Os candidatos apoiados por Bolsonaro, Mauro Mendes, que tenta a reeleição, e por Lula, Marcia Pinheiro, vão seguir com uma política agrária forte.
A reportagem é de Keka Werneck, publicada por Amazônia Real, 28-09-2022.
Berço do agronegócio na Amazônia Legal, Mato Grosso é um Estado que, a julgar pelas campanhas eleitorais, continuará em poder da oligarquia ruralista. A face agrária está presente nos programas de governo do candidato à reeleição Mauro Mendes (União Brasil), de 58 anos, apoiado por Jair Bolsonaro, e de Marcia Pinheiro (PV), de 54, apoiada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e atual primeira-dama da capital Cuiabá.
Quem ganhar, além de seguir com uma política agrária forte, terá pela frente a discussão sobre a saída ou não de Mato Grosso da Amazônia Legal, uma área criada na década de 50 pelo governo brasileiro para organizar os Estados brasileiros. Em 2022, o deputado federal Juarez Costa (MDB) apresentou o PL 337/22 para excluir seu Estado desta configuração geopolítica. A intenção encampada pelo agronegócio é acabar com a obrigação de manter 80% de reserva legal das florestas, como é na Amazônia. Fora desse bioma, este percentual cai para 20%.
Estado que está permanentemente no topo do desmatamento, ao lado do Pará e Amazonas, Mato Grosso enfrentou, nos últimos anos, incêndios florestais. Em 2020, o fogo devastou grandes áreas de florestas do pantanal e matou milhares de animais silvestres, causando comoção no País. Mato Grosso é o único Estado da Amazônia Legal que possui três biomas: Amazônia, Pantanal e Cerrado.
A proposta de retirada do Estado da Amazônia Legal é temida pelos dois principais candidatos, mas não pela preocupação ambiental. Essa saída traria, na visão deles, danos econômicos, pois implicaria em perda de incentivos fiscais e de investimentos na região.
“Se tira o Estado da Amazônia Legal, perde esse incentivo e isso é muito ruim. Se sair e mantiver o incentivo, tudo bem”, disse Mauro Mendes, em entrevista à Rádio Capital, em Cuiabá, em março deste ano. Ele é o candidato que apoia o presidente Jair Bolsonaro (PL) e é apoiado por ele.
Governador e empresário do ramo da metalurgia, Mauro Mendes tenta a reeleição. As pesquisas indicam que ele está praticamente com o segundo mandato garantido. Em seu programa de governo, Mauro Mendes usa a palavra “floresta” como proposta de “uso sustentável para reduzir índices de desmatamento”. E ele diz querer “fomentar o aumento da área de florestas plantadas”, perseguindo a meta de “produzir, conservar e incluir (PCI)”.
Márcia Pinheiro, candidata ao governo do Mato Grosso, apoiada pelo ex-presidente Lula (Foto:Reprodução | Redes sociais)
Com os povos indígenas, a relação de Mauro Mendes é de exploração dos recursos da floresta e incentivo à política da monocultura. Isso provoca a divisão de muitos povos, como acontece entre os indígenas Xavante, conforme a Amazônia Real revelou. Em seu programa de governo, promete fortalecer a educação de indígenas e quilombolas, ao mesmo tempo que quer incentivar a agricultura familiar entre essa população.
A candidata de oposição Marcia Pinheiro (PV) é esposa do prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB). Ela tem o apoio do líder das pesquisas na corrida presidencial, mas também do candidato ao Senado, Neri Geller (PP). O senador se projetou junto ao setor agro e foi indicado como relator do Projeto de Lei (PL) 337/2022, apresentado por Juarez Costa. Neri Geller é um conhecido político antiindígena, cuja carreira é marcada por projetos antiambientais. Ele é um dos mais notórios defensores do “marco temporal”, que acaba com a demarcação de terras indígenas.
Sobre a saída do Mato Grosso da Amazônia Legal, Marcia Pinheiro expressa opinião igual à do adversário. “Precisamos discutir mais sobre isso porque se nós aceitarmos a saída perderemos benefícios”, respondeu ela a uma pergunta da Amazônia Real, durante entrevista coletiva em seu comitê.
Segundo a candidata, a floresta amazônica é uma riqueza importante e questões relativas a ela não devem se limitar ao período eleitoral. “Temos que discutir com a bancada, com a sociedade civil organizada, diversos setores, porque a floresta não é da Marcia, e sim de Mato Grosso”, esquiva-se.
Embora não tenha nada em seu plano de governo sobre pautas ambientais que protejam a diversidade e a floresta de seu Estado, Márcia Pinheiro critica o governo Bolsonaro sobre o assunto.
“O mundo inteiro inclusive está falando sobre isso, que comunga entre a falta de conscientização das pessoas, a questão de empresários mal-intencionados que querem queimar para produzir, passa pela fiscalização eminentemente tanto do governo estadual, quanto federal”, comenta.
Se eleita, Marcia pensa em organizar uma força-tarefa protetiva, “porque a Amazônia é muito grande” (sem entrar em detalhes). E defende a proposta de “aumentar o agronegócio sem prejudicar os limites (da Amazônia Legal).”
“Esse é nosso grande desafio. Precisamos que o agro produza, mas também precisamos de cada vez menos agredir o meio ambiente”, completou. Apesar do apoio de Lula, Marcia tem poucas chances de vitória. No Estado, Mauro e Bolsonaro contam com apoio do setor do agronegócio, que ganha destaque nas duas candidaturas.
Mauro Mendes ao lado do presidente Jair Messias Bolsonaro, que apoia sua reeleição (Foto: Reprodução | Redes Sociais)
Antes mesmo da campanha eleitoral começar, a parceria Bolsonaro-Mauro já havia sido anunciada. No Palácio da Alvorada, em abril, o presidente disse estar 100% fechado com Mauro, atendendo às vozes do agro. Desde então, o ainda pré-candidato Mauro já apoiava a reeleição do presidente, ignorando inclusive a sua correligionária, a senadora Soraya Thronicke (União), candidata à presidência da República.
Mesmo não sendo um político do campo da extrema direita, Mauro pegou carona no bonde bolsonarista, que tem como ideais a defesa do agronegócio e os ataques à floresta, às áreas de conservação, os territórios indígenas e demais áreas protegidas, com limites proibitivos para plantio e pecuária.
O candidato a vice-governador de Mauro Mendes é Otaviano Pivetta (Republicanos) – um dos nomes mais fortes do setor rural em Mato Grosso. Pivetta é um gaúcho que migrou para Mato Grosso no início da década de 1980, atrás de terras. Virou um agropecuarista milionário. É atualmente um dos maiores empresários do ramo no país. Como candidato, declarou patrimônio de 378.869.597,56 de reais.
Máquina pulveriza agrotóxicos sobre plantação de soja, no estado de Mato Grosso (Foto: Bruno Kelly/Greenpeace)
A engenheira agrônoma Fran Paula, educadora da organização Fase, no município de Cáceres (MT), afirma que o agronegócio em Mato Grosso e em outros Estados da Amazônia Legal está centrado na produção de grãos e outras commodities e atende a interesses econômicos e lucrativos de grandes corporações. Daí, as contradições que são facilmente vistas quando se compara a falta de alimentos e a fome da população em um Estado potente na produção de grãos.
“O agronegócio não produz alimentos. Um dado bem interessante, que vai comprovar isso, são recentes levantamentos sobre insegurança alimentar e nutricional nos Estados da Amazônia Legal, citando Mato Grosso em primeiro lugar no Centro-Oeste em situação de fome. Isso demonstra que o modelo não produz alimentos e não distribui riquezas ou desenvolvimento para o Estado”, explica Fran Paula.
Procurado pela reportagem, o candidato Mauro Mendes não respondeu. Já a candidata Márcia Pinheiro afirmou à Amazônia Real que seu governo propõe compromissos com o agronegócio, entre eles “desenvolver modelos menos burocráticos com maior segurança jurídica no ambiente de negócios; simplificar, desburocratizar, apoiar e estimular a expansão do agronegócio; e desburocratizar o sistema tributário, de licenciamento ambiental”.
Sobre a violência no campo, Marcia Pinheiro disse que a saída não é o armamento da população, mas o fortalecimento do aparato policial. “Temos municípios que têm no máximo dois agentes, como podem combater isso, como podem cuidar das fazendas, chácaras, não têm armamento, não tem policiais, não tem viaturas”. Ela disse acreditar que a polícia, estruturada e com acesso a tecnologia, pode conter os indicadores de violência no campo.
Queimadas em Nova Maringá, Mato Grosso (Foto: Christian Braga | Greenpeace)
Diante de uma frente como essa, ambientalistas acreditam que, ao final da eleição, Mato Grosso continuará sob a ofensiva ruralista que privilegia os interesses dos grandes proprietários rurais e os modelos econômicos que desmatam e devastam a floresta.
De acordo com dados do Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), sistema de monitoramento do Inpe, o desmatamento esteve muito alto na Amazônia Legal de 1988 a 2004. Depois então foi baixando consideravelmente. Porém, nos últimos três anos, o gráfico voltou a ter uma rota ascendente, sobretudo em 2021.
Na taxa de desmatamento acumulado na Amazônia Legal, Mato Grosso ocupa a segunda posição, sendo responsável por 31,93% da devastação (150.151 quilômetros quadrados), perdendo apenas para o Pará (34,58%).
Para Herman Oliveira, secretário executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), a grande dificuldade em barrar a escalada do desmatamento é a tolerância à invasão sem a devida desintrusão de grileiros, a impunidade inclusive com anuência estatal e, nos últimos quatro anos, o discurso permissivo de Bolsonaro, que também se repete entre os políticos regionais e locais.
“A postura dele favorece o aumento do desmatamento e das queimadas, além de crime de mineração, violência no campo e mortes, são fruto do sentimento de autorização, de impunidade, que esse segmento criminoso tem em relação ao seu próprio crime”, diz Oliveira.
Mato Grosso é um dos estados que lideram em mortes por conflitos agrários, segundo a CPT (Foto: Reprodução | CPT-MT)
Kamila Fernandes Picalho, da Coordenação Colegiada do Regional Mato Grosso da Comissão Pastoral da Terra (CPT), afirma que a frente bolsonarista traz o anúncio de mortes no campo. Indicadores de violência rural explodiram no governo de Bolsonaro, como mostra o mapa “Conflitos no Campo 2021”. Mato Grosso ficou em 1° lugar em ocorrências de conflitos no campo na região Centro-Oeste, e no Brasil em 6º.
“Fazendo o recorte no governo Bolsonaro, podemos constatar que foi o período em que houve o maior número de ocorrências em conflitos por terra desde a redemocratização em 1985. Com maior número de famílias envolvidas em conflitos por terra e despejadas desde 2003, de pessoas ameaçadas desde 2013 e de famílias que sofreram ações de pistoleiros desde 2004”, afirma a coordenadora.
A CPT vê esse aumento de violência no campo como uma das consequências diretas das flexibilizações para a compra de armas e munições promovida por Bolsonaro. “Não é coincidência que estamos no período mais violento do campo nos últimos 36 anos. Quem se beneficia dessas medidas e principalmente dessas declarações do atual governo federal, são os grileiros, que usam da narrativa distorcida de proteção da propriedade privada, para promoverem a pistolagem”.
A cientista política e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Alair Suzeti da Silveira, que pesquisa relações de poder, democracia, partidos políticos, estado e governo, destaca que “Bolsonaro tem representado a liberação de monstros socialmente selvagens, avessos às regras do jogo societário e democrático”. E, segundo ela, faz isso capilarmente pelo país usando seus apoiadores como braços.
“Mauro Mendes e seus ataques aos direitos dos povos originários e ao meio-ambiente, seu compromisso com o agronegócio, seu escárnio com as ‘filas por ossinhos’, seu desrespeito aos servidores públicos, não difere de Bolsonaro, nem de Ricardo Salles ou de tantos que estão, anônimos, dentro do Congresso Nacional ou da Assembleia Legislativa”, diz Alair Suzetti da Silveira, mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo. A fila do ossinho, à qual a socióloga se refere, é uma cena que rodou o País e mostra pessoas recebendo doações na frente de um açougue. Na época, o governador Mauro Mendes se incomodou com a repercussão e em uma conversa com jornalistas, em 7 de julho em Cuiabá, afirmou que o açougue distribuiu ossos de “qualidade” aos moradores. “O ossinho que ele dá há quase 15 anos lá, você come em restaurante como ossobuco”, disse, conforme publicado na revista CartaCapital.