23 Agosto 2023
Dom Andrea Tenca, bispo da diocese de Lodi, de 2005 a 2012 foi missionário no Níger e depois diretor da Caritas e do Centro Missionário Diocesano. Ele continuou a acompanhar os acontecimentos do país africano através de seus conhecidos diretos. Nós o entrevistamos sobre a situação no Níger e o golpe militar havido no fim de julho.
A entrevista é publicada por Settimana News, 20-08-2023.
Dom Andrea, qual era a situação do Níger e da Igreja naquele país quando você foi lá pela primeira vez?
Quando cheguei ao país, em 2005, com a missão diocesana, o Níger era muito menos habitado do que é hoje e a Igreja era uma realidade muito pequena, verdadeiramente embrionária. As três características dominantes que encontrei foram, e permaneceram substancialmente sendo, uma grande maioria islâmica, a pobreza extrema (o Níger está entre os países mais pobres do mundo, se não o mais pobre) e o clima típico do Sahel, com três quartos do território ocupado pelo deserto e uma população concentrada na faixa sul, mais habitável.
Em comparação com outros países da região, como Burkina Faso e Mali, a evangelização veio mais tarde e mais devagar, também porque o pessoal pastoral enviado pelas congregações religiosas sempre foi mínimo. A Igreja, com os primeiros missionários, nasceu de fato como resultado do fenômeno colonial e os primeiros núcleos cristãos se formaram sobretudo em torno das grandes cidades, entre os colonos ocidentais e os migrantes africanos em seu rastro, do Togo, Benin, da Costa do Marfim e, em parte, de Burkina Faso: países onde a presença cristã já era mais desenvolvida.
Nossa missão estava inserida nesses pequenos núcleos, com o objetivo ideal de construir laços e fazer amigos em todo o ambiente humano nigerino, continuando um caminho de preparação do solo para torná-lo favorável ao acolhimento da semente do Evangelho: tentamos tornar o nome de Jesus conhecido, com testemunho e algumas palavras, para homens e mulheres que nunca tinham ouvido falar dele ou quase.
Onde exatamente estava a missão e a que ela se dedicava?
A missão diocesana estava localizada em Dosso, uma cidade de cerca de 70.000 habitantes em uma região comparável em tamanho à Lombardia: para nós, missionários, significava ter uma paróquia tão grande quanto a Lombardia, com 200 cristãos espalhados por todo o território para cuidar como praticantes: eram netos dos que haviam chegado, migrantes, seguindo os colonos, como artesãos empregados na cidade. Num contexto de enorme pobreza, as pessoas dedicavam-se sobretudo aos pobres locais, também com o apoio da Conferência Episcopal Italiana (CEI) e da Caritas. A missão da Diocese de Lodi continuou até 2020, quando a ameaça jihadista aumentou naquelas regiões. Mas, enquanto isso, uma pequena Igreja local cresceu.
Havia outras missões não católicas? Sim, havia igrejas evangélicas e grupos das mais variadas denominações. Também essas igrejas e esses grupos vinham do Ocidente, mas com raízes agora estabelecidas. Em Niamey, a capital, havia e ainda há comerciantes libaneses que se referem à Cíaise maronita. Sempre falamos de números pequenos. Nunca vi ortodoxos.
Quantos missionários italianos havia então? E agora?
Quando cheguei ao Níger, a presença total de missionários ocidentais era de cerca de vinte: havia três italianos; depois havia os franceses e os espanhóis. Os outros missionários eram membros da Sociedade das Missões Africanas (SMA), enquanto, durante os anos de minha presença, as dioceses de Belluno e Milão também enviaram dois sacerdotes fidei donum. Agora resta apenas um padre idoso da Diocese de Milão e, entre os sacerdotes da SMA, dois espanhóis e alguns indianos. Não há mais missionários franceses.
Como explicar o declínio dos missionários?
Explica-se especialmente com a diminuição das vocações missionárias na Europa. Mas também com o fato de que uma pequena igreja local começou a crescer, embora os seminaristas – que são formados em Burkina Faso – sejam quase todos membros de famílias de países vizinhos. No entanto, prova dessa evolução para o estabelecimento de uma Igreja local é o fato de que, então, dependíamos de um bispo francês, enquanto agora, há cerca de dez anos, há um bispo nigerino naquela que era a nossa diocese.
Havia e há religiosos no Níger?
Poucos, mas havia: pais brancos e redentoristas. Hoje há principalmente religiosas mulheres: ainda há uma comunidade de Irmãzinhas de Jesus, uma presença historicamente importante no Níger, enquanto hoje há várias religiosas de congregações de origem africana. A Igreja local tem crescido relativamente bem, principalmente devido a uma tendência demográfica natural, mesmo que a maioria dos cristãos seja sempre de países vizinhos, com algumas exceções. Mesmo para as vocações sacerdotais ou religiosas, quase sempre falamos de vocações amadurecidas nesses contextos étnicos. A transição do Islã para o cristianismo é uma possibilidade, mas ainda muito em andamento. Afinal, demorou muito tempo naquela época – e demora ainda mais. Repito: fomos trazer o conhecimento do nome de Jesus; deixar o caminho do Islã para seguir Jesus pertence à vontade de Deus e não aos nossos desejos.
Dom Andrea Tenca durante entrevista a TV italiana (Foto: Reprodução YouTube)
Como você se sentiu visto pelas pessoas?
A opinião do povo nigerino comum sempre foi boa para conosco. A nossa foi uma presença discreta, de acompanhamento para os poucos já cristãos, de boa proximidade e ajuda para todos, durante muitos anos. Acho que ele construiu uma boa imagem da Igreja Católica entre o povo, mesmo entre os muçulmanos.
Qual tem sido, então, a sua relação com o Islã local?
O Islã próprio da tradição do Níger é o das confrarias: um Islã espiritual, de busca de Deus, capaz de diálogo e aceitação. Nunca tivemos medo. Ao longo do tempo, as coisas mudaram um pouco com a disseminação de um Islã mais fundamentalista e legalista, com o qual é objetivamente mais difícil, mas não impossível, se relacionar. Eles também cresceram no Níger, como em toda a África subsaariana, centros e mesquitas onde se faz pregação que não motiva a convivência. Isso preocupa não apenas os poucos cristãos, mas também a maioria dos muçulmanos educados em um Islã muito mais dialogante.
De onde vem esse tipo de Islã no Níger?
E de onde vem o financiamento? Certamente da Península Arábica e é facilitado por meios e ferramentas de comunicação: por exemplo, hoje é muito mais fácil e mais difundido viajar para Meca, o que antes não era economicamente possível para os nigerinos. O mundo árabe fez investimentos substanciais em mesquitas e cultura islâmica de matriz wahabita considerada, obviamente por esse mundo, a mais pura. Até a Turquia, nos últimos anos, investiu na difusão de um Islã que não é tão tolerante.
De onde vem o jihadismo, no Níger e em todo o Sahel?
Difícil dizer. O que é certo é que o jihadismo, com a sua violência, cresceu progressivamente após o 11 de Setembro de 2001, partindo do núcleo quente da Al-Qaeda e alimentando-se, por todo o lado, de uma forte propaganda antiocidental. Parece-me, no entanto, que posso dizer com certeza que, para além da propaganda, o jihadismo extrai a sua força violenta do tráfico e dos interesses econômicos, porque no Níger e em toda a região do Sara acumula os seus enormes recursos econômicos de todo o tráfico sujo que aí habita, em aliança com as máfias mundiais: do tráfico de armas à droga, do ouro aos seres humanos. Qual o objetivo final dos jihadistas, acho difícil entender, mas me parece ser a criação de um espaço livre de outras presenças para ter controle sobre tudo o que pode enriquecer.
No Níger, que matérias-primas existem e quem as controla?
No Níger há de tudo. E esta talvez seja a maldição, e não a bênção, deste país: "sempre" o Ocidente pôs os olhos no Níger: agora não só o Ocidente. Em primeiro lugar, no Níger há urânio, que sempre foi o principal objeto de controle da França. Como é sabido, o urânio é utilizado pela França para operar centrais nucleares (o que, em certa medida, também beneficia a Itália). O urânio explica a presença, até agora, da França com seus militares no Níger como em todo o Sahel. Depois, há o ouro, muito ouro, que agrada a todos no Ocidente. Há petróleo, níquel, há fosfatos e muito mais. Há muitas empresas multinacionais fortemente interessadas nesses recursos: a China também entrou no Sul com suas empresas, em particular, para tomar sua parte do petróleo.
Que governos teve o Níger?
Até agora, pode-se dizer que o Níger teve governos democráticos, se por democrático queremos dizer governos eleitos. Mas sempre houve tensões com os militares. Na época, eu também vivi um golpe militar "ao vivo". A constante é que esses governos têm sido aliados dos países ocidentais, em primeiro lugar, é claro, a França. A história do Níger é marcada pela colonização francesa. Não houve um presidente nigerino, em minha memória, que não fosse pró-ocidental e pró-francês. Essa experiência é realmente viva, forte: agora em um sentido muito negativo, como vemos nos efeitos desses dias.
Crise humanitária no Níger (Foto: ONU)
O que acha do golpe militar de 26 de julho, tachado, pelo menos parece, antifrancês e antiocidental?
Várias leituras são possíveis. Ainda não está claro para onde os militares da nova junta querem levar o Níger. Pelo que disseram, os militares não se sentem protegidos dos ataques jihadistas, dos quais são os principais alvos. De fato, há zonas do país que estão a despovoar rapidamente: são as mais frequentadas pelos jihadistas, mas são também aquelas em que as empresas multinacionais operam para o controle das matérias-primas. Quem tem maior interesse em fazer as pessoas fugirem para que não vejam o que está acontecendo ali? Houve uma estranha, mas não mencionável, convergência de interesses? Seja como for, os militares nigerinos estão cansados de ser enviados para essas áreas para morrer por um jogo que não percebem que fazem. Esta é uma leitura possível interna-externa ao Níger.
A outra leitura possível recolhe os humores das pessoas, não só no Níger, mas em todo o Sahel: estas pessoas estão fartas, de fato, dos franceses e dos ocidentais. As imagens de protesto contra "nós", pelo que entendi, são autênticas, não são enquadramentos. Especialmente entre os jovens, as consciências estão despertando para a consciência da exploração sofrida no período colonial e pós-colonial até hoje. Pensam que a presença ocidental na África é motivada por razões de mero interesse.
Na sua opinião, esses humores antiocidentais são justificados?
Penso que os nigerinos que protestam não estão errados. Vejamos a presença italiana no Níger: de 2020 a 2021 foi criada uma base militar cuja tarefa é impedir a passagem de migrantes pelo Níger. O Níger não é um país de emigração para a Itália e a Europa. Pouquíssimos nigerinos chegam à Itália. Mas através do Níger passa uma importante rota para o Mediterrâneo, como sabemos. Por isso, achou-se por bem contê-lo com a presença dos militares italianos. Afinal, pouco importa. A pergunta que devemos nos fazer é: aceitaríamos a presença de um exército estrangeiro em nossas terras? As pessoas estão fartas de toda esta intromissão. O mundo ocidental não se interessou e não está interessado na condição de pobreza em que as pessoas se encontram no Níger e na África. Acho que realmente não percebemos isso. Além disso, a opinião pública europeia é deixada no escuro sobre a enorme pobreza em que vive o povo nigerino.
Por que os jovens que protestam no Níger, em apoio aos militares, agitam bandeiras russas e elogiam Putin?
Acho que é uma reação emocional: as manifestações não são tanto pró-Rússia ou pró-Putin, mas contra o Ocidente que não prestou atenção ao desenvolvimento real do país e de sua população nos últimos anos. Nunca houve qualquer presença russa no Níger, nem mesmo através da Igreja Ortodoxa. Pode ser que nesta situação haja infiltrações de propaganda antiocidental russa através das redes sociais, como acontece agora em todas as partes do mundo. Mas, na minha opinião, por trás dos militares não há a Rússia e nem mesmo o grupo Wagner. Há antes a reação raivosa dos militares e do povo nigerino, de que vos falei.
Estará tudo, então, comprometido, para "nós", no Níger e na África?
Infelizmente, todas as nossas presenças correm o risco de ser interpretadas como interferência e com propósitos de puro interesse. Ninguém acredita na retórica "vamos ajudá-los", tanto na África como, eu acho, em casa. É uma retórica falsa, hipócrita, que deve ser traduzida da seguinte forma: "deixem-nos à vontade na sua pobreza e não venham ter conosco!" Essa é a lógica por trás das escolhas dos países ocidentais.
Quais as consequências para os cristãos e para as missões no Níger?
Penso que não haverá consequências demasiado negativas, com a única condição de que a Igreja continue a estar do lado dos pobres e dos menos favorecidos, dos nigerinos e dos africanos em geral.
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Níger: raiva antiocidental. Entrevista com Dom Andrea Tenca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU