15 Setembro 2022
"Nas religiões do mundo existem fortes forças que rejeitam e querem superar esse trágico vínculo entre Deus e a violência. Em seu empenho político com o mundo, as religiões deveriam ser guiadas por suas fontes proféticas e não pelos interesses dos poderosos. A verdadeira religião transforma a violência em amor (universal). Dignidade, igualdade, liberdade, justiça e paz com todos os homens e com a natureza estão enraizadas nisso", manifesta um grupo inter-religioso de teólogos e líderes ecleisiais, em carta publicada por Settimana News, 14-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vivemos em um mundo na corda bamba. Os desafios que a humanidade deve enfrentar são enormes:
→ Em muitas partes do mundo estão sendo travadas guerras bárbaras; a ameaça de um excesso de armas nucleares (ABC) e de desastres nucleares nas zonas de guerra é aguda.
→ O delicado sistema climático atingiu muitos pontos críticos; se estes forem excedidos, o espaço vital na terra está ameaçado.
→ As guerras, o desespero induzido pela pobreza e as catástrofes climáticas já levaram mais de 100 milhões de pessoas a fugir; as tensões políticas estão crescendo nos países que recebem refugiados.
→ Nos países ricos há um processo de informatização que está mudando a estrutura social de forma semelhante à industrialização.
→ A pandemia colocou na sombra esses processos, transferindo-os para o segundo plano. Nesse meio tempo, alcançaram a política.
Muitas pessoas estão perturbadas, o medo está se espalhando.
Muitas pessoas estão sentindo cada vez mais esses desenvolvimentos ameaçadores em suas vidas cotidianas. Florestas queimam na Europa. Os rios estão registrando baixos níveis de água sem precedentes. Em outros lugares há inundações.
Como o milho e o trigo da Ucrânia não podem ser transportados livremente, a fome está se agravando em muitas partes do mundo. Os preços da energia estão subindo em todo o mundo. Mesmo nos países ricos, o custo de vida está se tornando inacessível para as pessoas mais frágeis. Experiências desse tipo perturbam as pessoas. Causam medo. O medo depois destrói a solidariedade e cria uma atmosfera de crescente rivalidade.
Alguns populistas políticos e fundamentalistas religiosos usam o medo, a mentira e a ganância para ampliar os desníveis entre nações, culturas e religiões, alimentar o ódio e a violência, disseminar o nacionalismo (egoísmo nacional) e a xenofobia.
Nesta situação mundial, nós, signatários deste apelo, junto com muitas pessoas de boa vontade, estamos à busca de recursos que nos ajudem a resistir diante do medo e enfrentar os desafios com coragem.
Isso não pode ser obtido com promessas de segurança. Só a confiança pode nos encorajar a encontrar esperança e agir. Quanto mais angustiante a situação mundial, mais o mundo precisa de esperança. Somente dessa esperança os líderes e as populações não perderão a confiança na possibilidade de vencer os grandes desafios.
Para milhões de pessoas, as religiões do mundo foram e ainda são fonte de esperança e de força para superar o medo, o egoísmo e a resignação, uma inspiração para uma vida universalmente solidária.
O grande desejo de uma humanidade unida na justiça e na paz, para a qual as religiões lutam e trabalham, não perdeu a sua força e motiva cada vez mais pessoas, principalmente nos momentos de medo.
Ao mesmo tempo, estamos cientes de que as comunidades religiosas estão numa situação difícil neste momento em que há uma urgência tão grande delas. Até mesmo muitos crentes - incluindo o Papa Francisco - admitem dolorosamente que as religiões (as comunidades religiosas) são muitas vezes parte do problema e não da solução.
→ As igrejas cristãs na Europa estão perdendo confiança por uma série de grave motivos. Muitas vezes estão muito fechados em si mesmas, ou seja, "doentes", como o Papa Francisco diagnosticou.
→ Não apenas as Igrejas cristãs, mas também o Islã está em uma profunda crise de confiança em nível mundial. A aliança entre religião e violência já havia prejudicado gravemente o cristianismo na Europa. A violência terrorista de viés religioso ameaça a credibilidade da comunidade muçulmana global.
→ Muitos também estão, com razão, irritados com a aliança entre os políticos russos belicosos e o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa.
No entanto, nas religiões do mundo existem fortes forças que rejeitam e querem superar esse trágico vínculo entre Deus e a violência. Em seu empenho político com o mundo, as religiões deveriam ser guiadas por suas fontes proféticas e não pelos interesses dos poderosos. A verdadeira religião transforma a violência em amor (universal). Dignidade, igualdade, liberdade, justiça e paz com todos os homens e com a natureza estão enraizadas nisso.
Neste grave momento, nós, signatários deste apelo, pertencentes às várias comunidades de fé, dirigimo-nos aos nossos grupos, a todas as comunidades de fé e a todas as pessoas de boa vontade.
Queremos lembrar a nós mesmos e a todos com urgência:
→ Todas as comunidades religiosas precisam de autorreflexão crítica e de esforços para um autoaprofundamento e a renovação para recuperar a credibilidade e a autoridade moral muitas vezes justamente perdidas. A reforma interior e a memória teológica da história fazem parte da esperança de que precisamos.
→ Para que as comunidades religiosas sejam instrumentos de reconciliação e paz, elas devem, especialmente agora, superar todas as manifestações de rivalidade mútua e empenhar-se por uma cultura de reconhecimento e de respeito mútuos.
→ Todas as comunidades religiosas precisam de coragem e de humildade para sua "autotranscendência", isto é, abster-se de si mesmas e superar seu "narcisismo coletivo" para perseguir não apenas seus interesses institucionais e ideológicos, mas também assumir sua corresponsabilidade pelo mundo de todos.
O Papa Francisco – alinhado com o Concílio Vaticano II (Nostra aetate 2) - está muito preocupado que as religiões e todas as pessoas de boa vontade trabalhem juntas para o bem do mundo. No Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e a convivência comum, ele, juntamente com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, nos lembra que Deus "criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade, e os chamou a viver juntos como irmãos entre si".
As religiões alimentam a esperança de que os desafios atuais assomam sobre o mundo não sejam a morte da terra e da humanidade, mas o nascimento de um mundo em que os povos vivam na justiça e na paz em harmonia com a natureza.
14 de setembro de 2022.
Tomas Halik, sociólogo e teólogo, Praga.
Annette Schavan, ex-ministra federal alemã, Ulm.
Paul M. Zulehner, teólogo pastoral, pesquisador em religião e valores, Viena.
Stella Maram, secretária geral do Congresso Judaico Mundial, Bruxelas e Nova York.
Alberto Melloni, historiador, presidente da Academia Europeia das Religiões, Bolonha.
Massimo Faggioli, especialista em teologia e estudos religiosos, Universidade de Villanova, Filadélfia.
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Religiões: esperança para um mundo na corda bamba - Instituto Humanitas Unisinos - IHU