03 Junho 2023
O artigo é de Joachim Negel, professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Friburgo, publicado por Religión Digital, 30-05-2023.
Caros membros da Faculdade de Teologia, queridos amigos:
A proximidade do Pentecostes nos dá novamente a oportunidade de refletir sobre a interação elementar entre Deus e a linguagem. Pois "teologia", no sentido próprio do termo, nada mais é do que a tentativa de dar voz a Deus - a Deus, não ao teólogo! Mas, como dar voz àquilo que, embora seja o fundamento de toda linguagem, está além de toda linguagem? Como colocar em palavras o que transcende a linguagem humana? A fórmula com a qual Ludwig Wittgenstein concluiu seu famoso Tractatus: "Sobre o que não se pode falar, deve-se calar" não se aplica exatamente ao discurso sobre Deus?
De fato, qualquer tentativa de falar de Deus deve ser acompanhada de um silêncio respeitoso e temeroso. Há algo de vergonhoso no discurso pomposo sobre Deus, característico de alguns crentes e ateus. Elias Canetti, o grande romancista, cunhou em um de seus livros a magnífica expressão "Gottprotz" (portador da tocha de Deus). O "Gottprotz" (também existem ateus que queimam Deus) é a pessoa que sempre já sabe o que Deus é ou não é, o que ele quer ou não quer, etc. Essas pessoas são muito cansativas e não são as únicas. Essas pessoas são muito irritantes, porque saltam facilmente a distância entre o silêncio de Deus (quando ouvimos Deus falar?) e uma pregação loquaz da fé. E assim eles falam sem parar sobre Deus, mas não o deixam falar sozinho. Entretanto, como podemos fazê-lo falar, o Inefável?
Vale a pena dar uma olhada no Novo Testamento. Embora em nenhum dos escritos do Novo Testamento apareça a palavra “teologia”, nem mesmo a palavra “teólogo”, Deus é sempre mencionado, e é Deus que fala, mas nunca diretamente, sempre no testemunho de quem se sente constrangido, oprimido, perseguido, desejado, sofrido, cortejado, seduzido, apreciado, amado por Ele, o Inominável. Parece que Deus, precisamente por ser o Inominável, nunca se faz ouvir "objetivamente" como ele mesmo num sentido "quimicamente puro", mas apenas no testemunho de quem se descobre tocado por Ele. Aqui reside o caráter precário e escorregadio de todo o discurso sobre Deus, incluindo e sobretudo o discurso bíblico. O momento subjetivo não pode ser excluído de qualquer discurso sobre Deus. Isso não significa, porém, que todo discurso divino seja exclusivamente discurso humano subjetivo. Pelo contrário, o fato de ter sido tocado e de esse contato me levar a pronunciar uma palavra não é algo que eu inventei. Minhas melhores ideias não vêm de mim, elas "vem até mim", como dizemos com razão; há sempre algo inescapável em jogo.
O filósofo Hans Blumenberg certa vez chamou essa incomensurabilidade, essa impossibilidade de deduzir e nomear, "absolutismo da realidade", que está na raiz de todo discurso humano sobre Deus. Precisamos fugir dela, domesticá-la e colocá-la em linguagem para vivermos como seres humanos.
Isso nos leva diretamente à festa de Pentecostes. Com efeito, o Pentecostes, a festa cristã que se realiza 50 dias depois da Páscoa, comemora e considera que o absolutismo mortal da realidade é afastado, que o silêncio das línguas pode ser libertado, que o esgotamento do espírito pode ser revigorado e que o estado depressivo das almas e dos corpos se transforme em serenidade e alegria.
O gatilho dessa experiência foi Jesus de Nazaré. Seus contemporâneos (amigos e adversários) o consideravam um "teólogo" até a medula. O que é um teólogo? A resposta clássica não se encontra na Bíblia, mas em Platão: teólogo é aquele que é "cheio de Deus". Um verdadeiro teólogo não é alguém que fala sobre Deus (seria alguém que teologiza, e há bastante gente que já faz isso); ao contrário, um verdadeiro teólogo é um "falante de Deus", isto é, alguém que, ao falar de Deus, dá voz ao Deus por quem sabe ter sido tocado. Um teólogo no verdadeiro sentido do termo é, nesse sentido, uma espécie de hermeneuta ou intérprete.
É fácil compreender porque a história da vida de Jesus de Nazaré é marcada de forma tão fundamental não só pelo Natal, pela Sexta-Feira Santa e pela Páscoa, mas também pelo Pentecostes. Porque a hermenêutica por excelência não é outra senão o próprio Jesus. Ele é aquele que "deu a conhecer o Pai"; é ele quem "nos interpreta" (Jn 1,18) - primeiro na forma de atos simbólicos e parábolas espetaculares, e finalmente na forma de um compromisso radical consigo mesmo. E isso explica porque a palavra "teologia", no sentido cristão, é uma palavra tão pentecostal. Porque se a teologia (além da mera teologização) é uma forma de fala e ação humana na qual algo da realidade do Deus falado transparece, então a parábola de Jesus sobre Deus como um Pai amoroso (e, inclusive nesse discurso, o simbólico e ação representativa de Jesus pela qual ele tornou seu Deus perceptível "como amor irrevogável e incondicionalmente decidido pelo homem") era teologia no sentido próprio e preciso da palavra: "Ele falava com autoridade [...] .].ξουσ? α],(Mc 1.22 par). Em sua presença, sabíamos que estávamos próximos daquele de quem ele falava.
Que tipo de teologia conseguiria demonstrar tal poder tradutório? Seria uma teologia saudável por completo. Oremos para que nossa teologia tenha um pouco dessa credibilidade:
Vem Creator Spiritus
Até aqui, Senhora, brisa e sopro,
onde estão as almas fiéis
que te pertencem inteiramente.
Que sejamos recriados,
que sejamos campos abertos
para o orvalho da tua graça.
Paráclito, consolador
que nos é dado em nome de Deus,
faísca do alto,
clarão de vida nova,
quando o desespero espreita,
unge-nos com tuas mãos macias.
Está escrito em preto e branco
que o Pai nos prometeu sete vezes
uma mão serena em nossa cabeça cansada -
cada dia dessas semanas
de nossos anos, sete vezes
você ecoa em nossas gargantas.
Frio, minha carne, semeia sua luz -
Que o desejo desperte meu desejo.
O inimigo deprime meu corpo.
Só você pode afastá-lo.
Você, somente você é o mensageiro.
Tu tiras de mim todo o mal.
De modo algum vi a Deus,
nem o Pai nem o Filho.
Você que é a força de ambos
me permite habitar em seu amor.
Obrigado por me procurar,
Paráclito, brisa e alento.
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Joachim Negel: “Como colocar em palavras o que transcende a linguagem humana?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU