A inteligência artificial está se tornando uma chave de transição entre os sistemas de escrita e o sistema operacional digital. Sem dúvida, é preciso prestar atenção, ter cuidado e regulamentação na distribuição e no uso das novas tecnologias de referência da inteligência artificial, mas não devemos nos deixar guiar pelo medo.
A opinião é de Derrick de Kerckhove, diretor por mais de 20 anos do Programa McLuhan em Cultura e Tecnologia da Universidade de Toronto e atualmente professor no Politécnico de Milão, na Itália.
O artigo é publicado por Media Duemila, 01-06-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
Estamos todos imersos em um turbilhão de palavras, mas não as habituais. Em casa, no trabalho, no lazer, pela rua e por meio da mídia, compartilhamos o oceano das palavras com um novo protagonista: a palavra gerada pela máquina.
O ChatGPT e as suas variantes cada vez mais numerosas estão nos inundando de invenções linguísticas oraculares. O problema é que onde se poderia duvidar dos oráculos, embora nem sempre impunemente, haverá cada vez menos motivos ou oportunidades para duvidar das máquinas. Elas demonstraram sua superioridade em relação ao conhecimento e ao julgamento humanos em um número suficiente de setores cruciais, como a educação, a saúde, as finanças, a política e, não nos esqueçamos, o setor militar.
O desenvolvimento mais recente da inteligência artificial está levando a competição homem-máquina a um novo nível. A linguagem humana é fagocitada pela transformação digital. O papel da linguagem está em questão agora que a inteligência artificial generativa pode produzi-la com um input mínimo por parte do ser humano.
Com poucas palavras como ponto de partida, a inteligência digital pode criar poesias “ao estilo de…”, redigir documentos científicos semelhantes, escrever memórias para os políticos, como ocorreu nos últimos dias, programar softwares funcionais, criar música ou imagens. São muitas as vantagens e os perigos novos.
Mecanizar a linguagem significa assumir o controle dela e, com esse controle, gerir os seres humanos como Stanley Kubrick havia previsto de alguma forma com o HAL, o sistema operacional da missão espacial no filme “2001”. O que muitos temem hoje é que a inteligência artificial se apodere do poder quase algorítmico da linguagem, colonizando os seres humanos para servir a interesses que têm pouco ou nada a ver com os objetivos humanos.
Nós, da Media Duemila, não compartilhamos esse temor, tendo observado e estudado diversos casos de mudanças sociais impulsionadas pela tecnologia e tendo concluído que, depois das previsíveis lutas e adversidades que toda transição acarreta, as sociedades humanas recuperaram, no fim, um equilíbrio, uma nova ecologia, que é a que exploramos. Parece mais plausível que a inteligência artificial esteja se tornando, ela mesma, uma chave de transição entre os sistemas de escrita e o sistema operacional digital. Sem dúvida, é preciso prestar atenção, ter cuidado e regulamentação na distribuição e no uso das novas tecnologias de referência da inteligência artificial, mas não devemos nos deixar guiar pelo medo.
Atualmente, o gato já pulou do saco, por assim dizer, centenas de milhões de pessoas provaram a nova fruta. Não é possível voltar atrás, mas olhemos para a frente e guiemos o planeta Terra em uma direção melhor. E, como disse Giovanni Giovannini em 1983, ano de nascimento da Media Duemilla: “Exaltar e demonizar a tecnologia são ambas atitudes bastante equivocadas, porque isso apenas enfatiza seu poder. Em vez disso, é correto colocar no centro de tudo isso a humanidade e as inúmeras escolhas que ela deve fazer quando se defrontar com as novas tecnologias”.
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Duvidávamos dos oráculos e agora confiamos em máquinas. Artigo de Derrick de Kerckhove - Instituto Humanitas Unisinos - IHU