28 Agosto 2023
A guerra provoca transtornos na economia, porque interrompe o comércio, destrói regiões inteiras e impõe novos modos de organização durante o conflito. E porque, quando terminar, teremos de financiar a reconstrução dos países devastados.
No entanto, como aponta Fanny Coulomb, professora de economia na Sciences Po Grenoble e autora do livro Industries de défense dans le monde (PUG, 2017), os economistas, especialmente os liberais, têm estudado pouco a guerra, ansiosos por se manterem distantes deste extremo fato político que frequentemente confere ao Estado um papel preponderante.
A entrevista é de Yann Mens e Hervé Nathan, publicada por Alternatives Économiques, 19-08-2023. A tradução é do Cepat.
À primeira vista, a guerra não interessa aos economistas. Existem relativamente poucos trabalhos acadêmicos sobre o assunto, embora as guerras tenham, obviamente, fortes consequências econômicas. Por quê?
Ao escrever a minha tese sobre as teorias econômicas da guerra e da paz, dei-me conta de que o conflito armado foi excluído da teoria econômica, e isso desde a sua origem.
A teoria liberal tem, de fato, dominado o pensamento econômico desde o século XVIII. E na origem do pensamento econômico encontramos reflexões sobre a ordem natural que governaria as trocas econômicas, desde a “mão invisível dos mercados”, de Adam Smith, até à “ordem espontânea dos mercados”, de Friedrich Hayek.
No final do século XIX, a economia política foi substituída pela ciência econômica, interessada no comportamento dos agentes individuais, o produtor, o consumidor, interagindo em mercados regidos pela concorrência pura e perfeita, segundo os modelos neoclássicos.
Os modelos micro ou macroeconômicos contemporâneos não se destinam a integrar as perturbações políticas, nem o jogo das relações de poder internacionais. Na verdade, a ciência econômica se erigiu em saber apolítico.
Apenas os economistas heterodoxos, isto é, não liberais, tentaram levantar a questão da guerra que, ao perturbar o bom funcionamento dos mercados, leva à intervenção do Estado, ao aumento dos gastos públicos e à interrupção do comércio.
Confrontados com os liberais que, como Montesquieu, pensavam que as trocas comerciais, o “comércio suave”, mantinham a guerra afastada, encontramos os socialistas, como Rosa Luxemburgo, Jean Jaurès, para quem o capitalismo se tornou imperialismo e conduz necessariamente à guerra. Eles tiveram sucessores?
Ainda encontramos essas duas perspectivas hoje. Para os liberais, as interações limitam os riscos de guerra, pois esta teria um custo muito elevado, o que tornaria a guerra impossível.
Francis Fukuyama, em 1993, considerou que com o fim da guerra fria e a difusão da economia de mercado nos países do Sul, sob a pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, nós teríamos chegado ao “fim da história”, segundo o título de uma de suas obras. O processo de globalização tornaria o conflito impossível devido às interações econômicas e financeiras.
Sabíamos disso no final do século XIX, durante a primeira globalização: o pacifismo era extremamente poderoso entre os economistas liberais, que estavam preocupados com a corrida armamentista, mas que não acreditavam na guerra.
Como resultado, quando as grandes potências entraram em conflito em 1914, a guerra apareceu como a validação da teoria marxista, a outra grande teoria da época.
Em 1916, Lênin escreveu Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Boitempo, 2021). Ali ele retoma uma ideia de Karl Marx segundo a qual a tendência de queda da taxa de lucro leva à queda dos salários dos trabalhadores, portanto ao subconsumo da população e, por conseguinte, à necessidade de encontrar novas válvulas de escape, especialmente para as colônias.
Para Lênin, os países capitalistas entram numa competição que só pode levar a uma guerra interimperialista. A corrente marxista tem, portanto, uma visão de que o militarismo e a guerra são inerentes ao capitalismo.
A guerra é uma destruição em massa de capital físico e de mão de obra. Portanto, é um desastre econômico. Mas é também uma mobilização em grande escala de forças econômicas e, portanto, a construção de uma economia liderada pelo Estado que tem uma certa eficiência...
Uma economia de guerra exige a intervenção do Estado para que o tecido industrial e a população ativa satisfaçam as necessidades imediatas em armamentos, bens e serviços exigidos pelos combates e pela sobrevivência das populações, e isto, num momento em que as relações econômicas internacionais são perturbadas ou mesmo interrompidas.
Uma grande guerra pode colocar em xeque todo o sistema econômico. E não apenas durante o seu desenrolar.
Após a Segunda Guerra Mundial, o modelo francês foi completamente transformado – nós entramos num novo período da história econômica –, influenciado pelo Conselho Nacional da Resistência. Surgiu uma economia algo híbrida, com planejamento indicativo, de grandes empresas controladas pelo poder público, o que incluía bancos e energia, mercados financeiros restritivos, controles de capitais e um forte poder dos sindicatos.
O pós-guerra viu o triunfo do pensamento de John Maynard Keynes, inicialmente um economista liberal, mas que se preocupava com a sobrevivência da democracia frente aos totalitarismos. A sua teoria justifica a intervenção do Estado, único ator econômico capaz de investir sem considerar a rentabilidade em tempos de crise.
Todo o período foi marcado pela ascensão do poder dos Estados e por políticas de recuperação econômica. Foi ainda mais eficaz porque as economias eram menos abertas do que são hoje. É por isso que os economistas liberais raramente abordam este tema: a guerra é sinônimo de um sistema totalmente diferente dos seus pressupostos.
Foi também a época do tão difamado “complexo militar-industrial” durante a Guerra Fria. É uma fantasia ou uma realidade? Ele ainda existe?
Este conceito apareceu em 1961 no discurso de despedida do presidente estadunidense, Dwight D. Eisenhower. Eisenhower denunciava o aumento de um conluio de interesses, fora do controle democrático, entre militares, fabricantes de armas, cientistas e jornalistas interessados em questões de defesa. Um poder subterrâneo que conseguiu manter os gastos militares em um nível muito elevado.
Este conceito é mais adequado aos Estados Unidos do que aos países europeus, dadas as diferenças no nível das despesas militares. A partir do final da Guerra Fria, foram implementadas reformas sob a administração Clinton: redução dos orçamentos de defesa, reagrupamento do setor industrial, etc.
Mas os gastos militares americanos começaram a crescer novamente na virada dos anos 2000, quando são concedidos enormes contratos aos gigantes industriais nascidos da consolidação pós-Guerra Fria, quando os Estados Unidos eram responsáveis por mais da metade das vendas globais de armas.
A defesa irriga grande parte da indústria nacional e é uma forma de o governo subsidiar setores inteiros da economia. Portanto, não houve realmente um desaparecimento do complexo militar-industrial dos Estados Unidos.
O que é evidenciado pelas denúncias regulares do uso de revolving doors (portas giratórias) entre os militares e os lobistas da defesa. Recentemente, a senadora democrata Elizabeth Warren retomou a expressão.
Há um ditado popular que diz que “a guerra faz bem à economia”. É também um acelerador de inovação e de transformações tecnológicas. As economias são muito diferentes antes e depois de uma guerra: o equilíbrio de poder entre as empresas e o Estado, entre as próprias empresas, entre as empresas e os trabalhadores é perturbado. Então, uma “boa guerra”, e começa tudo de novo?
Esta é uma questão muito antiga e que desperta fantasias. Na verdade, depende de qual país e de qual período estamos falando!
Vejamos o caso da URSS: a sua economia provavelmente entrou em colapso devido ao peso exorbitante dos gastos militares, até 15% do Produto Interno Bruto (PIB). A retomada da corrida armamentista, com a “guerra nas estrelas” desejada por Ronald Reagan, sem dúvida desferiu-lhe o golpe fatal, ainda que não tenha sido o único fator.
Muitos países do Sul, durante a Guerra Fria, sofreram com gastos militares excessivos e com a crença na existência, segundo a linguagem marxista, das “indústrias industrializantes”. Estes complexos militares-industriais ruíram na década de 1990, como no Brasil ou na África do Sul.
Por outro lado, na década de 1930, Keynes observou o efeito cascata sobre a economia alemã do rearmamento em massa empreendido pelos nazistas, o que não o impediu de professar que as despesas militares eram as despesas públicas as menos boas possíveis.
No entanto, muitas inovações foram geradas pelas guerras ou por ameaças de guerra, graças ao direcionamento de fundos públicos para setores com futuro: a aeronáutica, a energia nuclear e, mais recentemente, a internet são setores cujo desenvolvimento foi acelerado por créditos militares.
Mas em tempos de paz, não temos certeza de que funcione, porque esses créditos nem sempre são suficientes para trazer grandes inovações.
O Programa Manhattan, que permitiu o desenvolvimento da bomba atômica, foi também o resultado de um contexto particular que conduziu a uma mobilização excepcional de cientistas, movidos por um forte patriotismo.
Durante a eclosão da invasão da Ucrânia, em 24-02-2022, o ministro da Economia francês, Bruno Le Maire, falou em “colocar a economia da Rússia de joelhos”. Isso não impediu o ataque. E a economia russa ainda está de pé. As sanções são, portanto, ineficazes?
No período entre guerras, com a Liga das Nações (SDN, ancestral da ONU), grandes esperanças foram depositadas em sanções econômicas para evitar grandes conflitos. Mas a Liga não reagiu quando a Itália invadiu a Etiópia em 1935 e não impediu a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
As sanções raramente incitaram um país a recuar na sua política de agressão, nem conseguiram derrubar um regime. Numa economia globalizada, sempre existem fontes alternativas que limitam a eficácia das sanções.
Existem também desvios nos vários tráfegos. Podemos citar o embargo ao Iraque em 1991. O regime de Saddam Hussein permaneceu em vigor. Outros fracassos: o embargo a Cuba ou ao Irã. E, recentemente, aqueles que esperavam que as sanções impostas à Rússia após a anexação da Crimeia em 2014 dissuadissem Putin de ir mais longe ficaram desapontados.
Pior: as mesmas pessoas não previram a invasão da Ucrânia no ano passado, porque não encontraram aí qualquer justificativa econômica. É aqui que vemos a inadequação do prisma econômico para identificar as causas das guerras, que devem ser procuradas antes no campo da política.
Falamos muito sobre as grandes guerras, mas a maioria dos conflitos, desde a década de 1990, foram guerras civis. Qual é a sua especificidade?
Na década de 1990, numerosos estudos econômicos estabeleceram a ligação entre a presença de recursos naturais em determinados territórios e a probabilidade de ocorrência de guerras civis.
A economia de guerra, financiada pelo tráfico de recursos raros como os diamantes de “sangue” em Angola ou na Libéria ou minerais estratégicos na República Democrática do Congo, enriquece certos senhores da guerra, o que favorece a perpetuação destas guerras civis.
Os estudos realizados no Banco Mundial por Paul Collier e as suas equipes destacaram a ligação entre guerras civis e ganhos econômicos. Foram criticados por preconceitos estatísticos, mas também porque podem ser vistos como conservadores, levando à suspeita de que os rebeldes são movidos apenas pela ganância (greed) e não por reivindicações políticas.
É provável que o aquecimento global provoque guerras por recursos?
O conceito de conflitos ambientais surgiu no final da Guerra Fria, nas Nações Unidas e na administração Clinton.
Na década de 1990, houve um ressurgimento das teorias neomalthusianas, que já tinham reaparecido com o relatório Meadows para o Clube de Roma em 1970. Esta perspectiva ambiental, que havia sido ofuscada pela “guerra global ao terrorismo” dos Estados Unidos desde 2001, volta a interessar aos pesquisadores.
Foram realizados muitos estudos, especialmente sobre a relação entre a instabilidade no Oriente Médio e a degradação ambiental. Foram criticados porque teriam relativizado as causas estritamente políticas, mas continua a ser interessante notar que esta região é fortemente atingida pelas alterações climáticas, que a desertificação está forçando as pessoas a se deslocarem, o que pode ter amplificado a política de crise que levou à guerra civil na Síria em 2011.
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“Os economistas liberais não têm interesse na guerra”. Entrevista com Fanny Coulomb - Instituto Humanitas Unisinos - IHU