Em 11 anos, fazendas de soja no Mato Grosso desmataram 468 mil hectares ilegalmente

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17 Fevereiro 2022

 

Maior produtor de soja do país, estado perdeu quase meio milhão de hectares de vegetação nativa, tanto no Cerrado quanto na Amazônia, pro desmatamento ilegal em fazendas da commodity.

 

A reportagem é de Duda Menegassi, publicada por ((o))eco, 14-02-2022.

 

Em onze anos, 92% dos desmatamentos que ocorreram em fazendas de soja no Mato Grosso foram ilegais, ou seja, feitos sem a autorização dos órgãos ambientais. Os dados são referentes ao período entre agosto de 2008 e julho de 2019 e fazem parte de um levantamento realizado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) que analisou as irregularidades ambientais da produção da commodity no estado, o maior produtor e exportador de soja do país.

O estudo foi publicado na última quinta-feira (10) e é intitulado “Soja e desmatamento ilegal: estado da arte e diretrizes para um protocolo ampliado de grãos em Mato Grosso”.

Nesse período, entre 2008 e 2019, mais de meio milhão de hectares de vegetação nativa no Mato Grosso (511 mil hectares) foi desmatado dentro de 3.516 imóveis que cultivaram soja em 2019 – o equivalente a cerca de 20% do total desmatado no estado. Destes, 468,1 mil hectares, o equivalente a 92%, foram derrubados de forma ilegal. Ou seja, para cada hectare de vegetação desmatado legalmente, outros 11 foram destruídos sem autorização do órgão ambiental.

Desse total, 307,6 mil hectares, ou 65,8% das áreas desmatadas em fazendas de soja, estavam no Cerrado, quase duas vezes mais que na Amazônia, onde ocorreram os outros 159,6 mil hectares de vegetação destruída ilegalmente em imóveis com cultivo de soja.

O estudo ressalta ainda que apenas uma fração das propriedades, 176 imóveis, concentraram mais da metade do desmatamento ilegal do estado – a maioria (85%) grandes propriedades, com área superior a 1.500 hectares.

O padrão de concentração do desmatamento também se repete entre os municípios, apenas 15 responderam por mais da metade da derrubada ilegal, oito deles na Amazônia e sete no Cerrado.

O município de Paranatinga, situado no Cerrado, foi o líder disparado de área desmatada ilegalmente em fazendas de soja, com mais de 54 mil hectares de vegetação derrubada de forma irregular. Os municípios de Feliz Natal (21.416 hectares), Nova Ubiratã (18.168), São Félix do Araguaia (16.445) e Sapezal (com 15.288 hectares desmatados) completam o infame “top 5” matogrossense do desmatamento ilegal associado à soja.

Apesar do caráter ilegal de quase todos os desmatamentos ocorridos em fazendas de soja entre 2008 e 2019, apenas 30% dessas propriedades sofreram algum tipo de embargo, seja federal (pelo Ibama) ou estadual (pela Sema/MT).

Em quase 80% desses casos, o equivalente a 838 imóveis, os polígonos dos embargos mostraram sobreposição integral ou parcial com áreas desmatadas. Apenas 22 desses imóveis com embargos apresentam áreas em processo de regularização ambiental, segundo os dados do Programa de Regularização Ambiental do estado (PRA), detalha o estudo.

O levantamento destaca também que a maior parte da área cultivada com soja em 2019 ocorreu em desmatamentos realizados em anos anteriores. “Seguindo a dinâmica de expansão da soja e desmatamento, raramente a conversão de florestas em cultivos de soja se dá de maneira direta. Em geral, as áreas desmatadas são inicialmente destinadas a outros usos, como pastagem para pecuária, e são posteriormente convertidas em plantações de soja”, explica o documento.

 

O avanço da soja


Na última década, a área ocupada por soja no Brasil quase triplicou, saltou de 13,4 para 34,2 milhões de hectares. Apenas no Mato Grosso, a área total de cultivo da commodity ultrapassou 10 milhões de hectares em 2020, que produzem mais de 35 milhões de toneladas de soja por ano – o líder do país no setor. Dados para o ano de 2021 mostram que 80% da soja cultivada no estado foi exportada, e o restante da produção foi absorvido pelo mercado doméstico.

 

(Foto: Rodolfo Perdigao | Governo MT)

 

“Nas duas últimas décadas, a conversão direta em cultivos de soja foi responsável por 5% de toda a perda de vegetação nativa na América do Sul: foram 3,4 milhões de hectares. Destes,1,5 milhão (44%) foram no Cerrado e 0,7 milhão na Amazônia. No entanto, em ambos os biomas, para cada hectare de pastagem ocupado por soja pelo menos um hectare de vegetação nativa é convertido em pastagem, fato que sugere que a soja é um vetor importante de conversão indireta da vegetação nativa. Atualmente, a Amazônia e o Cerrado, onde se concentram, respectivamente, 14,6% e 55,1% de toda a área de soja plantada no Brasil, são os biomas mais ameaçados pela expansão do grão”, descreve o estudo.

A publicação alerta, entretanto, que a pressão da soja é ainda mais preocupante no Cerrado, pois as projeções indicam que, entre 2021 e 2050, novos 12,4 milhões de hectares deverão ser ocupados pelo grão, sendo 10,8 milhões no Cerrado. “Apenas 13% do Cerrado brasileiro está legalmente protegido em Unidades de Conservação (UCs) ou Terras Indígenas (TIs), e a obrigatoriedade de manter a vegetação nativa em imóveis rurais nesse bioma é de apenas 20 a 35% da área”, destaca o texto.

Os pesquisadores também ressaltam que a Moratória da Soja, compromisso criado em 2006 para evitar a compra e exportação de soja oriunda de áreas desmatadas após julho de 2008, restringe-se ao bioma Amazônia. Eles ressaltam ainda que, no mecanismo de monitoramento da moratória, o desmatamento que ocorre dentro dos imóveis com soja, mas fora da área de cultivo, mesmo sendo desmatamento ilegal, está fora do escopo do acordo. “Ou seja, a conformidade ambiental em nível de propriedade não é monitorada”, apontam.

“Apenas na Amazônia mato-grossense, o desmatamento total em imóveis com soja somou mais de 193 mil hectares. Foram 75 mil hectares de desmatamento em áreas com cultivo de soja em 2019 e 118 mil hectares em áreas sem cultivo, mas dentro do imóvel”, revela o levantamento, que reforça a necessidade do mecanismo considerar a conformidade ambiental do imóvel em sua totalidade, não apenas a área cultivada.

“O Mato Grosso precisa de um acordo mais abrangente, que monitore fazendas inteiras, inclua outras culturas e aumente a transparência dos processos de auditoria e resultados”, afirma a coordenadora do programa de Transparência Ambiental do ICV, Ana Paula Valdiones, uma das autoras do estudo.

Entre as outras diretrizes sugeridas pela publicação do ICV estão a criação de um protocolo ampliado para todo o estado do Mato Grosso, com critérios-chave como o monitoramento do desmatamento nas fazendas, não apenas de soja, mas também de outros grãos como milho e arroz, e imóveis rurais em geral, e que haja ampla transparência dos resultados do monitoramento e da auditagem dos dados.

 

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