13 Dezembro 2022
Cientes de que serão aprovados outros acordos que afetarão toda a Igreja Católica, os prelados alemães se apresentarão nos próximos Sínodos mundiais prontos para o debate.
O comentário é do teólogo espanhol Jesús Martínez Gordo, presbítero da Diocese de Bilbao e professor da Faculdade de Teologia de Victoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao.
O artigo foi publicado em Settimana News, 11-12-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O coletivo “Berpiztu Kristau Taldea”, que reúne membros de diversos movimentos, comunidades e paróquias da Diocese de Biscaia, agendou um encontro online com a teóloga alemã Margit Eckholt, no dia 15 de dezembro.
E fez isso a fim de poder conhecer o que está acontecendo, nestes tempos, naquela Igreja, que algumas vozes começam a acusar de lançar as bases para favorecer, mais uma vez, um “cisma” entre ela e o Vaticano, a sede na qual está simbolizada e na qual reside aquilo que os católicos entendem como “unidade”.
Margit Eckholt é atualmente diretora da Faculdade de Teologia de Osnabrück, onde ministra cursos de Teologia Sistemática. Há dois anos, foi chamada a presidir a Associação de Teólogos e Teólogas da Europa e é membro do chamado “Caminho Sinodal”, uma iniciativa eclesial alemã que – há três anos – vem irritando não apenas a Santa Sé, mas também muitos grupos católicos tradicionalistas fora de nós e, naturalmente, entre nós. Mas não só eles. Também outros grupos eclesiais (e não creio que sejam uma minoria), cultores de um possibilismo eclesial arraigado – e às vezes corrosivo.
Essa mulher, além de falar perfeitamente o espanhol, conhece muito bem a Igreja e a teologia hispano-latino-americana. Uma garantia de que o encontro valerá a pena. E ainda mais se levarmos em conta alguns dos muitos “gols” que – assim me parece – a Igreja alemã está marcando ultimamente – ao contrário de sua seleção de futebol - contra muitas outras Igrejas; e, entre elas, a espanhola.
Em 2010, os alemães tomaram conhecimento dos primeiros casos de abuso sexual no Canisius-Kolleg jesuíta em Berlim. Desde então, há quatro anos, surgiram os de outras dioceses e instituições religiosas.
Em 2014, dada a gravidade e amplitude do problema, a Conferência Episcopal Alemã encarregou as universidades de Mannheim, Heidelberg e Giessen de investigar o envolvimento de padres, diáconos e religiosos do sexo masculino. O objetivo era obter informações o mais precisas possível sobre esse lado obscuro da Igreja, tanto pelo bem das pessoas afetadas quanto para tomar – uma vez identificados os crimes cometidos – as decisões necessárias e evitar que esses comportamentos se repetissem.
Depois de quatro anos de investigação, o respectivo relatório foi publicado no dia 24 de setembro de 2018 com os dados recolhidos: de 1946 a 2014, houve 1.670 clérigos que abusaram sexualmente de menores (4,4% do total daquele período) e 3.677 vítimas.
Essa primeira iniciativa eclesial, sem esperar que outras instituições fizessem o mesmo em seus respectivos campos de competência, foi o primeiro gol da Igreja alemã contra a espanhola. E, aliás, afetou também a sociedade alemã que – diante do que surgiu – deu-se conta desde então que a pedofilia presente na Igreja é apenas a ponta de um enorme e arrepiante iceberg social de dimensões dantescas.
Mas o relatório não fornece apenas dados. Ele também é acompanhado por recomendações sobre como escutar e cuidar das vítimas e sobre como reparar os danos causados e enfrentar as causas – classificadas como “sistêmicas” – pelas quais os abusos na Igreja alemã ocorreram e foram silenciados.
A atenção a essas recomendações – está escrito no referido relatório – poderia servir de modelo para o estudo urgente e até agora negligenciado sobre os abusos sexuais em outros contextos institucionais e teria a vantagem de enviar um sinal claro à opinião pública: que a Igreja Católica está enfrentando esse drama humano de forma autêntica e contínua, e não como uma reação emocional.
Dito e feito: depois de um tempo de reflexões cuidadosas por parte da Conferência Episcopal, os leigos alemães – representados pelo Comitê Central dos Leigos, ZdK – pegaram o touro pelos chifres e disseram: se não quisermos mais ver a Igreja sangrando (com 1,5 milhão de abandonos nos últimos anos), deveremos enfrentar juntos a reforma que essa tragédia demanda em voz alta.
E devemos fazer isso esquecendo o que está escrito no Código de Direito Canônico, segundo o qual um Sínodo é puramente consultivo, e iniciar um “Caminho Sinodal” de leigos, religiosos e bispos que seja “vinculante”, isto é, que, uma vez aceito por todos, encontre aplicação nas dioceses alemãs sem demora. Conscientes, ao mesmo tempo, de que poderá haver decisões de competência da Conferência Episcopal do país.
Cientes de que serão aprovados outros acordos que afetarão toda a Igreja Católica, os prelados alemães se apresentarão nos próximos Sínodos mundiais prontos para o debate e, se necessário, para a votação. E eis o segundo gol.
Não tenho mais espaço para contar mais nada. Asseguro ao leitor que o goleada é muito mais sonora do que a de Espanha x Costa Rica de alguns dias atrás. Por isso, estou convencido de que Margit Eckholt continuará nos dizendo ainda mais coisas em 15 de dezembro.
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Espanha e Alemanha: Igrejas frente a frente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU