22 Outubro 2022
O novo livro de John McGreevy, “Catholicism: A Global History from the French Revolution to Pope Francis” (Catolicismo: uma história global da Revolução Francesa até o Papa Francisco, em tradução livre), é ambicioso. Mesmo com pouco mais de 400 páginas, como fazer uma história “global” ao longo de séculos tão importantes? E fazê-lo em um momento em que a maioria das pesquisas acadêmicas é cada vez mais especializada e focada?
Livro "Catholicism: A Global History from the French Revolution to Pope Francis" | Foto: divulgação
O comentário é do jornalista Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 17-10-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
McGreevy, que é o reitor da Universidade de Notre Dame, de alguma forma consegue fazer isso. A habilidade necessária aqui não é tanto editorial, embora a capacidade de condensar eventos e argumentos complicados em prosa concisa ajude enormemente. Não, a habilidade mais essencial para alcançar uma história equilibrada, ponderada e legível como esta é a sensatez, a capacidade de atribuir os valores adequados aos diferentes eventos e pessoas pesquisadas, pesando cada um em termos de seu significado para o arco da história como um todo.
Vivemos em uma época de tom e temperamento ideológico, como são os séculos pesquisados neste livro, e a escrita da história não foi poupada por essa realidade. Mas a história é inimiga da ideologia. Complica narrativas e revela exceções a temas dominantes. A facticidade resiste ao tipo de explicações monocausais que tornam os paradigmas possíveis. A história nos impede, ou deveria nos impedir, de sobrepor as atitudes do século XIX no século XVIII ou confundir atitudes comuns em um meio protestante como os Estados Unidos com atitudes encontradas em um católico. De todos esses pecados historiográficos, o livro de McGreevy está esplêndida e misericordiosamente livre.
Os capítulos que abrem o livro detalham não apenas os principais temas que caracterizaram a Revolução Francesa (e o turbilhão filosófico e cultural que a precedeu e acompanhou), mas mostram como alguns deles encontraram uma audiência simpática em certos círculos católicos. Apenas um tempo depois os católicos passaram a ver a Revolução Francesa como um desastre total e condenaram quaisquer ideias associadas a ela. Na época, havia católicos, e até clérigos, que apoiavam os direitos de uma Igreja nacional contra as invasões papais, que apoiavam a supressão da Companhia de Jesus por causa de seu ultramontanismo, que suprimiam a devoção ao Sagrado Coração de Jesus que os jesuítas promoviam, etc. Desemaranhar esses temas e os personagens que os sustentavam, e colocar tudo no contexto da marcha de eventos relâmpagos, é uma das conquistas de McGreevy.
Aqui, também, registraria uma das poucas omissões que chega ao nível de reclamação. Ao olhar para a vida de John Carroll, o primeiro bispo dos Estados Unidos, McGreevy o coloca entre aqueles que abraçaram uma espécie de iluminismo católico. “Carroll pediu a um conhecido inglês que o enviasse escrevendo sobre os limites da autoridade papal e a conveniência da liturgia no vernáculo”, escreve McGreevy. “Por um tempo, John Carroll favoreceu os padres que elegeram seus bispos conforme recomendado no Sínodo de Pistoia”. Tudo verdade.
McGreevy não está sozinho nesta caracterização do primeiro bispo nos Estados Unidos. Estimados historiadores da Igreja como Joseph Chinnici, Jay Dolan e James Hennessey fizeram argumentos semelhantes de que Carroll simpatizava com o iluminismo católico. Há muito tempo fui persuadido pelos contra-argumentos do falecido historiador jesuíta Charles Edwards O'Neill, que detalhou as muitas maneiras pelas quais Carroll exibiu precisamente as atitudes que o iluminismo católico abominava. Você pode escolher qual lado você acha que tem o melhor argumento. Mas McGreevy deveria ter notado que Carroll era um jesuíta, então havia limites claros para suas simpatias pelos reformadores católicos!
O período do fim da era revolucionária com a derrota de Napoleão em Waterloo em 1815 até as revoluções de 1848, que empurraram o papado diretamente para o campo reacionário, é um dos mais interessantes da história católica, mas também um dos menos estudado, pelo menos neste país. Pensadores importantes como Charles Forbes René de Montalembert e Félicité de Lammenais, dois líderes do catolicismo liberal nesta época, ganham vida na narrativa de McGreevy, complicando a narrativa dominante de uma Igreja cada vez mais conservadora e ultramontana.
De modo semelhante, o tratamento de McGreevy a Jacques Maritain apresentará a uma nova geração de leitores o homem que, mais do que qualquer outro, reviveu o pensamento político católico em meados do século XX e lançou as bases para o que continua a ser a ordem política mais consistente com o ensino social católico, as democracias cristãs da Europa do pós-guerra.
Não são apenas as pessoas que se beneficiam do tratamento de McGreevy. Fatos sociológicos amplos como colonialismo e descolonização são habilmente tratados, com o quadro amplo emergindo, mas nunca de maneira a apagar particularidades que complicam ou refinam esse quadro. Por exemplo, McGreevy não apenas apresenta os principais defensores do clero indígena e da acomodação à cultura local no catolicismo da era colonial, evangelistas como Vincent Lebbe e Ma Xiangbo, mas também como o papado veio a se alinhar com esse desejo de construir uma igreja indígena mesmo diante das críticas e hostilidade das potências coloniais.
Quando McGreevy chega ao Vaticano II, suas habilidades como cronista brilham. Ao detalhar os desafios pré-conciliares do pós-guerra que tornaram necessária a convocação de um Concílio, ele escreve:
"Outro desafio inesperado foi a prosperidade. O boom econômico na Europa Ocidental e na América do Norte após a Segunda Guerra Mundial atraiu milhões de católicos, tanto ou mais do que qualquer outro grupo, para a classe média. Os níveis de renda dos católicos na Alemanha Ocidental e nos Estados Unidos atingiram ou excederam as médias nacionais pela primeira vez no início dos anos 1960. Um sociólogo jesuíta se perguntou se a ‘solidariedade de grupo’ poderia murchar. ‘Não é tanto que a religião e a lei moral sejam negadas ou rejeitadas’, escreveu ele, ‘[mas que] elas são simplesmente julgadas não pertinentes como normas orientadoras da ação prática'".
Infelizmente, alguns de nossos amigos conservadores, mesmo com o benefício da retrospectiva, ainda não conseguem ver essa realidade.
E, logo na página seguinte, descrevendo os clérigos, e eles eram todos clérigos, escolhidos para preparar rascunhos de textos para o Concílio, McnGreevy compartilha uma citação de Henri de Lubac que eu nunca tinha ouvido antes. Os clérigos da cúria que redigiram os rascunhos habitavam “um pequeno sistema acadêmico, ultra-academicista sem ser intelectual”. Ai, esse golpe doeu.
Se eu fosse o editor de McGreevy, teria sugerido concluir este livro com o encerramento do Vaticano II, ou pelo menos com os desenvolvimentos pós-conciliares imediatos, como o surgimento da Teologia da Libertação e a repressão de Roma contra ela. Em vez disso, o capítulo final é sobre a crise dos abusos sexuais, e isso me parece ainda um assunto para jornalistas. Os jornalistas escrevem o primeiro rascunho da história, não o último, e o inverso também é verdadeiro.
Os historiadores precisam ter acesso aos arquivos do Papa João Paulo II e às correspondências de figuras-chave na hierarquia antes que uma história da crise possa ser adequadamente escrita e características-chave, opacas no momento, possam emergir. A história é a sangue-frio e é o seu distanciamento temporal que permite que o sangue esfrie.
Tais sofismas são pequenos detalhes em um livro com 66 páginas de notas de rodapé! Este é um excelente livro que cumpre plenamente suas ambições. Dada a hiperespecialização de tanta história acadêmica nos dias de hoje, a realização aqui é ainda mais notável: um tratamento legível, completo e judicioso de uma instituição global ao longo de mais de dois séculos. Se você é um bispo pensando em que presente dar a seu clero no Natal, ou uma diretora de escola católica pensando o mesmo para seu corpo docente, dar uma cópia deste livro pode ser muito melhor que outras opções.
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Novo livro de John McGreevy traça magistralmente a história da Igreja desde a Revolução Francesa até o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU