21 Junho 2023
Calor e trabalho nunca combinaram bem. E em um mundo superaquecido, a mudança climática, com suas ondas de calor cada vez mais frequentes, está se tornando uma ameaça concreta para centenas de milhões de trabalhadores da “linha de frente”.
A reportagem é de Alain Constant, publicada por Le Monde, 20-06-2023. A tradução é do Cepat.
Saúde em perigo, produtividade em queda: como continuar a trabalhar como antes em um mundo sempre mais quente? O modelo econômico baseado na alta produtividade pode durar? Por nos fazer trabalhar mais devagar e em condições menos favoráveis, o calor faz com que a economia mundial perca mais de 2 trilhões de dólares todos os anos.
Com este documentário (Trop chaud pour travailler) que, do Catar à França, passando pelos Estados Unidos, Índia, Itália, Nicarágua ou El Salvador, lança luz sobre o fenômeno do estresse térmico analisando as questões sanitárias, econômicas e ambientais, Mikaël Lefrançois e Camille Robert fizeram um belo trabalho. Eles entrevistaram médicos, arquitetos, economistas, chefes de ONGs e líderes políticos cujas análises, aliadas aos relatos de homens e mulheres que descrevem suas condições de trabalho inadaptadas às altas temperaturas, permitem entender melhor a gravidade da situação.
Mortes, doenças renais graves, desmaios, os efeitos do clima são terríveis para os trabalhadores que muitas vezes sofrem com ritmos infernais e não estão protegidos de temperaturas escaldantes. As principais vítimas são os trabalhadores da construção civil, em países do Golfo, mas também da Europa. Na Índia, os trabalhadores têxteis amontoados em galpões gigantescos e mal climatizados, ou as muitas costureiras em casa, que trabalham em favelas onde chapas de metal e cimento retêm o calor.
Ataques cardíacos e doenças renais
Outras vítimas são os trabalhadores agrícolas, como os cortadores de cana-de-açúcar da América Central que trabalham em condições precárias. As altas temperaturas associadas ao trabalho físico intenso e poucos intervalos provocam ataques cardíacos e doenças renais.
Outro exemplo marcante é o dos entregadores da UPS nos Estados Unidos: monitorados em tempo real por gerentes que rastreiam cada minuto perdido, eles têm de fazer entre cento e trinta e duzentas entregas por dia em um caminhão sem ar condicionado onde a temperatura pode chegar a 50 graus! Acusada em diversas ocasiões pela inspeção trabalhista americana, a administração da UPS afirma preocupar-se com a saúde de seus trabalhadores ao equipar os caminhões com ventiladores e os entregadores com uniformes novos e mais confortáveis. Medidas obviamente insuficientes em um país onde, em sessenta anos, o número de ondas de calor triplicou.
A situação tornou-se tão preocupante que Joe Biden e sua vice-presidente, Kamala Harris, discutira o assunto e pediram à agência governamental OSHA que trabalhe em regulamentações destinadas a prevenir o estresse térmico no trabalho.
A deputada democrata da Califórnia, Judy Chu, há anos vem lutando para incluir a ameaça climática na legislação trabalhista estadunidense. Em 2006, uma lei foi implementada na Califórnia que exige que as empresas façam pausas e forneçam água quando a temperatura atingir os 35 graus. Suficiente? Especialista em estresse térmico, o epidemiologista Tord Kjellström estima que até o final do século, no atual ritmo de aquecimento, “serão perdidos 15% das horas de trabalho”.
Mortes no trabalho
Na Nicarágua e em El Salvador, por sua vez, uma epidemia de insuficiência renal crônica está dizimando trabalhadores agrícolas, especialmente cortadores de cana-de-açúcar. Resultado? Sistemas de saúde sobrecarregados com o fluxo de pacientes que precisam de diálise.
O documentário começa na Itália, onde 4.000 acidentes de trabalho já são atribuídos anualmente ao calor extremo. Durante o verão de 2022, o mais quente já registrado no país, 10 italianos morreram no trabalho sob um sol escaldante. Na França, 7 trabalhadores perderam a vida nas mesmas condições. Esses países experimentarão em breve o calor extremo do Catar? No verão, o termômetro flerta com 45°C no emirado. Todos os anos, neste território em permanente construção, morrem milhares de trabalhadores, vindos principalmente do subcontinente indiano, do sudeste asiático e da África.
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O documentário “Muito quente para trabalhar” expõe condições de trabalho em tempos de aquecimento global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU