07 Outubro 2022
A Santa Sé enfrenta um aumento dramático nas tensões com o regime do presidente Daniel Ortega, que continua a aumentar a pressão sobre a Igreja Católica.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix, 05-10-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Essas coisas são difíceis de entender”, respondeu o Papa Francisco quando perguntado por jornalistas em seu voo de volta do Cazaquistão no mês passado sobre o que poderia ter levado o governo da Nicarágua a endurecer sua posição contra a Igreja Católica ao longo de apenas algumas semanas.
O papa não escondeu sua perplexidade durante a coletiva de imprensa no voo de 15 de setembro.
Quando o dom Waldemar Stanisław Sommertag, núncio-apostólico em Manágua desde 2018, foi repentinamente expulso do país centro-americano em março passado, causando ondas de choque em Roma.
O Vaticano chamou a expulsão do núncio de “medida incompreensível” que era “grave e injustificada”.
Desde então, a repressão do governo do presidente Daniel Ortega contra a Igreja Católica continuou a crescer.
As Missionárias da Caridade, congregação religiosa fundada por Madre Teresa de Calcutá, foram expulsas da Nicarágua no final de junho.
E então, dom Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa, foi preso pela polícia em 19 de agosto e colocado em prisão domiciliar na capital.
Sua situação é apenas um pouco melhor do que a dos oito padres atualmente presos na prisão de El Chipote. As condições neste centro de detenção no centro de Manágua são particularmente duras.
“Eles fazem a tortura do quarto branco lá. A luz branca fica acesa noite e dia, há paredes brancas, isolamento total e proibição de visitas”, lamentou uma fonte do Vaticano.
Relações diplomáticas no ponto de ruptura
O regime de Ortega também expulsou representantes da União Europeia e da Holanda. E se recusou a conceder credenciamento ao representante dos Estados Unidos. Os desdobramentos colocaram a Santa Sé em uma situação de ruptura das relações diplomáticas com Manágua.
A mais recente embaixadora da Nicarágua na Santa Sé apresentou suas credenciais em abril de 2021, mas deixou seu cargo apenas cinco meses depois. Um substituto foi nomeado, mas a nomeação do diplomata foi cancelada em março passado, logo após a expulsão do núncio papal.
É verdade que um conselheiro eclesiástico ainda reside na nunciatura apostólica em Manágua, mas não tem mais “nenhum contato” com o governo nicaraguense, segundo nossas informações.
Apenas o cardeal arcebispo de Manágua, Leopoldo Brenes, ainda mantém uma “relação microscópica” com o governo, segundo uma fonte em Roma.
Uma comissão do Vaticano em Manágua?
Como em muitas chancelarias, a diplomacia vaticana está formulando hipóteses para explicar a atitude do presidente nicaraguense.
“Alguém poderia pensar que Ortega está convencido de que não precisa mais do Ocidente e que, portanto, pode se isolar sem nenhum problema”, disse um funcionário do Vaticano.
“Ele chegou a um acordo com a Rússia ou a China, que lhe permitiria passar sem o apoio das democracias ocidentais?”, o funcionário meditou.
Não escapou à atenção de ninguém em Roma que a “comissão para o desenvolvimento da energia nuclear”, cuja criação foi assinada no final de agosto pelo presidente Ortega, é apoiada pelos russos.
Os recentes acontecimentos, bem como os comentários de Ortega em 28 de setembro de que a Igreja Católica é uma “ditadura perfeita”, enfraqueceram ainda mais os laços entre a Santa Sé e a Nicarágua.
O Vaticano havia planejado enviar membros da Pontifícia Comissão para a América Latina – incluindo seu presidente, o cardeal canadense Marc Ouellet – à Nicarágua. Mas cancelou a viagem, não querendo arriscar a humilhação de ser recusado no aeroporto de Manágua, segundo uma avaliação cautelosa em Roma.
O foco agora está em outro objetivo: abrir a possibilidade de famílias de padres presos visitarem seus entes queridos. Esta autorização, por razões estritamente humanitárias, seria um “primeiro passo muito, muito pequeno”.
Uma autoridade do Vaticano disse que o papa está acompanhando a situação “pessoalmente, muito de perto”, mas prefere permanecer em silêncio, além de sua declaração no avião.
“Uma palavra descuidada, uma palavra mal interpretada pode ter consequências dramáticas dentro do país”, disse o funcionário.
Os bispos da Nicarágua também pediram ao Vaticano que limitasse ao máximo quaisquer declarações públicas.
Mas esse silêncio deixa outras nações ocidentais bastante perplexas.
“Eu realmente não entendo a estratégia”, disse um diplomata ocidental enviado à Santa Sé.
“Temos medo de prejudicar os católicos? Mas não pode ser pior, e eles também não podem matar o bispo. Temos que dizer alguma coisa”, disse o enviado.
“A situação é complicada, delicada”, admitiu há alguns dias um alto funcionário do Vaticano.
“Mas queremos deixar a porta aberta para o diálogo”.
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Vaticano busca maneiras de restaurar o diálogo com a Nicarágua - Instituto Humanitas Unisinos - IHU