"Na Itália, mas também na Europa. Isso foi constatado na semana passada no Encontro internacional no espírito de Assis, intitulado A Audácia da Paz, realizado em Berlim. A vasta participação dos berlinenses aos debates e manifestações, numa cidade onde as Igrejas são minoritárias, revelou um grande interesse pelas temáticas da paz e da guerra. Também de parte dos jovens, cheios de questionamentos sobre o futuro", escreve o historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado por Avvenire, 17-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estamos em um mundo difícil. Às vezes, as informações cotidianas parecem um boletim de guerra. Em primeiro lugar, sobre a Ucrânia, tão atingida. Existem conflitos para os quais a atenção esmoreceu ou nunca se acendeu. Penso no Sudão, nos milhares de mortos, nos quase três milhões de refugiados internos e em mais de um milhão de refugiados no exterior. O filósofo coreano Byung-chul Han escreve: “As informações sozinhas não explicam o mundo”. Parece uma situação demasiado complexa mesmo para pessoas que, embora desejosas por se interessar, sentem dificuldade para seguir, não veem saídas, sentem-se impotentes. Muitas vezes a impotência favorece a indiferença. No entanto, o longo cortejo de imigrantes e refugiados às portas da Itália lembra-nos que existe um mundo onde se sofre tanto pela guerra, pelas alterações climáticas, pela pobreza e pela fome.
Parece que a indiferença seja como um cobertor protetor, favorecido pela concentração sobre si mesmo e sobre o próprio mundo. E que pouco pode ser feito, talvez com alguma exceção para sonhadores e idealistas. Mas sob esse manto de distanciamento, surge uma fome de palavras de paz, quando há oportunidade.
Na Itália, mas também na Europa. Isso foi constatado na semana passada no Encontro internacional no espírito de Assis, intitulado A Audácia da Paz, realizado em Berlim. A vasta participação dos berlinenses aos debates e manifestações, numa cidade onde as Igrejas são minoritárias, revelou um grande interesse pelas temáticas da paz e da guerra. Também de parte dos jovens, cheios de questionamentos sobre o futuro.
A expressão “audácia” conforta aqueles que sentem que é preciso fazer mais. Audácia da paz significa acreditar que pode haver uma alternativa à guerra. Por isso, é preciso investir mais na diplomacia e no diálogo para procurar soluções justas e pacíficas. Isso não significa inteligência com o mais forte ou com o agressor ou vender barato a liberdade alheia para a nossa própria paz de espírito.
J.F. Kennedy dizia “não devemos negociar por medo, mas nunca devemos ter medo de negociar”. A audácia é difícil, mas necessária diante de situações bloqueadas ou guerras que se eternizam.
Václav Havel escrevia: “A política não pode ser apenas a arte do possível… mas deve ser a arte do impossível, isto é, tornar melhores a si mesmos e ao mundo."
O Papa Francisco, maltratado por alguns colunistas ou políticos como irrealista, é a voz de referência para muitos. Embora não lhe seja possível detalhar a forma de acabar com a guerra, ele sempre coloca a paz no centro como objetivo do futuro.
As palavras de paz são acompanhadas de fatos: a missão do Cardeal Zuppi, que passou por Kiev, Moscou, Washington e Pequim. O Papa não aceita a impotência: fala, bate às portas, envia mensageiros. Ele não está sozinho nisso.
Apesar da aparência, muitas pessoas procuram palavras de paz. O desejo de paz não é egoísmo, desejo de ficar tranquilos, de não pagar as consequências do conflito. Mas dirige-se sobretudo àqueles que sofrem a guerra. Em particular, à Ucrânia, agredida pelos russos, que sofre muito, com uma população atingida pelos bombardeios, enquanto gente demais abandonou o país.
O que significa fome de paz? Que solução é oferecida? Quais os meios para influenciar os eventos?
Em primeiro lugar, significa não esquecer a guerra, ou melhor, as guerras: manter viva a memória e envolver-se. É importante uma opinião pública atenta, mesmo que os nossos países europeus tenham uma influência relativa no conflito na Ucrânia e pouca influência noutros conflitos. Estar interessados, participar, almejar a paz, não significa obter imediatamente o “milagre” do fim da guerra.
Uma atenção fiel e uma pressão constante ajudam as tantas forças que no mundo atuam para criar âmbitos de diálogo.
Tudo está conectado, mais do que parece.
Os cristãos acreditam no poder da oração pela paz. No encontro de Berlim, Angela Kunze, que tinha 25 anos em 1989, contou como desde setembro daquele ano se reunia com muitas pessoas para rezar numa igreja perto do Muro, mesmo cercados pela polícia: “Estou convencida de que as orações têm um poder transformador, podem acelerar a mudança da sociedade e derrubar os muros."
Um ministro comunista disse com desdém: “Esperávamos tudo, mas certamente não velas e orações". Afinal, a história é cheia de surpresas: processos dolorosos e muito lentos, no final e de repente, encontram uma saída positiva. Acostumámo-nos demasiado ao fato que não ter soluções logo significa que as soluções não existem. Cultivar juntos visões de paz mantém viva uma esperança para os povos que sofrem com a guerra. Pode parecer pouco, mas tem muito valor.