11 Março 2023
Estudo mostra: maioria dos prédios abandonados no Centro são de rentistas e instituições religiosas. Por especulação e inépcia em administrá-los, dificultam a venda e deixam região em ruínas, enquanto falta habitação para 450 mil famílias.
A reportagem é de Camilla Almeida, publicada por Jornal da USP, 09-03-2023.
Uma construção ociosa é aquela que está desocupada, inativa ou subutilizada, sem cumprir sua função social. A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (Smule) de São Paulo estima que 881 imóveis estejam nesta condição apenas no distrito da Sé. Ana Gabriela Akaishi, doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, analisou os perfis dos donos de imóveis ociosos e explicou os entraves colocados por esses proprietários para a comercialização, com destaque para herdeiros e instituições religiosas.
O estudo revelou que 74% dos analisados são herdeiros rentistas e instituições religiosas, denominados pela urbanista como “o arcaico setor proprietário rentista imobiliário”. “Esses proprietários carregam raízes históricas e geracionais vinculadas a capitais familiares antigos de caráter mercantil, que aplicavam inicialmente em prédios de aluguel no momento em que o centro de São Paulo estava em um boom no processo de verticalização”, explica a pesquisadora.
Para chegar a estes dados, a pesquisadora verificou os perfis dos 50 donos dos imóveis de maior valor venal da área – número que estima o preço do bem, obtido por meio de uma avaliação pela prefeitura. Por meio de entrevistas com agentes imobiliários, associações beneficentes religiosas e com integrantes do mercado imobiliário em geral, Ana Gabriela Akaishi conseguiu traçar a genealogia econômica, política e social desses proprietários. Ela também realizou um levantamento em bases de dados e acervos históricos da Prefeitura de São Paulo por meio da plataforma GeoSampa.
Foi o contraste entre a carência populacional por habitação na cidade e a grande quantidade de imóveis ociosos que a instigou a pesquisar o tema; São Paulo conta com um enorme déficit habitacional, que pode chegar a 450 mil famílias a serem realocadas. “Temos quase 3 milhões de pessoas vivendo em aglomerados como favelas, loteamentos precários e moradias irregulares, principalmente nas periferias. E essas pessoas têm que se deslocar diariamente por horas até o seu local de trabalho, que geralmente é nas áreas centrais.”
Enquanto isso, no centro, estão prédios fechados e em ruínas, terrenos baldios e construções abandonadas sendo usados como estacionamentos rotativos. “Em todos esses casos temos a subutilização da terra urbana num dos lugares com a melhor estrutura na cidade”, pontua a pesquisadora ao Jornal da USP.
Historicamente, a área central de São Paulo era considerada um centro comercial e cultural desde a fundação da cidade, sendo predominantemente ocupada pela classe dominante. Grandes empresas e corporações mantinham suas sedes na região, com grandes arranha-céus e prédios que chamavam atenção de quem passava por lá. Lojas e casarões de barões do café também se destacavam junto a obras arquitetônicas grandiosas, como o Teatro Municipal. Contudo, com a mudança do centro comercial para outros bairros da cidade na década de 1960, a área passou por um grave e acelerado processo de decadência e deterioração, com aumento da especulação imobiliária.
Atualmente, por trás das construções em ruínas e abandonadas estão donos de gerações herdeiras mercantis, que não realizam a manutenção dos imóveis e estabelecem entraves para sua comercialização.
Além disso, disputas judiciais, turbulências entre os herdeiros, junto com altas expectativas com relação ao preço da venda/aluguel são outros aspectos a se levar em consideração para entender a ociosidade no centro de São Paulo. De acordo com a pesquisadora, essas dinâmicas escancaram as marcas da construção social paulista, fundamentada no colonialismo e patrimonialismo.
As instituições católicas, presentes no centro de São Paulo desde sua fundação, também detêm muitos prédios ociosos. Agraciada por múltiplas doações e concessões feitas tanto pelo Estado quanto por empresários, a Igreja colecionou imóveis na área, mas sem conhecimento do mercado imobiliário. “São os padres das igrejas que administram essas propriedades e eles não têm experiência em compra, venda e locação de imóveis. Também não têm o conhecimento da dimensão da propriedade da Igreja na cidade: esse levantamento ainda é muito incipiente”, explica a pesquisadora.
Na visão da autora, a não comercialização desses imóveis é um empecilho para resolver o problema habitacional no centro de São Paulo. “No centro, a demanda por moradia vem de pessoas que vivem em ocupações de movimentos sociais, da população em situação de rua e de pessoas que foram desabrigadas, principalmente depois da pandemia”, diz ela, enquanto aponta o grande déficit de políticas públicas para atender esta população.
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SP: Herdeiros e igrejas por trás dos imóveis ociosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU