22 Setembro 2022
O presidente Emmanuel Macron da França anunciou recentemente planos para abrir um debate público nacional sobre questões de fim de vida, incluindo a possível legalização do suicídio assistido.
Isso ocorre depois que o Comitê Consultivo Nacional de Ética (CCNE) do país decidiu que “a assistência ativa ao morrer” poderia ser aplicada na França “sob certas condições estritas”.
Sob a lei atual de 2016, os médicos franceses podem manter pacientes terminais sedados até a morte, mas o suicídio assistido não é legal.
A eutanásia é atualmente legal sob certas condições na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Suíça.
Membros da Conferência Episcopal da França (CEF) denunciaram planos para sua legalização em seu país.
O arcebispo Pierre d'Ornellas, de Rennes, chefe do grupo de trabalho de bioética da CEF, diz que a legalização do suicídio assistido significaria a “relativização da proibição de matar”.
A entrevista é de Céline Hoyeau, publicada por La Croix, 20-09-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Até agora, o CCNE, que emitiu vários pareceres sobre o fim da vida, tem sido muito cauteloso sobre a morte ativamente assistida. Desta vez, aponta que pode, sob certas condições, atender aos imperativos éticos de nossa sociedade. Como você reage a essa opinião?
A pretexto de um pequeno número de casos, o CCNE abre caminho para a relativização da proibição de matar. Em vez disso, reconhece que é fundamental para a nossa sociedade.
Isso cria uma reviravolta séria! Coloca diferentes direitos um ao lado do outro, buscando um “equilíbrio” sem hierarquia. A reflexão é incompleta, sem argumentos éticos reais.
Isso afirma que a proibição de matar não é uma “intransigência”, como sugere o CCNE, mas fruto de uma reflexão ética que estabeleceu a prioridade!
Isso será discutido na convenção dos cidadãos anunciada pelo presidente Macron...
O debate anunciado merece o envolvimento de todos, em particular dos profissionais de saúde, daqueles que estão próximos dos doentes e das suas famílias, daqueles que vivem a realidade do fim da vida em toda a sua complexidade.
Sobre este delicado tema, somente reflexões fundamentadas, alimentadas por uma visão do ser humano e amadurecidas pela escuta das experiências, podem alimentar um verdadeiro diálogo onde todos busquem honestamente o caminho ético certo para toda a sociedade.
Em quais argumentos você vai se basear?
A fé em Deus fornece insights valiosos. Mas a razão tem argumentos sérios para a proibição de matar e pode iluminar todos os debates.
Na questão do fim da vida, pleiteamos em 2018 a construção da fraternidade. Segundo Paul Ricoeur, essa construção passa pela aliança entre o paciente e seu cuidador.
Se não formos capazes de construir uma aliança com um ser humano frágil e sofredor, a ponto de eliminar a pessoa, nossa sociedade está em perigo.
A razão não aceita a contradição do CCNE quando legitima essa eliminação e, ao mesmo tempo, considera “intolerável” que pessoas dependentes se sintam desvalorizadas e excluídas.
Devemos ir até o fim de sua reflexão quando evoca “a sutil fecundidade inerente à experiência da vulnerabilidade”.
Os defensores da morte assistida dizem que isso pode ser visto como um ato de compaixão.
O CCNE ousa escrever que é um gesto de fraternidade. Que abuso de linguagem!
Que fraternidade o suicídio assistido constrói? Nenhum, já que a vida é tirada.
A fraternidade é a construção de uma relação, de um futuro, por mais curto que seja. Provocar a morte ou causar a morte de uma pessoa é uma ruptura permanente de um relacionamento.
Ao contrário, a intenção de cuidar e acompanhar alguém para que tenha os momentos de vida mais tranquilos possível constrói uma fraternidade de vida.
Se a compaixão não gera vida, não é compaixão!
Quais seriam as consequências de uma mudança na lei em nossa sociedade?
Perderíamos a proibição fundamental “não matarás”, que também está incluída no Juramento de Hipócrates.
Essa proibição traça uma linha vermelha antes da qual somos levados coletivamente a discernir que esse outro frágil é nosso irmão ou irmã a ser acompanhado.
Obrigações positivas surgem disso.
Isso traz à tona em nós recursos surpreendentes da humanidade. Sem essa proibição, esses recursos deixarão de surgir e a sociedade será menos humana, mais violenta.
Quando visito unidades de cuidados paliativos, fico impressionado com a qualidade de vida, a humanidade surpreendente que se encontra ali.
Por outro lado, no ato que causa a morte, não há vida, mas sim uma ferida e menos humanidade.
Esse ato é violência, mesmo vestida com qualificadores. A consciência humana não está feita para este ato, nem pessoal nem socialmente.
A opinião do CCNE é baseada na noção de liberdade e autonomia. De que autonomia estamos falando?
O CCNE vislumbra a autonomia em uma sociedade individualista, visto que somos seres de relações.
O individualismo nunca é o fim da história para um ser humano. Quando enfraquecidos, experimentam a riqueza dos relacionamentos.
A pessoa dependente, doente, pode exercer sua autonomia confiando no cuidado alheio.
A autonomia só pode ser pensada dentro de uma relação que dê sentido, caso contrário corre-se o risco de prender o indivíduo em um disparate angustiante.
A opinião pública evoluiu nos últimos anos e muitos franceses dizem que estão abertos a uma mudança na lei...
Estão abertos porque são questionados quando estão em boas condições de saúde e porque desconhecem a relevância dos cuidados paliativos.
São vítimas da grave deficiência do Estado, que não desenvolveu uma “cultura paliativa”.
Você acredita no valor da convenção dos cidadãos, quando os Estados Gerais sobre Bioética e, mais recentemente, a Convenção dos Cidadãos sobre Mudanças Climáticas causaram muita decepção?
Essas decepções nos fazem duvidar da democracia. Precisamos devolver suas cartas de nobreza.
Eu ficaria preocupado se a convenção fosse mobilizada por este único pensamento: a lei deve ser mudada porque as pessoas morrem mal na França e há abusos... como é simplista!
Para já, é urgente apostar nos hospitais e lares de idosos para que quem tem a missão de cuidar do próximo seja reconhecido e tenha meios para o fazer da melhor forma possível, em instituições ou em casa.
A lei atual sobre o fim da vida é realmente suficiente?
O parecer do CCNE destaca que o atual sistema legislativo é suficiente para tudo o que diz respeito a prognósticos vitais de curto prazo e que, “antes de qualquer reforma”, os cuidados paliativos devem ser desenvolvidos.
A lei Claeys-Leonetti tem apenas seis anos. Não houve avaliação sobre isso. Falta-nos, portanto, critérios.
Seria honesto analisar de antemão a experiência desta lei e compensar o que está faltando para que possa ser mais amplamente aplicada. Caso contrário, é um voo de fantasia para aqueles que gritam alto sobre algumas situações.
Desde 1999, a lei estabelece que todo cidadão tem direito a cuidados paliativos. Isso é verdade se eles estão ou não no final da vida.
No entanto, 26 departamentos [dos 101 departamentos administrativos da França] não têm serviços de cuidados paliativos!
Todos sabemos que é urgente promover uma “cultura paliativa” em todos os lugares. É hora do Estado ouvir isso!
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“Que fraternidade o suicídio assistido constrói?” Entrevista com Pierre d'Ornellas de Rennes, bispo do grupo de bioética da Conferência Episcopal Francesa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU