09 Janeiro 2018
O Papa Francisco poderia ser incluído de fato entre os filósofos contemporâneos? A afirmação, à primeira vista, parece um pouco forçada e deixa um tanto surpresos. O título de 'filósofo', no máximo, pareceria apropriado para João Paulo II, assim como o de 'teólogo' pareceria adequar-se para Bento XVI. Se houver uma imagem de Bergoglio que prevalece, pelo menos midiaticamente, é, sem dúvida, a do pastor, do homem de ação, do diplomata, do líder, não aquela do pensador ou do intelectual.
Mas, no entanto... E se nós estivermos errados? Se estiverem certos aqueles que consideram o atual Papa um filósofo e não apenas por ser um sábio que sabe como fazer uso do discernimento e da correção fraterna, mas também um pensador reformista que vê claramente o rumo a seguir? Um pensador original, segundo o qual não há nenhuma ação sem pensamento, aliás, a ação é em si uma decorrência de pensamento?
O comentário é de Marco Roncalli, jornalista, publicada por Avvenire, 03-01-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Lembrando melhor, em algumas ocasiões foi o próprio pontífice a indicar os autores que o influenciaram. Como estudante no seminário de Villa Devoto, em Buenos Aires, ou durante o noviciado na Companhia de Jesus, foi buscando em fontes latino-americanas, mas especialmente europeias, que se formou uma parte de sua personalidade e seu pensamento. São aqueles os anos em que descobriu o romancista Joseph Malègue, o historiador Michel de Certeau, o estudioso Gaston Fessard, o teólogo Yves Congar e até mesmo o escritor Léon Bloy, citado no primeiro discurso na Capela Sistina. Mais tarde viriam Guardini ou Alberto Methol Ferré.
Agora os relatos de uma reunião sobre 'a filosofia de Francisco', realizada no Institut Catholique de Paris, em 2016, para comparar o pensamento bergogliano com o dos filósofos do passado ou contemporâneos, estão reunidos no livro François philosophe publicado na França pela Salvator sob a direção de Emmanuel Falque e Laura Solignac (186 páginas, € 20). As diferentes contribuições permitem que o leitor conheça um pouco mais sobre seus antecedentes e interesses sempre presentes. E, claro, ajudam a estudar um papa que, à sua maneira, desenvolve uma filosofia da complexidade, a salvo de abordagens da realidade que qualificam - por assim dizer - como preto ou branco o que, ao contrário, é cinza: ou seja, a cor daquela penumbra que pede para examinar melhor, convidando a desenvolver com ele as capacidades de atenção e reconhecimento, verdadeira riqueza de toda a existência, segundo o que escreve Paul Ricoeur em seu ensaio sobre a ética da reciprocidade Sé come un altro (Jaca Book).
Se podemos defini-lo como filósofo, Francisco parece-nos, antes de tudo, um teórico do diálogo, que não teme ser testado. Consciente de que na contínua aceleração do conhecimento científico, o próprio ‘saber filosófico' é cada vez mais um ‘saber de não saber', e quem exerce alguma titularidade pode reivindicar, no máximo, um papel de sentinela (o que faz no signo do lema de Bernard de Clairvaux caro a João XXIII "omnia videre, pauca dissimulare, multa corrigere" de Bernardo de Claraval).
Latim à parte, as referências contidas na obra François philosophe são principalmente de autores franceses. Philippe Bordeyne lança luz sobre a relação do pensamento bergogliano com a obra de Ricoeur, citado na Laudato sí. Homem de ação comprometido com a ideia de uma relação concreta, ansioso para encontrar uma imagem de Cristo no rosto de cada homem, incluindo os não-crentes, o Papa Francisco é um filósofo em sua aposta em uma teoria e prática da relação concreta, investindo no homem 'capaz' no sentido dado por Ricoeur a esta palavra. E vivendo em um mundo onde a angústia substituiu a fé, Bergoglio também encontrou nas obras de Maurice Blondel (a quem o liga uma afinidade intelectual na sabedoria sapiencial) e Miguel de Unamuno (do qual não ignora a agônica compreensão do cristianismo) os impulsos para inverter essa tendência.
Muitas vezes incompreendido, especialmente pelos católicos, ele procura colocar a fé no lugar da angústia, sugerindo ao homem uma "hermenêutica do si" desvinculada de antecedentes experienciais de ‘identidade pessoal', considerando cada um capaz de criar e contemplar, de partir novamente do zero. Assim alimentada pelas contribuições de São Boaventura e Santo Inácio, Ricoeur e Blondel, de Unamuno e Pareyson (de quem assume a escolha por uma ‘verdade prática’ optando, no entanto, pelo discernimento e não pela hermenêutica pareysoniana), sua reflexão 'filosófica' acompanha o catolicismo hodierno e não apenas, como enfatizado pelas contribuições dessa obra, que - além daquelas dos dois organizadores e de Philippe Bordeyne, Juan Carlos Scannone, Giovanni Ferretti, Miguel Garcia-Baro também analisa as conclusões do arcebispo de Poitiers, Pascal Wintzer.
Fica a sensação – como citou Massimo Borghesi em sua recente ‘biografia intelectual' (Jaca Book) - que de tantos mestres Bergoglio tinha tirado o que ele mais precisava ao invés de assimilar as obras como um todo. Dito isto (e consideradas as antinomias e contradições), pode-se aqui convergir sobre uma imagem de Francisco, um filósofo do diálogo, mas talvez antes mesmo um filósofo da linguagem interessado em converter em história, por palavras e gestos, o que ainda continua preso nas margens e afastado.
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Papa Francisco. ‘A filosofia da realidade’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU