"De agora em diante, duas realidades constituem a solenidade do Natal do Senhor para mim e muitas outras pessoas: chegada e partida. Chegada do Menino Deus. Partida de uma pessoa querida. No dia de Natal de 2022, a alegria da chegada se contrasta com a saudade do derradeiro telefonema de 2021 que, doravante, não tocará mais", escreve Carlos Rafael Pinto em artigo publicado, em primeira versão, por Revista Mensageiro do Coração de Jesus, 01-12-2022.
Carlos é escritor, pintor e fotógrafo, professor e, atualmente, pesquisa os escritos de Carolina Maria de Jesus no doutorado em Teologia na FAJE-BH (bolsista CAPES). É autor de inúmeros artigos e do livro "Um dia após: crônicas litúrgicas" (Edições Loyola, 2021).
25 de dezembro de 2021. Do outro lado da linha, entre uma palavra e outra, uma pausa, um silêncio. Não imaginaria que seria tão difícil, no ano seguinte, em 25 de dezembro de 2022, meditar e escrever sobre a celebração do Natal do Senhor. Entre os livros, no altar, contemplo o pequenino presépio
e, nele, encontro-me tão frágil quanto o recém-nascido, e indisposto para unir-me ao coro dos anjos para cantar para Deus: 'Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados' (Lc 2,14).
O telefone ficou emudecido, desde o Natal de 2021. O silêncio se impôs na manhã do dia 31 de dezembro. O corpo se contorceu. O peito foi massageado. Os lábios gritaram outra vez. Os que estavam próximos subiram com ele apressadamente para a cidade. Do alto da montanha, os seus olhos se esperançaram ao avistar a Igreja Matriz. Estava perto, tão perto quanto os lábios do coração. Os pés firmes acariciaram o chão, atravessando as portas. O corpo se recostou. Os olhos entreabertos. Por um triz a vida. Talvez o último suspiro. O coração foi se calando... e não mais falou.
Qual a diferença entre o Natal de 2021 e o de agora? De 2014 a 2021, era uma pequenina pausa entre as palavras, ou uma pausa, um pouco mais extensa, entre um telefonema e outro. Mas, desde 31 de dezembro de 2021, o coração calado nos obriga a uma pausa ininterrupta, sem fim. Sem dúvida, o Natal do Senhor de 2022 e os próximos serão silenciosos e diferentes: aquela doce voz não atravessa mais os ouvidos.
De agora em diante, duas realidades constituem a solenidade do Natal do Senhor para mim e muitas outras pessoas: chegada e partida. Chegada do Menino Deus. Partida de uma pessoa querida. No dia de Natal de 2022, a alegria da chegada se contrasta com a saudade do derradeiro telefonema de 2021 que, doravante, não tocará mais! Invade-me uma saudade infinita, na mesma proporção do seu silêncio ininterrupto, desde então.
No pequenino presépio, que ainda contemplo, Maria se silencia na expectativa de escutar os primeiros sons do Menino Deus. Por sua vez, na comunidade eclesial, na celebração da Noite de Natal, silenciamo-nos para escutar as palavras do evangelho de são Lucas (2,1-14):
Aconteceu que, naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra. Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal. Por ser da família e descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria.
Naquela região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. Um anjo do Senhor apareceu aos pastores, a glória do Senhor os envolveu em luz, e eles ficaram com muito medo. O anjo, porém, disse aos pastores: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura”. E, de repente, juntou-se ao anjo uma multidão da coorte celeste. Cantavam louvores a Deus, dizendo: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados”.
Essas palavras do evangelho nos motivam não só a repousar o olhar no presépio, contemplando a chegada do Menino Deus, mas também a suplicar a graça da alegria, anunciada pelo anjo do Senhor aos pastores: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,10-11).
No pequenino presépio, contemplamos, enfim, a manjedoura, onde podem conviver a alegria proveniente da chegada do Menino Deus e a saudade da partida de quem amamos. Entre a chegada e a partida: os olhos marejados, os corações pulsantes, e a esperança do encontro e, um dia, do reencontro!