05 Setembro 2022
Fala o arcebispo de Brasília, Paulo Cezar Costa, que acaba de receber a púrpura. “A Igreja deve ouvir as razões do outro, mesmo que distante. O arcebispo de Milão nos indicou isso.”
A reportagem é de Giacomo Gambassi, publicada em Avvenire, 01-09-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se o cardeal Paulo Cezar Costa for questionado sobre qual é uma das prioridades para a Igreja hoje, ele não tem dúvidas: “Devemos ser uma Igreja do diálogo em uma sociedade cada vez mais dividida”. Depois, ele se detém por um instante. E cita um nome: o do cardeal Carlo Maria Martini. “Ele foi realmente um homem do diálogo, um modelo a ser seguido. Eu considero exemplar a sua capacidade de debater com a cidade, em sentido amplo do termo. É por isso que as suas intuições devem ser retomadas”.
Costa acabou de receber o barrete. É uma das 20 novas púrpuras criadas pelo Papa Francisco no consistório do último sábado, 27 de agosto. Brasileiro, à frente da Arquidiocese de Brasília desde 2020, ele tem 55 anos. Uma idade que o torna o terceiro cardeal mais jovem do Sagrado Colégio, depois de Giorgio Marengo, prefeito apostólico da Mongólia, de 48 anos, e de Virgílio do Carmo da Silva, do Timor Leste, um ano mais novo do que Costa.
Cardeal Carlo Maria Martini durante um encontro da Cátedra dos Não Crentes em Milão
Foto: Fundação Carlo Maria Martini/Avvenire
O rosto sempre sorridente do arcebispo latino-americano chama a atenção. E o tom pacato. A sua púrpura precede em poucos dias o 10º aniversário da morte de Martini, no dia 31 de agosto, e que foi celebrado na Diocese de Milão, da qual o jesuíta natural de Turim foi pastor durante 22 anos.
Martini era biblista; Costa, teólogo. “Tive a oportunidade de encontrá-lo três vezes – conta o novo cardeal –, mas sobretudo li muitos dos seus textos. Para ser uma Igreja próxima de todos, somos chamados a escutar as razões do outro, mesmo daqueles que podemos perceber como distantes. Martini nos mostrou isso, por exemplo, com a ‘Cátedra dos Não Crentes’.” Uma experiência que inspirou Costa a criar no Brasil a “Cátedra Carlo Maria Martini” na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde foi diretor do Departamento de Teologia. Cidade da qual se tornaria bispo auxiliar por vontade de Bento XVI, recebendo a ordenação episcopal em 2011, com apenas 43 anos de idade.
Muitos se lembram dele como um enérgico coordenador da Jornada Mundial da Juventude em 2013, mas também pelo seu compromisso com a pastoral intelectual: ainda nos passos do arcebispo de Milão. Depois, a transferência para a Diocese de São Carlos; a nomeação para a Pontifícia Comissão para a América Latina; e a chegada à capital do Brasil, onde também se destacou como “pastor do diálogo” com as instituições.
Eminência, as intuições do cardeal Martini, junto com seus gestos, devem ser consideradas proféticas?
Eu diria que Martini abriu um caminho, indicou a rota antes de outros. A “cultura do encontro”, cara ao Papa Francisco, e que eu considero a urgência da Igreja, já havia sido conjugada na pastoral ordinária. Além disso, a Igreja que ele queria era simples, participativa, sinodal, fraterna. Todas dimensões que agora são de extraordinária atualidade.
É hora de diálogo com o mundo?
Certamente. Uma responsabilidade que também questiona a nós, purpurados. O fato de ser cardeal não tem apenas um valor eclesial, mas também social. Isso significa encorajar o encontro com cada mulher e homem de boa vontade e com as realidades que nos cercam. Hoje vivemos um tempo de subjetividades fechadas, como eu costumo chamá-las. É uma situação difícil, porque cada um pensa que é dono da verdade. Em vez disso, é preciso sair de si mesmo e se dar conta de que faz parte de uma verdade maior. É preciso ampliar os próprios horizontes, o próprio olhar. E a fé permite esse salto de qualidade.
O que a Igreja pode fazer?
Há um desafio a ser enfrentado acima de tudo: o da proximidade. Quando a Igreja se fecha em si mesma e se afasta da vida do povo, isso se torna um grave problema. É o próprio Evangelho que nos diz que Cristo estava no meio das pessoas. Por isso, a comunidade eclesial deve ser portadora de diálogo e ser lugar de encontro com a sociedade. As nossas sociedades não terão futuro se prevalecer a lógica do confronto e da contraposição. Há a necessidade de unir as diversas almas. E a Igreja tem essa tarefa. Isso significa uma presença social renovada, que não pode se reduzir apenas à ajuda e à solidariedade, mas também deve permitir que as pessoas sejam protagonistas da própria história. É uma nova forma de caridade.
O cardeal Martini foi um homem da Palavra que “ilumina os passos”.
É outra das suas heranças. Ele colocou a Escritura no centro do seu ministério e da vida da Igreja, como solicitado pelo Concílio e depois como Bento XVI reiteraria na exortação apostólica Verbum Domini de 2010. Só se a comunidade eclesial for inflamada pelo fogo da Palavra é que ela será evangelizadora e missionária. Porque é a Palavra que transforma a vida.
Cardeal Carlo Maria Martini durante um encontro da Cátedra dos Não Crentes em Milão
Foto: Fundação Carlo Maria Martini/Avvenire
O que o senhor traz para o Colégio Cardinalício?
Acima de tudo, a alegria da Igreja brasileira. Sinto que posso afirmar que vivemos a alegria do Evangelho. E, depois, a valorização do laicato. Nas nossas comunidades, o cotidiano é marcado pelo constante envolvimento dos leigos. É preciso caminhar juntos. Um papel-chave é desempenhado pela paróquia, que é a Igreja no meio das pessoas e deve ser fonte de esperança.
Qual é a sua relação com o Papa Francisco?
Eu o conheci às vésperas da JMJ do Rio de Janeiro em 2013, que, na Igreja brasileira, despertou a opção preferencial pela juventude. Como auxiliar, eu acompanhava a organização do evento. E, logo depois que Bergoglio foi eleito papa em março de 2013, fui ao Vaticano para lhe apresentar o programa. O Rio foi a primeira viagem internacional de Francisco, e, durante a semana no Brasil, eu tive a oportunidade de passar um tempo com ele. O papa deseja uma Igreja do encontro, aberta, capaz de acolher e de se questionar. Além disso, ele tem uma grande atenção pelo Brasil, como demonstra o fato de ele ter recém-criado dois novos cardeais da nossa nação.
Proliferam no país os grupos evangélicos e pentecostais, corroendo os fiéis da Igreja.
Tudo isso deve nos questionar. Como comunidade cristã, devemos, por um lado, estar ao lado do povo e envolvê-lo cada vez mais na vida eclesial. Depois, por outro lado, ajudar as pessoas a fazerem a experiência do mistério. A fé é o encontro com o absoluto, que ocorre de forma intensa.
O Brasil está em ebulição devido às eleições presidenciais de outubro. Lula e Bolsonaro disputam o cargo.
Eu espero que não caiamos na polarização, que se torna um mal quando se transforma em ideologia e se afasta dos problemas reais. Quem liderar o país deve uni-lo e ser o presidente de todos. Isso vale para o Brasil, mas também para qualquer nação do mundo, incluindo a Itália.
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“Eu, novo cardeal brasileiro, na escola do diálogo de Carlo Maria Martini”. Entrevista com Paulo Cezar Costa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU