26 Abril 2023
Depois do meu post, no qual retomava uma palestra sobre o tema da orientação da Eucaristia no rito siro-malabar, meu colega e amigo Z. Carra me enviou esta reflexão, que tenho o prazer de publicar. Aborda um tema sobre o qual é bom construir um "conhecimento fundamentado" que não seja apenas teórico, mas também prático. Agradeço-lhe por ter relançado o debate.
O artigo de Zeno Carra, teólogo, padre da Diocese de Verona e professor do Studio Teologico San Zeno, na Itália, é publicado por Come se non, o blog de Andrea Grillo, 23-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Prezado professor,
Agradecendo por ter lançado no seu blog um tema muito interessante, tomo a liberdade de pegar a bola e relançar algumas considerações dispersas. Elas permanecem internos ao rito romano e não pretendem entrar na questão do rito siro-malabar sobre o qual você apresentou a conferência.
Uma análise da questão que se concentre apenas na alternativa ad altar / ad populum é na minha opinião redutiva. O nexo entre direção da oração, posição do presidente no altar e posição da assembleia deve levar em conta outros fatores, como a existência ou não de separação de espaços determinada pelo presbitério como área elevada em relação a área da assembleia.
Na lógica do rito pré-reformado tem um sentido como delimitação de uma área sagrada onde o sacrifício é realizado e de uma área à sua frente onde estão reunidos para assistir aqueles para os quais o sacrifício é realizado. A superação dessa distinção – aporte eclesiológica central da instância da SC da actuosa participatio – requer avaliar a sensatez da permanência de duas áreas distintas, antes e mais do que a questão da posição do altar em relação aos sujeitos celebrantes.
Dentro dessa questão, determina-se também a forma com que os sujeitos se dispõem em relação ao altar. Atualmente a maioria das igrejas italianas (novas ou readaptadas) conservaram a disposição oitocentista dos bancos enfileirados em direção ao presbitério; posição que na forma celebrativa anterior dava o dinamismo de uma procissão rumo a um limiar (altar) entre dois mundos. Ora, uma vez mantida a forma da assembleia, mas alterada a forma do polo em direção do qual ela está disposta, muitas vezes a impressão é a de ter reproduzido a dinâmica de uma sala de conferências ou de um teatro moderno, onde os atores num palco realizam algo na direção dos espectadores alinhados na plateia [1]. Nessa orientação da celebração ad populum a disposição do presidente e da assembleia em relação ao altar em nada fomenta a instância da participatio e a sensação do actio communis, mas cava uma vala tão pesada quanto aquela, de outro tipo, cavada pela balaustrada.
Onde (nos edifícios novos) se elimina a separação presbitério-assembleia, a posição do altar aumenta em possibilidades: por exemplo, aquela que permite simultaneamente o circumstare da assembleia e do presidente ao redor do altar em três lados; a manutenção de um lado (ad orientem) livre para permitir a direção comum "orientada" da oração, elemento que muitas vezes esquecemos e que – de antiquíssima tradição [2] – deveria ser mais considerado. Em tal localização do altar, necessariamente se modificaria também a disposição dos assentos para a assembleia, permitindo a configuração de coro em relação àquela da plateia moderna. E poder-se-ia repensar a posição do assento do celebrante, que poderia ser colocado como corifeu entre os outros fiéis "concelebrantes" e não como um magistrado diante deles...
Outra questão que creio deva ser levantada é a da necessária distinção entre instâncias teológicas e realidades factuais. Uma coisa é pensar e construir uma igreja nova, outra coisa é utilizar para a forma celebrativa nova um espaço construído com as exigências da forma anterior. Abre-se assim o enorme tema da adaptação litúrgica sobre a qual os conteúdos da sua intervenção não podem deixar de se confrontar.
A meu ver, a pergunta fundamental é: as instâncias da nova forma litúrgica impõem a desestruturação radical dos espaços anteriores ou podem ser explicitadas em adaptações desses espaços que resultem respeitosas?
Nas primeiras décadas do pós-concílio muitas dioceses optaram pela primeira solução: ou com a demolição dos espaços anteriores (felizmente muitas vezes apenas parcial, ou seja, apenas do complexo do altar-mor) e sua substituição por novos elementos, ou com a justaposição de novos arranjos litúrgicos aos anteriores: novo altar (fixo ou móvel), ambão e assento, em frente ao altar antigo no mesmo presbitério, ou justaposição de um novo presbitério fora do anterior.
Essas soluções deram o resultado esperado? As instâncias da nova forma são adequadamente realizadas? Onde o presbitério foi completamente renovado, mas dentro de uma planta longitudinal do edifício que impôs manter a separação da assembleia e a forma de plateia desta última, voltamos às questões acima mencionadas: em tais casos é realista falar em um circumstare da assembleia celebrante em relação ao altar? E onde foram duplicados altar e/ou todo o presbitério, e os espaços litúrgicos estão tão artificialmente divididos entre "ala abandonada da casa" e "ala nova" da mesma, prestamos realmente um serviço às comunidades que ali celebram? Se o único altar é símbolo de Cristo, a presença de dois altares justapostos e alinhados é teologicamente sensata? Para não falar do sentido de desorientação estética (e a aisthesis na liturgia certamente não é acidental!) que se gera entre a convergência das linhas de força do edifício sobre o antigo polo e uma ação litúrgica que se desenvolve em outro lugar, "fora do eixo"...
Não era/não é realmente possível uma adaptação que leve em conta a forma real (o espaço, os produtos da arte e da história, etc.) e que com ela concilie as instâncias da reforma? As indicações do Vaticano sobre a possibilidade de utilizar o antigo altar existente [3] devem ser entendidas como expressão de conservadorismo retrógrado (as disposições da CEI dos mesmos anos que vão na outra direção [4] talvez as tenham assim entendido?) ou pode-se ler nelas uma atenção respeitosa à realidade?
O altar-mor pode ser utilizado em certos casos, colocando em prática uma série de atenções celebrativas que o conectem mais eficazmente à assembleia? Por exemplo, podem ser utilizadas as procissões entre a nave e o altar; pode-se avaliar uma posição da sede do presidente que a torne o elo entre a assembleia e o altar, superando a separação que sua antiga localização apenas no altar determinava...
A discussão sobre o polo da proclamação da Escritura, o ambão, também poderia ser inserida aqui: os antigos púlpitos, nos casos onde estejam em posição acessível ao olhar e à audição da assembleia, não podiam/podem ser usados como ambões?
Preservar os espaços que as gerações que nos precederam produziram e renovar o seu uso (onde ainda seja possível), ao invés de eliminá-los, seria no fundo salvaguardar uma instância fundamental do cristianismo que é confrontar-se com a realidade e a história...
Seria desejável, a meu ver, que neste tipo de discussão fosse adequadamente distinto o plano das instâncias teológicas e aquele das efetivas realizações práticas e se dissesse com um pouco mais de coragem que muitos dos nossos espaços litúrgicos são uma experiência que foi não totalmente bem-sucedida; que o que se esperava no plano da teologia litúrgica – salvo poucos casos felizes – pelo menos no panorama italiano não encontrou a melhor realização.
Nos últimos anos surgiram novas igrejas que mostram uma integração muito mais feliz entre instâncias e disposição dos espaços, mas a maioria dos católicos italianos celebra em igrejas antigas readaptadas ou em igrejas das décadas pós-conciliares construídas antes que o pensamento arquitetônico e artístico em mérito chegasse a um estágio mais maduro: sobre esses espaços e sobre a efetiva implementação da reforma litúrgica neles é urgente fazer uma verificação e – por que não? – algum sério repensamento.
[1] “Na antiguidade cristã, mesmo que o bispo ou o presbítero rezasse sozinho a oração eucarística, todos os cristãos, clero e leigos, rezando com ele, na mesma posição, na mesma direção, respondendo-lhe no prefácio e na conclusão, estavam perfeitamente ciente de que o que ele dizia era em nome de todos. Não podia passar por suas cabeças, e de fato nunca lhes ocorreu, a ideia de que ele se voltasse para eles, ou eles para ele, para poder vê-lo celebrar a Eucaristia. Tal ideia só lhes ocorreria muito tempo depois, quando tivessem parado completamente de pensar que ele a celebrava não para eles, no lugar deles, mas com eles”: L. Bouyer, Architettura e liturgia, Magno, 20072, 53.
[2] Cf. Basílio o Grande, Sullo Spirito Santo, 27,66,188B: SCh 17bis, p. 480.
[3] Indicações coletadas e comentadas em U. M. Lang, Rivolti al Signore: l’orientamento nella preghiera liturgica, Siena 2006, p. 18-21.
[4] Conferência Episcopal Italiana, L’adeguamento delle chiese secondo la riforma liturgica, 1996, n. 16-17.
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A orientação no rito romano. Artigo de Zeno Carra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU