, um amigo de Chesterton: ‘Onde quer que resplendece o sol do catolicismo, encontramos amor, risadas e bom vinho’. A diferença que importa é entre o desfrute egoísta, a lógica mundana e a abertura as outro, ou seja, o serviço, a autêntica fraternidade.
Invoca o realismo dos cristãos.
A subcultura católica que eu critico é o completo oposto do realismo. É uma sopa espiritual feita de bons sentimentos que não existe na realidade. Combinada com uma certa dureza farisaica.
Precisamente o que os não-crentes censuram aos cristãos.
E estão certos. Mas o mundo sem Deus tem o mesmo problema. Se eu usar os óculos de realismo tenho que endereçar a mesma crítica aos não crentes. Os defeitos dos últimos cristãos do Ocidente são os mesmos de seus adversários.
Você escreve sobre “um mundo que, na falta de algo para anunciar, se desgasta em denunciar".
Caímos numa época em que só sabemos criticar. Raramente acontece que um homem ou uma mulher anunciem uma boa nova ao mundo. Ao contrário, o cristianismo nunca deixará de anunciar a ressurreição. A boa nova será nova todas as manhãs.
O que isso tem a ver com o realismo?
Porque Cristo ressuscitou, tentarei agir de maneira diferente. Porque Cristo ressuscitou visitarei um enfermo, resolverei um conflito ou farei catecismo na periferia. Só isso pode nos dar sentido. Por que mais, caso contrário, levantar-se de manhã?
Voltemos à santidade. Você escreve: “Os grandes santos estão sempre insatisfeitos, mas nunca resignados".
Vamos pegar Santa Teresa de Lisieux. Retratada como sentimental, na verdade é uma guerreira: não renuncia à aspiração da infância à glória e à felicidade. Isso é o contrário da resignação. Não aceita que o mundo lhe ofereça algo inferior ao seu desejo. Ela diz: se o Senhor colocou esse desejo no meu coração é porque pode satisfazê-lo.
Essa é a sua mensagem?
Isso deve ser anunciado hoje. O imenso desejo que temos em nossos corações pode ser satisfeito, mas apenas na santidade. Fomos feitos para algo maior do que nós. E o cumprimento dessa vocação sobrenatural é o amor, o outro nome da santidade.
Que sentido tem tudo isso para a sua geração?
Não me sinto sozinho. Tenho sorte de ter amigos e amigas muito próximos. Eu escrevi esse livro para eles. Certas páginas para os amigos não crentes. Algumas outras para os católicos fervorosos.
Como o livro foi recebido?
Encorajadoramente. Muitos católicos, até mesmo jovens, até desconhecidos, me expressaram seu entusiasmo. Somos muitos a pensar que a santidade é a única aventura digna de ser vivida aqui embaixo.
E os não crentes?
Tive um eco muito positivo mesmo entre alguns deles. Viram algo de alegre na minha fé.
Faltam no livro os cristãos não católicos e os crentes não cristãos.
O livro é sobre o catolicismo, a fé na qual cresci. Eu queria investigar o que significa ser um bom católico, qual é o sentido profundo da minha fé. Eu queria realocar a luta pela santidade no coração da prática católica.
Seu estilo: denso, mas acessível.
Isso veio naturalmente. O livro vem de longe. Há milhares de horas de leitura por trás dele.
Entre os tantos autores franceses citados, falta Emmanuel Carrère.
Eu o citava na primeira versão do livro. Quando o editor me pediu para reduzir o texto em um terço eu o sacrifiquei.
Não faltam os pontos polêmicos.
É um livro sincero. Que reflete perfeitamente a minha personalidade. Existe uma energia, eu diria uma virulência, que deixou algumas pessoas nervosas, até mesmo próximas a mim.
Você critica bastante a subcultura católica.
E ainda não acabei. Poderia lhe dedicar um panfleto no futuro.
Entre os exemplos de subcultura católica você cita na edição francesa do livro a arte de Marco Rupnik, jesuíta esloveno agora no centro de um grave escândalo sexual.
É um exemplo daqueles produtos culturais que só interessam aos católicos, sintoma de uma ruptura com a cultura de todos.
Ao enfocar a crise do catolicismo após a revolução burguesa não corre o risco de idealizar os séculos anteriores?
Não tenho ilusões sobre o passado. Quando falo de cristianismo burguês, em certo sentido volto para Adão e Eva. A santidade desde sempre é uma luta de minoria.
Você define o “Tratado de Ateologia” de Michel Onfray de 2005 como um erro de juventude do filósofo, um texto malsucedido. E se o seu livro for julgado da mesma forma daqui a vinte anos?
O meu é certamente um livro malsucedido. Como, aliás, todas as obras da mão do homem. Se pode apenas tentar. Só Deus consegue fazer o que quer, o que é bom.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Uma fé de luta. Entrevista com Jean de Saint-Cheron, autor de 'Quem crê não é um burguês' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU