26 Julho 2023
"Pode-se dizer o que quiser sobre os resultados das eleições políticas na Espanha, tentando desvendar o emaranhado da geografia política espanhola, mas uma coisa é certa, a direita não teve maioria, e não teve maioria porque a direita não tem futuro; não defende a paz, nem considera sua pátria a terra que geme, e se tem dignidade, não respeita a dignidade das pessoas, a começar pelos migrantes, pelos estrangeiros, pelos inimigos, pelos 'diferentes'", escreve Raniero La Valle, em artigo publicado por Chiesa di tutti, Chiesa dei poveri, 24-07-2023. Tradução de Luisa Rabolini.
Raniero La Valle é jornalista, político e intelectual italiano.
Ficaram ofendidos porque Patrik Zaki, depois de sair da prisão egípcia onde estava injustamente detido, pegou um avião regular de volta à Itália em vez do avião de Estado, mas a verdadeira notícia é outra: enquanto a Europa, começando por Ursula von der Leyen, trama com a Tunísia, para conseguir que não deixe passar os migrantes em troca de dinheiro, a tragédia dos desesperados que afundam no mar de areia do Saara antes de conseguirem chegar ao mar para enfrentar mais um naufrágio, tem a sua foto-choque, como a chama o "Avvenire".
Circulou por todo o mundo a imagem símbolo do drama que estão vivendo os migrantes subsaarianos expulsos da Tunísia e deportados para o deserto, na fronteira com a Líbia: a foto de uma mulher encontrada com o rosto na areia ardente junto com sua filhinha, ambas mortas de calor e sede na vã caminhada rumo a outro futuro: "Abraça a garotinha, sua filha, escreve o Avvenire: um último gesto de proteção, talvez para protegê-la do sol a pino, do calor ou para consolá-la. Estão com fome e com sede, não têm nada. A foto reflete e testemunha o horror da violência e das deportações que os migrantes subsaarianos, africanos de pele negra, estão sofrendo na Tunísia. Rastreados pelas ruas, carregados em ônibus e abandonados no deserto na fronteira com a Líbia. Ali, sem água nem comida, poucos sobrevivem e são resgatados por quem os encontra, exaustos”. É a prova do que Franco Valenti já escreveu no artigo publicado em nosso site,"Meloni em Túnis, fazê-los morrer não só no mar, mas no deserto".
O Papa Francisco falou sobre eles no "Angelus" do último domingo, no momento em que se realizava em Roma uma conferência sobre os migrantes (e uma contra-conferência promovida por ONGs): "Gostaria de chamar a atenção para o drama que continua a se desenrolar para os migrantes no norte da África. Milhares deles, em meio a um sofrimento indescritível, estão encurralados e abandonados em áreas desérticas por semanas. Dirijo o meu apelo, em particular aos Chefes de Estado e de Governo europeus e africanos, para que prestem urgente socorro e assistência a estes irmãos e irmãs. Que o Mediterrâneo nunca mais seja um teatro de morte e desumanidade. Que o Senhor ilumine a mente e o coração de todos, despertando sentimentos de fraternidade, solidariedade e acolhimento”.
Há um precedente para esse apelo: como relatado na sexta-feira passada pelo Avvenire, o Papa quis receber Bentolo, um jovem camaronês que havia sido capturado por traficantes na Líbia e vendido a guardiões do Estado que o levaram a vários locais de detenção. De um deles conseguiu entrar em contato por celular com padre Mattia Ferrari, o jovem sacerdote que trabalha com a organização humanitária Mediterranea Saving Humans, de modo que ficou-se sabendo de muitos migrantes que, depois de maus-tratos, abusos e torturas, estavam em fim de vida. Depois se perderam todas as pistas sobre ele, até que um dia o navio de resgate da organização humanitária alemã Sea Watch salvou no Mediterrâneo dezenas de refugiados que caíram na água de um barco, entre os quais estava justamente Bentolo.
Quando o Papa Francisco soube de sua chegada à Itália, pediu para poder encontrá-lo, o que aconteceu em Santa Marta com uma delegação da Mediterranea e com o próprio padre Ferrari; o Papa fez muitas perguntas a Bentolo e perguntou aos presentes quais eram as notícias que chegavam da costa magrebina. Durante a conversa, o Papa falou sobre a situação dos migrantes empurrados e abandonados no deserto entre a Tunísia e a Líbia, enquanto lhe mostraram algumas imagens eloquentes da violência em curso.
Ao relatar o encontro, padre Mattia Ferrari escreveu no domingo: “O que está acontecendo é muito grave. Milícias tunisianas estão capturando migrantes subsaarianos e deportando-os para áreas desérticas, onde estão morrendo de sede. Algumas pessoas estão encurraladas naquela área há quase duas semanas. Nos contatos que se consegue ter com eles dizem: ‘Estamos morrendo um após o outro, ajudem-nos’. Em um áudio uma jovem implora a todos: ‘Ajudem-nos, não nos abandonem aqui’. Ao fundo, pode-se ouvir crianças chorando. Tudo isso está acontecendo enquanto a Itália e a Europa assinam um acordo com a Tunísia, com o qual a Europa lhe dá dinheiro para barrar os migrantes. Hoje o presidente tunisiano Saied está em Roma na Conferência promovida pelo governo italiano para a gestão dos fluxos. Em suma, em vez de pedir à Tunísia que pare de encurralar os migrantes no deserto e fazê-los morrer de sede, a Itália e a Europa dão dinheiro para que continue fazendo isso. Tudo isso é de uma gravidade inaudita e se não nos opusermos não seremos mais humanos nem mesmo cristãos”.
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A direita não tem maioria. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU