15 Abril 2023
O jesuíta francês Michel Fédou, estudioso da Patrística e vencedor do Prêmio Ratzinger de teologia de 2022, fala sobre a contribuição duradoura de seu falecido e grande coirmão.
A reportagem é de Gilles Donada, publicada por La Croix International, 11-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Henri de Lubac (1896-1991) foi aclamado como um dos maiores teólogos católicos do século XX e uma figura-chave do Concílio Vaticano II (1962-1965).
O jesuíta francês, que acabou sendo criado cardeal em sua velhice, em reconhecimento pela sua obra teológica, pode um dia ser proclamado santo. A Conferência Episcopal Francesa decidiu recentemente iniciar seu processo de beatificação, um passo preliminar que leva à canonização.
Quer Henri de Lubac seja declarado santo ou não, sua teologia continua impactando a Igreja de hoje. Essa é a convicção de muitos teólogos contemporâneos, como o jesuíta Michel Fédou.
O padre francês de 70 anos e estudioso da Patrística recebeu o Prêmio Ratzinger de 2022 por sua contribuição à pesquisa teológica. Ex-reitor da Escola Jesuíta de Teologia em Paris (Centre Sèvres), Fédou falou sobre a contínua contribuição de Lubac à Igreja.
Qual é a contribuição teológica do cardeal De Lubac?
Encontramos essa contribuição primeiro em “Catholicisme”, uma obra publicada em 1938, que é de certa forma apenas a abertura de sua obra futura. O Pe. Henri de Lubac não procedeu como se costuma fazer, comentando as teses de São Tomás de Aquino ou os comentaristas de São Tomás. Ele procedeu de modo diferente, usando particularmente os textos dos Padres da Igreja (que ele publicou ao fundar a coleção Sources Chrétiennes, com o jesuíta Jean Daniélou), assim como os de autores medievais.
Ele se preocupou em enraizar a teologia na grande tradição da Igreja, em sua continuidade através dos tempos, desde os pensadores dos primeiros séculos até aos autores espirituais contemporâneos. “Catholicisme” também enfatiza que o cristianismo tem uma dimensão profundamente social, no sentido de que carrega um ensinamento para cada ser humano. O Pe. De Lubac também aponta para a dimensão histórica do cristianismo, que se baseia em um evento ocorrido na história: o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Cristo.
E quanto à sua abordagem ao mistério da Igreja?
Aqui, novamente, sua abordagem foi original para a época. O Pe. De Lubac publicou sua “Méditation sur l’Église” em 1953, três anos depois de ter sido proibido de lecionar. Nela, ele presta uma verdadeira homenagem à Igreja. Ele teve o cuidado de mostrar que a Igreja é inseparavelmente uma instituição e um mistério. De fato, a Igreja, em parte, é uma instituição com seus fardos, suas limitações, suas falhas. Mas essa instituição também encarna, de modo inseparável, um mistério: é na Igreja que o próprio Cristo se comunica e se faz presente hoje. Ele afirmou que ela é “o sacramento de Jesus Cristo”. Ele introduziu esta expressão: “Não é só a Igreja que faz a Eucaristia, mas é também a Eucaristia que faz a Igreja”. Até então, enfatizava-se que a Igreja celebra os sacramentos, mas às vezes se esquecia que, ao mesmo tempo, os sacramentos também contribuem para “fazer a Igreja”: por meio deles, os batizados tornam-se um só corpo.
O que provocou a proibição do ensino?
Seu livro “Surnaturel”, publicado em 1946, trouxe-lhe críticas, contestações e grandes tormentos. O Pe. De Lubac afirmava que os seres humanos são, desde sua criação, habitados por um chamado: a vocação a conhecer a Deus e amar a Deus. Naquela época, os teólogos sustentavam que os seres humanos foram de fato criados por Deus, mas que ainda não haviam recebido a vocação sobrenatural para comungar com Deus, acrescentada apenas posteriormente. Eles queriam preservar a gratuidade do dom de Deus: ninguém deve ser obrigado a estabelecer uma comunhão perfeita entre Deus e a pessoa. A proibição do ensino recaiu sobre o Pe. De Lubac e outros quatro teólogos em junho de 1950. Ele ficou profundamente ferido e marcado. Ele recebeu o convite do Papa João XXIII para participar como perito no Concílio Vaticano II como uma reabilitação. Aos poucos, a partir dos anos 1960, sua obra foi sendo reconhecida como significativa.
Henri de Lubac defende o diálogo com o mundo moderno...
Com certeza, ele pensava como o cristianismo podia ir ao encontro do desafio do humanismo ateu, encarnado particularmente pelos filósofos Nietzsche e Feuerbach. Ele não queria desenvolver uma teologia atemporal, mas sim refletir sobre o lugar e o alcance do cristianismo na era contemporânea. Isso implicava um confronto com o ateísmo e com as outras religiões, notadamente o budismo, ao qual ele dedicou três livros. Ele também se preocupava em desenvolver a reflexão sobre as ciências. Ele deu a conhecer e defendeu o trabalho do paleontólogo Teilhard de Chardin, também jesuíta e que também era suspeito para Roma. Ele admirava sua abordagem muito ousada que tentava reconciliar a fé cristã com os dados da ciência moderna, especialmente os relacionados às teorias da evolução.
O Pe. De Lubac ainda tem algo a nos dizer hoje?
A questão do sobrenatural ainda surge. Podemos ter a sensação de que é possível levar uma vida humana sem referência a Deus... O Pe. De Lubac não cessa de nos perguntar: uma pessoa pode realizar plenamente sua vocação se não tiver uma relação viva com Deus? Por outro lado, diante da crise dos abusos na Igreja, pode ser tentador romper com ela. Mas Henri de Lubac dá um forte testemunho de amor à Igreja e de fidelidade a ela.
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Henri de Lubac continua impactando a Igreja. Entrevista com Michel Fédou SJ, vencedor do Prêmio Ratzinger 2022 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU