"A pastoral ideológica não serve e prejudica os jovens", afirma o Pontífice em seu encontro com a equipe da revista em Santa Marta, por ocasião dos 65 anos da publicação.
A reportagem é publicada por Vida Nueva Digital, 04-08-2023.
A bagagem de mão que o grupo Vida Nueva levou ao Vaticano limitou os presentes a serem entregues ao Papa em nome daqueles que contribuem com algo mais do que suas assinaturas para a publicação e, acima de tudo, dos assinantes. Não sendo possível despachar tanta gratidão, alguns dos leitores e colaboradores da revista participaram deste encontro por meio de vídeos nos quais relatam sua realidade cotidiana, suas inquietações, sua vida de fé... Dos pequenos aos grandes, dos que estão dentro aos que se sentem fora, dos leigos às consagradas. O Pontífice nos presenteia com algumas reflexões a partir desses testemunhos que compartilhamos a seguir:
A maioria dos diálogos de Jesus no Evangelho é com pessoas que não o seguiam. Fariseus, saduceus, zelotes e essênios... O Senhor falava com eles, mas não se envolvia com nenhum de seus grupos. Eles não eram inimigos, mas estavam distantes, o que é diferente. É o que hoje chamamos de 'os afastados'. Ele traçou seu próprio caminho dialogando com quem se apresentasse a ele. Ele também promoveu a cultura do encontro quando o romano, que era a força de ocupação, pediu sua ajuda porque sua filha estava morrendo. Ele não negou a palavra nem a ajuda a ninguém. Dialogar com todos é algo que Jesus nos ensinou. Mais ainda, quando alguém se fecha ao diálogo, é sinal de fraqueza, reflete que não tem fé suficiente para acreditar na força do Evangelho. A força do Evangelho é para todos. Esse é um princípio que me move muito e que é minha filosofia. Jesus diz: "Tragam todos a mim, sãos e doentes, justos e pecadores". A todos. E aqui dentro todos vêm. Se a Igreja não tem o que Jesus ensinou, não é Igreja. Todos devem se sentir dentro, ser acolhidos. Não podemos ceder nisso, porque o Senhor nos ensinou isso.
Por isso, não me preocupa que alguns me apontem o fato de que recebo na audiência geral das quartas-feiras pessoas transexuais. Elas vêm de mãos dadas com a Irmã Geneviève Jeanningros, uma religiosa francesa das Irmãs de Jesus de Charles de Foucauld, dedicada ao pastoreio circense. Na primeira vez que vieram e me viram, saíram chorando, dizendo que eu lhes tinha dado a mão, um beijo... Como se tivesse feito algo excepcional com elas. Mas elas são filhas de Deus! Ele continua a te amar assim, como você é. Jesus nos ensina a não colocar limites.
Às vezes, os cristãos têm tudo assegurado, nada nos falta: temos paz na alma, absolvição dos pecados, a eucaristia e, no final, a vida eterna. O que mais você quer? A aposentadoria do cristão é uma das tentações. Isso foi alertado naquele chiste sobre alguém que via um padre gordo e dizia: 'Você come bem, dorme bem... e depois, a vida eterna. Que belo programa de vida!' Tornar-se um cristão estabelecido é como um seguro de vida: já temos tudo e está garantido. E, se eu me desviar, me absolvem. É uma tentação burguesa que pode atacar especialmente os cristãos mais conscientes. A água parada é a primeira a apodrecer. O mesmo vale para um cristão estagnado. Não se pode viver assim."
A fé não elimina todas as inseguranças. A fé é humana e se move dentro do modo de ser da pessoa. E as pessoas têm momentos de maior segurança, de menor segurança, momentos de adição, momentos de rejeição, momentos de intolerância... Em todos esses contextos, surgem os "porquês". E os lançamos ao Senhor: "Por quê?". Sempre me vem à mente a pergunta de Dostoiévski: "Por que as crianças sofrem?". É uma pergunta que ele nos coloca diante da crueldade com as crianças, do sofrimento das crianças. Implicitamente, ele a desenvolve e tenta encontrar uma solução que à primeira vista não existe. Por que as crianças sofrem? É uma injustiça para mim e é uma das perguntas que não têm resposta. Sim, você pode tentar explicar um pouco, mas não há resposta.
No entanto, há pessoas com uma fé tão forte diante de situações tão difíceis como essa que superam tudo. A fé é um dom e não podemos adquiri-la por nós mesmos em nenhum lugar. É um dom recebido. Diante do sofrimento das crianças, não encontramos resposta se não for na fé.
Olhar para o próprio umbigo é perigoso para todos, inclusive para qualquer movimento ou congregação. Existem movimentos que nascem com boas intuições para ajudar as pessoas, mas se perdem. Isso acontece especialmente com instituições eclesiais modernas do pós-concílio, que, em vez de te levar adiante, te colocam em órbita. Então, toda a sua vida consiste em orbitar em torno do carisma, do movimento, e você acaba como um cachorro que lambe a si mesmo para se ver mais bonito. Também ocorre em congregações clássicas que começam a rever seu carisma e se esquecem de que foram criadas para uma missão específica. Isso aconteceu em algumas províncias jesuíticas há algumas décadas, mas graças ao padre Arrupe, a situação foi reorganizada.
O risco é refletir a espiritualidade, colocar-se diante do espelho para contemplar a realidade refletida, mas que não é vivida. A espiritualidade é para ser vivida, não para ser refletida. Esse é um critério de discernimento pessoal e para qualquer realidade eclesial. A partir daí, é fácil que a ideologia se infiltre e se revista de um ar restauracionista, com muita aparência mística, mas também com muita corrupção. Quando alguém perceber qualquer desvio desse tipo, não deve ter medo de falar e compartilhar com o bispo local para que ele possa fazer uma visita.
Nós esquecemos rapidamente as propostas nascidas do Sínodo dos Jovens. Esse é o problema dos sínodos... Eles têm um momento de ebulição e depois são amplamente esquecidos. Isso também aconteceu com alguns outros.
Hoje em dia, tenho medo dos grupos jovens intelectuais, daqueles que convocam os jovens para refletir e depois os enchem de ideias estranhas. Neste momento, os grupos ligados de alguma forma a ideologias de direita são talvez os mais perigosos. Os movimentos mais inclinados à esquerda, devido à situação global, diminuíram um pouco. Em ambos os casos, eles usam os jovens para sua ideologia, e isso não é útil. Nos grupos jovens, devemos permitir que os próprios jovens se expressem.
Em Buenos Aires, ainda há uma experiência que continua e que foi muito importante. São as noites da caridade, ou seja, sair para alimentar as pessoas que estão nas ruas. Isso é feito principalmente pelas paróquias do centro. Eles liam um trecho do Evangelho antes de sair, e as pessoas começaram a ter uma oração de cerca de cinco minutos. Os jovens logo se juntaram à iniciativa. Então, um dia, encontrei um padre que me disse que esse projeto era uma perda de tempo, porque depois de rezar e ajudar os pobres, os jovens se afastavam e se deitavam entre eles. Eu disse a ele para parar de se intrometer nessas questões. Os jovens devem continuar com suas vidas. Não estou interessado em focar no que eles fazem depois, estou interessado no que fazem agora. Se hoje os educamos para se comprometerem com os pobres, isso é uma semente para o futuro e influenciará tudo o mais.
Apostar nos jovens é um caminho lento, porque eles se expressam e se encontram gradualmente. Quando você coloca diante de si a perspectiva moral do caminho que os jovens devem percorrer, você erra. Se você reúne um grupo de jovens que não têm nada a ver com a Igreja e os reúne para algo que chama a atenção deles e que gostam, você os aproxima de Jesus e do Evangelho. Mas, se você falar apenas sobre castidade, afastará todos eles! É uma pastoral ideológica de esquerda, de direita ou de centro que não serve, ela já está doente desde o início e prejudica os jovens. Com eles, devemos usar a linguagem das mãos, porque os jovens precisam agir, e a linguagem das pernas, que é caminhar. Um apostolado juvenil asséptico de laboratório não funciona.
O problema político da América Latina é que, por vezes, os países chegam ao limite. O imperialismo é muito forte e a América é vítima de impérios de todos os tipos. Diante disso, é preciso apostar em uma linha popular, não populista, na qual o povo seja o verdadeiro protagonista do destino. Em contraste, o império anula o povo, retira-lhe a independência de seu coração. O que fizeram os nossos heróis americanos como Bolívar? Libertar os povos. Mas, quando vêm os impérios... e a América Latina é vítima dos impérios. Falo mal de qualquer império, seja qual for a tendência. Por isso, sei que sou uma pedra no sapato para mais de um quando denuncio essas situações, então de alguma forma eles têm que afastar a dor da pedra.
Uma das reflexões com as quais insisto aos líderes da União Europeia quando Bruxelas tenta impor-se sobre outros países é a seguinte: "Por favor, mantenham-se livres". Os pais da Europa queriam uma união em que cada país preservasse sua cultura, sua arte, seu estilo de vida... unidos, mas na diversidade. No entanto, às vezes, deseja-se reduzir a UE a uma unidade de estilo que não é apropriada. É uma tentação muito séria. Unir-se a partir do que é comum é uma grande oportunidade para criar desenvolvimento nos países que pertencem a ela.