05 Setembro 2023
Diálogos críticos: o pensamento estrangeiro e a sociologia do trabalho no Brasil é uma realização ímpar com muitos significados importantes para as ciências sociais brasileiras. Trata-se de um projeto de mapeamento de uma das áreas mais tradicionais e influentes das ciências sociais: a sociologia do trabalho. Organizado por Roberto Véras de Oliveira, José Ricardo Ramalho e Cesar Sanson, o livro reúne 37 artigos e, em cada um deles, um ou mais autor/a brasileiro/a discute o papel de um ou mais autor/a estrangeiro/a na sociologia do trabalho, em diferentes momentos do percurso histórico da área que, assim, descobrimos mais plural do que talvez imaginássemos.
A coletânea será lançada no próximo Encontro Nacional da ABET, que ocorre na UnB entre os dias 5 e 9 de setembro, em sessão com José Ricardo Ramalho (UFRJ), Marcia Lima (MIR), Renata Dutra (UNB), Andreia Galvão (UNICAMP) e Sidharta Soria (UFPE).
A entrevista com Roberto Véras de Oliveira, José Ricardo Ramalho e Cesar Sanson foi concedida ao sociólogo Rodrigo Salles Pereira dos Santos e publicado pelo blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social - BVPS, 03-09-2023.
Como surgiu a ideia da coletânea Diálogos Críticos: o pensamento estrangeiro e a Sociologia do Trabalho no Brasil?
A ideia do livro surgiu da constatação, pelos organizadores, de que a sociologia do trabalho no Brasil – o que vale também para as demais áreas e subáreas do conhecimento que se dedicam aos estudos do trabalho no país –, apesar do estágio de consolidação alcançado ao longo de sua trajetória, jamais enfrentou em termos mais abrangentes uma reflexão sobre como dialogou com o pensamento estrangeiro. É incontornável a presença de autores e obras especialmente oriundos dos EUA e da Europa em todas as fases históricas de construção dessa trajetória de estudos. As interlocuções que, mais direta ou indiretamente, mais ou menos criticamente, se estabeleceram entre pesquisadores/as brasileiros e estrangeiros são reconhecidamente centrais para a formação das interpretações aqui produzidas. Mas, não obstante alguma reflexão a partir de situações específicas ou de balanços bibliográficos mais amplos (tendo sido vários os produzidos até agora nesse campo), uma abordagem mais de conjunto sobre os conteúdos e os termos desse diálogo não havia ainda sido produzida.
Ao mesmo tempo nos demos conta de que tal empreendimento não poderia ser satisfatoriamente realizado senão com um amplo envolvimento da própria comunidade de pesquisadores/as dessa subárea no país. Foi assim que, de um lado, elencamos o que consideramos as principais obras e autores incorporados nos estudos que marcam esse percurso; e, de outro, identificamos e convidamos colegas que vêm contribuindo para tais estudos para que, individualmente ou em coautoria, reportassem os conteúdos, as circunstâncias e as implicações desse diálogo, sendo cada capítulo dedicado a um autor e ou obra dentre os listados.
Considerando a riqueza e variedade de influências estrangeiras reunidas na coletânea, como foi possível estabelecer uma identidade própria da sociologia do trabalho no Brasil, dialogando criticamente e tensionando suas referências a partir da realidade brasileira e latino-americana?
A sociologia do trabalho no Brasil, ao longo de seu percurso histórico, compreende um tal volume de produção bibliográfica, conta com um nível tal de institucionalização (com a constituição de espaços próprios e em interfaces com outras áreas e subáreas), mobiliza em sucessivas gerações uma comunidade de pesquisadores/as com tamanha dimensão e diversidade temática, que incontestavelmente adquiriu um amplo reconhecimento dos seus próprios integrantes, daqueles/as que se encontram posicionados nas demais áreas do conhecimento no país e dos/as pesquisadores/as dos centros de estudos do trabalho mais prestigiados do exterior. Na América Latina se tornou uma referência central.
A afirmação dessa como uma subárea do conhecimento com fronteiras relativamente bem delimitadas se fez a partir de um fecundo (e plural) esforço de interpretação, pelo prisma do trabalho, da trajetória socioeconômica e política do país, o que por sua vez contou com uma decisiva inspiração no pensamento estrangeiro reportado a esses temas (nas suas mais diversas variações). Só nesses termos se pode falar em “uma trajetória”, em “uma identidade”, mas sempre tendo em conta que seus contornos se estabelecem em processos abertos e marcados por contradições e disputas. A cada vez a sociologia do trabalho e áreas e subáreas afins é desafiada a reposicionar suas abordagens, seja diante das transformações sociais e nos padrões laborais, seja por influência dos rumos do debate público (a exemplo das questões relacionadas a gênero, a etnia-raça, ao papel e natureza do Estado, à crise ambiental e energética etc.) ou ainda por influência das interlocuções com o pensamento estrangeiro. Por essas circunstâncias, fronteiras e identidades como área de estudos são permanentemente tensionadas e redefinidas.
Em que medida o balanço promovido pela coletânea auxilia na compreensão dos limites e desafios de uma subárea consolidada e tão relevante para a sociologia brasileira?
As abordagens produzidas em cada capítulo consistiram não só em registros dos conteúdos e dos termos dos diálogos produzidos entre os estudos brasileiros e o pensamento estrangeiro, mas também exercícios de identificação e redefinição das fronteiras e desafios que delimitam a trajetória da sociologia do trabalho no país e das demais áreas e subáreas voltadas ao tema do trabalho. Para além dos estudos sobre o trabalho industrial (contextualizado no processo da industrialização do país, mas também no processo de reestruturação produtiva desencadeado a partir dos anos 1980), as abordagens sobre trabalho rural, não assalariado, informal, trabalho e gênero, trabalho e questão étnico-racial, entre outras, contribuíram decisivamente para alargar, complexificar e reorientar todo esse campo de estudo. A interlocução com o pensamento estrangeiro ora estimulou tais redefinições, ora (por contraste) suscitou reelaborações próprias que buscaram realçar particularidades da realidade brasileira e latino-americana. O livro oferece um quadro bastante panorâmico e consistente das condições e resultados dessas interlocuções.
E o que a sociologia do trabalho brasileira pode dizer hoje para a sociologia do trabalho de outros países?
Em primeiro lugar é preciso que fique evidenciado para os nossos interlocutores (do Norte e do Sul Globais) que o Brasil e a América Latina há muito se constituíram em centros de produção de conhecimentos e interpretações genuínos, sob o prisma do trabalho, a respeito de si próprios. Esses conhecimentos devem compor o debate mundial sobre o tema e suas variações, algo que deve estar bem expresso nas agendas dos espaços internacionais a ele referidos. A interlocução com o pensamento estrangeiro é absolutamente fundamental para, sob uma perspectiva crítica e construtiva, adensar tal produção e franquear seu acesso de modo mais amplo possível.
Quais são as fronteiras do conhecimento na subárea da sociologia do trabalho e como as novas gerações de sociólogas e sociólogos podem se beneficiar dos trabalhos por vocês reunidos?
Conforme já dito, as fronteiras da sociologia do trabalho e das áreas e subáreas afins segue sendo redefinidas a cada vez. Pensando nas novas gerações de sociólogas e sociólogos, destacamos os seguintes campos temáticos que já vêm sendo objeto de particular atenção da sociologia do trabalho no país e no exterior. O primeiro deles se refere às mudanças tecnológicas. Encontram-se aí enormes desafios vinculados ao que vêm sendo denominado de capitalismo de plataforma, gig economy, indústria 4.0, Internet das coisas, inteligência artificial, assim como às suas inflexões na sociedade do trabalho. Um segundo é o das mudanças no padrão de regulação do trabalho, o de uma reforma trabalhista permanente. Em terceiro sobressai o tema da ação coletiva. Estar atento às novas formas de organização dos trabalhadores e suas reivindicações continua sendo uma das mais importantes contribuições da sociologia do trabalho para o debate público. Um quarto campo de estudos se refere à relevância dos temas transversais, como gênero, raça, juventude, entre outros, que têm a capacidade de reposicionar fortemente o prisma de observação das questões do trabalho. Há, ainda, um quinto campo, que apenas começa a ser abordado. Refere-se a como o tema trabalho pode vir a se reposicionado a partir do tema da crise ecológica, das mudanças climáticas e da transição energética. A crise ambiental se impôs de forma definitiva entre nós e pensar numa nova relação do trabalho com o meio ambiente é um dos maiores desafios colocados. Aqui a sociologia do trabalho precisa avançar, e muito.
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O pensamento estrangeiro e a sociologia do trabalho no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU