06 Julho 2023
"Enquanto os europeus abandonam o discurso climático, os Estados Unidos anunciam a intenção de explorar petróleo no Alasca; e o Brasil sinaliza financiamento com dinheiro do BNDES para o gasoduto Vaca Muerta, com duros impactos para os índios Mapuche da Patagônia. Também anuncia seu interesse na extração de petróleo na foz do rio Amazonas", escreve Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), em artigo publicado por ((o))eco, 04-07-2023.
Setores como o de petróleo e gás não têm mais como esconder os efeitos adversos provocados com a extração e a queima de combustíveis fósseis, especialmente frente à realidade da emergência climática.
A pior forma de continuar nesta linha do business as usual, dos negócios ambientalmente negativos como sempre foram, é ignorar as externalidades nocivas da produção, deixando as consequências para os outros. O setor de petróleo, para continuar a operar, protagoniza uma espécie de encenação “para inglês ver”, expressão cunhada diante da prática de fachada da repressão brasileira ao tráfico de escravos, realizada para agradar aos ingleses.
Diante dos acordos climáticos globais, empresas da área de combustíveis fósseis, especialmente as gigantes do petróleo e gás, assumiram compromissos de “carbono zero” e “transição energética”, enquanto continuam a investir pesadamente naquilo que lhes dá lucro em curto prazo, a extração de petróleo.
As promessas do setor ocorreram mais explicitamente durante a diminuição da demanda na Covid-19. Terminado o período de restrições de mobilidade, o aumento da demanda convenceu novamente as multinacionais a prosseguir com a maior extração e lucratividade possível, respondendo à opinião pública com o cinismo de afirmativas como “estamos respondendo à demanda” ou “os países devem diminuir suas demandas”, a mesma justificativa utilizada pelas indústrias fumageiras que se defendiam jogando a responsabilidade no colo do poder público.
Ao mesmo tempo, para enfrentar penalizações como taxações de lucratividade ou retirada de subsídios estatais, o setor busca a maior inserção possível nas cúpulas climáticas, enviando grande número de lobistas para as COPs (no Egito essa participação aumentou em 25%).
Também tem ocorrido o direcionamento das conferências para países ligados à produção de petróleo (Egito e Emirados Árabes Unidos), chegando ao ponto de a direção da COP28 de Dubai, no final do ano, ser entregue ao CEO da empresa petrolífera local ADNOC, sultão Ahmed al Jaber.
As empresas petrolíferas argumentavam que, quanto mais estivessem dentro da discussão, mais envolvidas estariam na solução do problema climático. Na verdade, acabaram por construir um gigantesco processo de conflito de interesses. Na contramão dos objetivos das conferências climáticas, al Jaber declarou recentemente a intenção da empresa em aumentar substancialmente sua exploração de petróleo até 2030.
O discurso de fachada das petroleiras está desmoronando. Empresas como Shell, British Petroleum (BP) e Total Energies estão tergiversando em suas declarações. O colunista do Le Monde, Nabil Wakin, no artigo Clima: a discreta reversão dos gigantes do petróleo, afirma: “Depois de assumirem compromissos com a transição ecológica, as empresas europeias estão a abandonar as suas promessas e a apostar em lucros de curto prazo no setor”.
Segundo Wakin, o CEO da Shell, Wael Sawan, anunciou em junho que a empresa não tinha intenção de cumprir suas metas climáticas. Planeja competir com a gigante americana Exxon, cuja lucratividade anima acionistas. A BP desistiu, desde fevereiro, de reduzir massivamente suas emissões de carbono até 2050. A TotalEnergies declarou que continuará a investir em novos poços de petróleo e a ENI comprou a produtora Neptune Energy para reforçar a sua produção de petróleo e gás.
Enquanto os europeus abandonam o discurso climático, os Estados Unidos anunciam a intenção de explorar petróleo no Alasca; e o Brasil sinaliza financiamento com dinheiro do BNDES para o gasoduto Vaca Muerta, com duros impactos para os índios Mapuche da Patagônia. Também anuncia seu interesse na extração de petróleo na foz do rio Amazonas.
A reação da sociedade brasileira contra a extração na região do Amazonas provocou um contra-ataque midiático da Petrobrás, que anunciou investimento de 6% a 15% do total de seus recursos em seu plano estratégico de 2024 a 2028, porém ressaltando que “…os investimentos devem ser financiados pelo fluxo de caixa operacional, em níveis equivalentes às companhias congêneres, e preferencialmente por meio de parcerias que permitam compartilhar riscos e expertise, e devem buscar o retorno do investimento, redução do custo de capital…”
O corte do fluxo de capitais para o setor tem sido alvo dos defensores do clima. O Church Commissioners for England e a Church of England Pensions excluíram de seus investimentos as empresas de combustíveis fósseis. Jennifer Larbie, da Christian Aid, afirmou que “a decisão da Igreja da Inglaterra de se desfazer das empresas de combustíveis fósseis é uma acusação condenatória do dano que essas corporações estão fazendo ao mundo. Ao longo dos anos, o apoio dos investidores da Igreja encorajou as empresas de petróleo e gás e deu-lhes a licença social e o capital político para influenciar políticos em todo o mundo. Esse tempo acabou”.
Mas a lucratividade de curto prazo continua atrativa e capitais aportados para os “negócios como sempre foram” continuam vigorosos. Entre os maiores investidores em fósseis estão, por exemplo, JPMorgan Chase, que em sua reunião anual de maio recebeu manifesto de mais de mil cientistas pedindo aos seus acionistas que votem a favor de uma eliminação gradual do financiamento para exploração de combustíveis fósseis.
De acordo com a edição de 2023 do Banking on Climate Chaos, “os 60 maiores bancos do mundo gastaram US$ 673 bilhões em financiamento de combustíveis fósseis em 2022 e US$ 5,5 trilhões nos sete anos desde a adoção do acordo climático de Paris”. Agora, o mundo caminha para um consumo recorde de petróleo em 2023, com média superior a102 milhões de barris por dia.
As externalidades continuam a bombardear as atuais e futuras gerações e as medidas das Oil Sisters estão se transformando em ações para “inglês ver”. Cada molécula de carbono inserida hoje na atmosfera lá permanecerá por aproximadamente 1.000 anos. Se as conferências climáticas não retomarem a seriedade de compromissos saneadores, como reza a fábula Facetiae, de Giovanni Bracciolini, o presente estará à venda e o futuro “pagará o pato”.
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O recuo climático das empresas de petróleo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU