29 Novembro 2022
Em carta aberta ao Papa Francisco, o teólogo dogmático Peter Hünermann afirma que o futuro da Igreja depende da sinodalidade e de como a Igreja interpretará seu papel na crise causada pelas violências e abusos contra menores. Sobre o assunto, conferir também o texto de M. Faggioli e H. Zollner, publicado na última edição do Il Regno.
A reportagem é publicada por Il Regno, 28-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O duro confronto que viu protagonistas em Roma os 62 bispos alemães em visita ad limina na semana passada trouxe à tona alguns problemas teológicos. Falamos sobre isso aqui. No site da Conferência Episcopal Alemã, além de uma página em italiano (e inglês e espanhol) sobre o Caminho Sinodal, podem ser consultados também os textos das intervenções do grupo alemão em Roma. Deve-se ressaltar que no Vatican News de 24 de novembro apareceu uma síntese em alemão das manifestações dos cardeais Ouellet (Dicastério para os Bispos) e Ladaria (Dicastério para a Doutrina da Fé) apresentados no encontro a portas fechadas entre os bispos (não tiveram acesso os leigos que colaboram de forma permanente com a Conferência Episcopal) e alguns chefes de dicastérios da cúria.
Em suma, os problemas (Igrejas locais - conferências episcopais - Igreja universal - cúria romana) ficaram evidentes.
Precisamente por isso é útil propor algumas passagens da Carta Aberta que o teólogo Peter Hünermann, 93, publicou na edição de novembro da revista Herder Korrespondenz.
“Permitam-me hoje exercer minha função de teólogo em um diálogo público”, segundo o texto da Comissão Teológica Internacional em Teologia oggi: prospettive, principi e criteri de 2012: é a abertura da carta, pontuada pela tríade “ver – julgar – agir”.
Hünermann parte da nota da Sala de Imprensa da Santa Sé de 22 de julho de 2022 sobre o Caminho Sinodal na Alemanha, onde se fala de um "esclarecimento necessário" sobre a salvaguarda da "liberdade do povo de Deus" e o "exercício do ministério episcopal". Ambos – afirma o teólogo – “são fatos centrais da eclesiologia e pertencem à fé da Igreja”. No entanto, precisamente sobre esses temas centrais, teme-se um "cisma" se o Caminho Sinodal Alemão continuar no seu percurso. "Como se chegou a esse juízo?", ele se questiona.
Na constituição apostólica Episcopalis communio (15.9.2018), o papa prevê aprofundar e desenvolver ainda mais o Sínodo dos Bispos anunciado durante o Concílio Vaticano II. Ele "expressa a dimensão supradiocesana do múnus episcopal, [que] é exercida de forma solene na veneranda instituição do concílio ecumênico e manifesta-se também na ação conjunta dos bispos espalhados por toda a terra, uma ação que seja proclamada ou livremente acolhida pelo Romano Pontífice”.
Cabe então ao Papa, "de acordo com as necessidades do povo de Deus, individuar e promover as formas pelas quais o colégio episcopal possa exercer a sua autoridade sobre a Igreja universal" (n. 2). Nos nº. 5 e 6 o Papa fala "longamente do processo de consulta ao povo de Deus, de escuta do sensus fidelium, porque o pontífice e os bispos são tanto mestres como discípulos".
Então - pergunta-se Hünermann - onde está o problema com o Caminho Sinodal Alemão?
"Segundo a minha avaliação teológica da situação, a Conferência Episcopal Alemã teria cometido uma falta grave se, após a publicação do estudo MHG" de 2018, "não tivesse admitido imediatamente os abusos, chamado ao arrependimento e anunciado uma séria renovação (…) Assim, em tempo bastante reduzidos, em grande maioria em março de 2019 foi concebido e implementado o Caminho Sinodal em solo alemão”, apenas um mês após a cúpula do Vaticano sobre as violências, que, segundo o teólogo, “infelizmente não produziu nenhum resultado concreto”.
O Caminho Sinodal Alemão pretende ser um “lugar de discussão para um debate estruturado dentro da Igreja Católica na Alemanha”. E não é apenas um “lugar de debate”, mas muito mais: um “processo eclesial”. Um processo público “de arrependimento e reconciliação entre a Conferência Episcopal e o povo de Deus na Alemanha” que se sentiu traído e abandonado.
Portanto, há “uma conferência episcopal, condenada por uma investigação pública por abuso de poder, que admite a sua culpa e afirma a sua vontade de arrependimento. É culpada diante de Deus, é culpada diante do povo de Deus. Quem pode absolvê-la?”.
“Trata-se de um pecado estrutural dentro do qual se cometeu uma numerosa série de pecados pessoais (…) Os pecados estruturais dizem respeito às instituições”. Eles ocorrem quando as instituições desviam de sua função.
“Algo semelhante aconteceu na Igreja Católica, na Alemanha e no mundo. Na década de 1990, os contornos desse pecado estrutural ficaram evidentes em casos como o do arcebispo Hermann Groër, de Viena, na prática implementada pelo arcebispo de Boston, o card. Bernard Law”, distinguindo naturalmente entre “bispos que são eles próprios perpetradores de abusos e bispos que encobriram os abusos de várias formas”.
Não se pode pensar que isso valha apenas para a Alemanha. “Este é um problema de toda a Igreja, em todos os continentes. Por toda parte houve e há autores de abusos entre o clero, entre 5 e 10% (…) em toda parte acompanhados por encobrimentos dos bispos. Uma prática que chegou ao topo da Cúria Romana”.
E aqui o idoso teólogo atira algumas farpas, citando o caso do card. Schönborn que, tendo criticado publicamente a expressão "tagarelice" utilizada em 2010 por Angelo Sodano, então decano do colégio cardinalício, para se referir aos delitos do card. Groër, foi obrigado por Bento XVI a fazer um pedido público de desculpas, porque só o papa pode repreender publicamente um cardeal.
Uma ação dupla é, portanto, necessária – escreve Hünermann -. Por um lado, os culpados "devem ser tratados como tais". Mas, por outro lado, décadas de encobrimento com o objetivo de “preservar a 'reputação' da Igreja em vez de ajudar as vítimas” exigem uma ação diferente.
“É necessária uma admissão pública de culpa pela Igreja Católica Romana, representada por suas autoridades: em relação a Deus, a Jesus Cristo, ao Senhor da Igreja, ao povo de Deus; em relação às vítimas de abuso, das autoridades civis, por descumprimento da lei civil. E uma confissão pública de culpa por um pecado estrutural e institucional contra Deus, Jesus Cristo e o povo de Deus” deve ser acompanhada por uma renovação “enraizada no arrependimento, que tem sua expressão concreta no planejamento e nas medidas de uma práxis diferente”.
É por isso que "a Igreja na Alemanha empreendeu o caminho sinodal". E não há dúvida de que reflete a situação alemã, algo “inevitável no caso de pecados estruturais. Se um processo semelhante fosse iniciado na Itália, isso se veria muito rapidamente” (toda referência…).
Mas aqui está o ponto: à luz da Episcopalis communio e sua Carta ao povo de Deus na Alemanha surge uma "pergunta teológica": pode-se dar "um passo para o reconhecimento e a concretização da sinodalidade sem reconhecer a crise dos abusos e enfrentar a sua solução? A Secretaria de Estado parece querer que a Igreja alemã faça exatamente isso".
Para o teólogo, porém, isso “não é possível”. Porque "levaria a uma contradição interna: se o processo sinodal (...) diz respeito à análise e ao aprofundamento da natureza da Igreja, não é possível prescindir do estado atual como ponto de partida: a distância do próprio ser através do caso do abuso, que devemos confessar diante de Deus e do povo de Deus, e a conversão constituem o ponto de partida do caminho rumo à sinodalidade".
Talvez outras conferências episcopais não estejam prontas, mesmo que "o reconhecimento das vítimas" das violências e dos abusos e algumas formas de ressarcimento tenham ocorrido em vários países, mas não em todos, também devido ao diferente status jurídico das conferências episcopais nacionais.
“A teologia tem a tarefa de apresentar a ratio fidei. Tem uma função de serviço à liderança da Igreja e do povo de Deus. Só pode ser eficaz por meio de sua palavra. Nesse sentido, é pobre e impotente. Mas a sua responsabilidade e a sua força residem ao mesmo tempo nesse serviço”.
A longa carta se conclui com uma “sugestão concreta” que diz respeito ao Documento para a etapa sinodal, que não era conhecida no momento da redação do texto. Hünermann afirma que constitui mais uma oportunidade para “sublinhar o problema dos abusos como ponto de partida concreto” para a desejada realização da sinodalidade. “O que à primeira vista pode parecer a alguns bispos uma complicação para chegar a uma real sinodalidade, na verdade se revelará um ganho para uma solução sólida e duradoura (...) O futuro da Igreja depende disso”.
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O teólogo Hünermann: Caro Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU