12 Abril 2023
"Um livro, portanto, este do Padre Fortunato, que, com a biografia de um homem da Idade Média, entrelaça vida e episódios da Igreja contemporânea, para que o exemplo do Santo de Assis possa ser motivo de mudança de um comportamento humano aparentemente imutável", escreve Angelo S. Angeloni, em artigo publicado por Settimana News, 11-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Processo a Francesco, o novo livro do padre Enzo Fortunato, é a história de três momentos cruciais da vida de Francisco de Assis, aos quais o autor aproxima três momentos atuais de "processos" envolvendo o papa e a Igreja, e aos quais respondem no espírito das escolhas do Santo, radicais como toda escolha que se inspira no Evangelho.
Processo a Francesco. Il messaggio del Santo nella rivoluzione di papa Bergoglio
Os três momentos da vida de Francisco de Assis são três processos a que foi submetido: o processo do pai, do Papa Inocêncio III e da própria ordem franciscana.
O processo do pai Pietro Bernardone marcou o afastamento definitivo do filho dele, no contraste entre duas diversas visões de vida: riqueza e pobreza. Um tema profundamente sentido pelo Papa Francisco, nas suas constantes referências a uma economia baseada na equidade e na justiça social, justamente no espírito franciscano.
Francisco de Assis escolheu os pobres, e os pobres existem ainda hoje. Temos sempre conosco os pobres (Mc 14,7), tão numerosos como então.
Francisco de Assis se rebelou contra a riqueza. Rebelem-se, diz também o Papa Francisco. De fato, a resignação diante de uma riqueza escandalosamente concentrada nas mãos de poucos é intolerável.
Ignazio Silone escreve em Uscita di sicurezza: “De onde tiram algumas pessoas aquela irresistível intolerância à resignação, aquela intolerância à injustiça, mesmo que afete outros? E aquele súbito remorso de se sentar a uma mesa farta enquanto os vizinhos de casa não têm o que comer? E aquele orgulho que torna a perseguição preferível ao desprezo?”. É o melhor comentário ao gesto do santo de Assis, que Silone amava.
O segundo processo é aquele do papa Inocêncio III, referente à tribulada aprovação da Regra e, portanto, do nascimento da Ordem.
O Padre Fortunato parte disso para falar do processo ao Papa Francisco e da "verificação constante de sua pregação" (p. 48), a ponto de pedir sua renúncia por parte de alguns cardeais, em relação a questões ligadas à Amoris laetitia, que levaram a "diferentes formas de compreender a vida cristã" (p. 42). É, portanto, também um processo dentro da própria Igreja, como o foi o terceiro processo interno à ordem franciscana, por divergências relativas à aplicação da Regra, e que terminou com o afastamento de Francisco.
Mas então a Igreja não tolera polêmicas internas? Não, diz padre Enzo, mas julgar é outra coisa. “Uma obsessão normativa corre o risco de transformar os religiosos em ‘juízes implacáveis’” (p. 61). O que é ainda mais perigoso hoje, em uma época de "ágora digital, o lugar onde julgar e condenar [acontece] antes de cada sentença" (p. 74). Perigosa e desumana, porque se condena sem conhecer, arruinando a vida das pessoas, destruindo a reputação, que nenhum tribunal pode restaurar integralmente. Uma mancha sempre permanecerá sobre aquela pessoa.
Não se deve julgar, mas entender: o que não quer dizer justificar, mas colocar-se no lugar dos outros. A justiça deve seguir seu curso, é claro, mas sem misericórdia não pode haver justiça.
Existem muitas páginas do Evangelho a esse respeito, mas uma parece-me realmente exemplar: a surpreendente resposta de Jesus no processo contra a adúltera: "Ninguém te condenou?". "Ninguém". “Nem eu te condeno; vai e não peques mais" (Jo 8,1-11). Jesus não condena porque conhece o coração dos homens; e é misericordioso. Este é o seu ensinamento, o de São Francisco e do Padre Fortunato.
Alguns anos atrás, publicou Francesco il ribelle (Mondadori, Milão 2018), que forma um díptico, com esse novo livro: Francisco, o revolucionário e o misericordioso, na esteira da revolução e da misericórdia evangélica.
Francesco, il ribelle
Na cena da renúncia às posses de Giotto, Francisco está nu, apenas coberto por uma aba do manto do bispo. Diante dele está o pai irado. Francisco não olha para ele, mas com as mãos unidas olha para cima, onde, entre as nuvens, emerge a mão abençoadora de Deus, à qual ele se confia.
Um livro, portanto, este do Padre Fortunato, que, com a biografia de um homem da Idade Média, entrelaça vida e episódios da Igreja contemporânea, para que o exemplo do Santo de Assis possa ser motivo de mudança de um comportamento humano aparentemente imutável.
Mas é também um livro que reivindica uma ética da comunicação.
Existe uma “ética da responsabilidade” e uma “ética da convicção” ou “dos princípios” (Weber). Responsabilidade vem de respondeo: sou eu quem decido, sou responsável antes de tudo por mim. Mas a responsabilidade implica o outro de mim, com quem me relaciono agindo, comunicando ou de qualquer outra forma. Um conceito tão elementar quanto se queira, mas fundamental, sem o qual não pode haver convivência. Na qual sou livre não quando digo ou faço o que quero, mas quando respondo às exigências de quem vive comigo e é afetado por minhas escolhas.
Num texto do Papa Francisco [Con lo sguardo di Gesù (Corriere della Sera de 24 de maio de 2020. Agora em Francisco, Diversi e uniti; LEV, 2020)], o papa se debruça sobre um detalhe lembrado por Marcos no episódio de Jesus e o jovem rico. Depois de ter dito ao Mestre que sempre atendeu os mandamentos, Jesus olha para ele, o ama e lhe diz para vender os seus bens e doá-los aos pobres.
"Sem aquele olhar - diz o Papa - a comunicação humana, o diálogo entre as pessoas pode facilmente tornar-se apenas um duelo dialético, aquele olhar revela, porém, que há outra questão vertiginosa em jogo, que não tem no âmago o mérito da discussão, mas muito mais, o próprio sentido da existência, minha e do meu interlocutor”.
ENZO FORTUNATO, Processo a Francesco – Il messaggio del Santo nella rivoluzione di papa Bergoglio, Mondadori, Milano 2023.
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Processo contra Francisco de Assis. Artigo de Angelo S. Angeloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU